21. Fase II - Yami

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Nota: Yami - escuridão


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Tóquio, Distrito de Yoshiwara – 11 de julho de 1877

Ano 10 da Era Meiji

Sasuke...kun?

A elocução, acompanhada pelo honorífico "kun", lhe atribuiu o mesmo grau de intimidade de um velho amigo, extinguindo a distância e indiferença que o ronin tentara – tão inutilmente – instituir ao longo dos meses que antecederam aquele reencontro. Em seus lábios carmesim, seu nome soou quase obsceno, como um feitiço milenar proferido no intuito de seduzi-lo.

Despida das formalidades de outrora, Sakura não lhe parecera menos irreal. Iluminada pelo brilho áureo de uma única vela, era injusto o quanto ainda era insuportavelmente bela, ainda mais. Tão imaculada que lhe feriu a alma tomada de escuridão. Seus olhos verde-esmeralda mergulharam nos negros dos seus e, por um milésimo de segundo, o ronin esquecera-se do porquê estava ali, em primeiro lugar, e do iminente perigo que a cercava.

Sua presença naquele minúsculo cômodo o preencheu de um sentimento confuso, uma amálgama de pavor e contentamento. Uma inquietação expandia-se e se multiplicava no peito, pensando o quanto era completamente maluca por estar ali, uma mulher em um antro de assassinos. Ao mesmo tempo, sentira-se estranhamente grato por ter um segundo vislumbre da criatura impecável que persistia em protagonizar cada um de seus pensamentos.

Desviou os olhos, atentando-se ao cômodo em que estavam. Sondou-o brevemente, como era costumeiro a ele, visto que um guerreiro não permanecia em um território sem conhecê-lo antes – no fundo, querendo distrair-se de sua presença. Concluiu estar em um depósito qualquer, dado a quantidade de caixas empilhadas e empoeiradas nos cantos, um odor desagradável de mofo e umidade pairava no ar, mas estivera em lugares muito piores e sequer o incomodou.

Diferente dele, a maiko parecia nitidamente desconfortável e aquilo não o surpreendeu nem um pouco. Não era preciso ser um especialista para saber que jamais fora exposta aos infortúnios de uma vida de pobreza ou sofrimento, visto que absolutamente tudo sobre ela irradiava refinamento e suntuosidade, díspar ao próprio comportamento grosseiro e animalesco, adquirido após tantos anos convivendo com a pior qualidade de pessoas que se poderia imaginar.

Percebendo-se observada com minúcia, a mulher expressou um sorriso pequeno do qual Sasuke não soubera como retribuir. Ah, mas não o fizera propositalmente, nunca estando tão ciente de sua inexperiência com o sexo oposto como naquele momento. Era tão simples interagir com outros homens, bastando-lhe dar respostas curtas e grosseiras para mantê-los afastados. Aliás, o mesmo poderia ser aplicado às mulheres, visto que nunca tivera paciência para lidar com elas.

Então, a verdade é que nunca estivera tão ciente de Sakura e da complexidade enervante que sua mente e coração pareceram atribuir a ela.

Diante de sua antipatia, ela se encolheu quase imperceptivelmente. Mas como nada passava despercebido aos olhos treinados do Uchiha – ao menos, não movimentos físicos –, fora inevitável não sentir uma pontada no próprio orgulho ao notar-se responsável por aquela atitude, intensificando ainda mais sua impaciência.

Certamente poderia esforçar-se para ser menos desagradável com a mesma mulher que, tantos anos atrás, tratou-o com tamanho esmero. Mas entre sorrir – aliás, sabia como fazê-lo? – e lidar com aquela estranha delicadeza e feminilidade diante de si, preferiu-se manter indiferente.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now