43. Fase III - Sonae areba urei nashi

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Sonaeareba urei nashi: "Se houver preparação, não há nada a temer", ditado popular japonês.

Nota: lembrem-se que as referências visuais de personagens, figurinos e cenários está no pinterest da fic: https://br.pinterest.com/ladyalice01/kurushimi/

Boa leitura!


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Tóquio – 15 de novembro de 1877

Ano 10 da Era Meiji


A tempestade diminuiu ao amanhecer.

Mas uma garoa fina ainda despencava sobre as telhas do quartel da ninkyō dantai, escorrendo pelas paredes externas que, após o violento confronto, precisaram ser trocadas e reformadas. A chuva de horas antes trouxera consigo uma densa camada de neblina que pairou sobre o chão do pátio, intensificando o frio do outono, alastrando-se nos longos corredores toldados pela luz amena das lamparinas a gás.

Com as costas eretas, braços cruzados e espadas na cintura, os kyodai estremeceram e ajustaram o haori para protegerem-se do vento, soprando as mãos em uma vã tentativa de aquecê-las, a própria respiração saindo da boca como uma névoa esbranquiçada. Àquela altura, deveriam ter retornado para dentro a fim de colocar uma capa para suportar a vigia da madrugada, mas não podiam mais dar-se ao luxo de abandonar seus postos.

Não quando tanto se perdera desde aquela fatídica noite e a estabilidade de outrora não mais existia.

Meses se passaram desde o confronto. A água havia lavado todo o sangue, os corpos foram carbonizados, o casarão reconstruído, os pertences devolvidos às famílias, mas o cheiro e as lembranças residiam vividas nas lembranças de cada um deles. Tão acostumados a tirar a vida de seus inimigos, jamais souberam a dimensão da dor de perder tantos aliados em um único dia até o momento em que tiveram que carregar suas carcaças ensanguentadas e assisti-los desaparecerem nas chamas.

Queimando.

Suas histórias reduzidas a pó.

Compreendiam que, eventualmente, aquele sofrimento, a ausência e a saudade desapareciam como se jamais houvessem existido. Outros surgiriam para suprir o vazio deixado para trás e a família Saito teria homens o suficiente para um dia se esquecerem que faltaram-lhe muitos. E juntos lutariam, beberiam, gargalhariam e se chamariam de irmãos, mas... A dor ainda existia, pois do pequeno shatei ao oyabun, ninguém havia realmente se recuperado.

Sentimentos, afinal, não eram como as paredes do quartel. Não se podia facilmente substitui-los.

Além de tudo, havia outra emoção a sobressair-se ao luto: ódio. A compreensão de que nada daquilo deveria ter acontecido, de que aqueles que se foram poderiam ainda estar ali, compartilhando piadas sujas e regozijando-se das noites de Yoshiwara; outros muitos teriam retornado para seus lares com suas esposas e filhos que, ainda mais intensamente, choravam de saudade pela perda do provedor de sua família – uma responsabilidade que a ninkyō dantai apanhou para si mesma em compensação aos danos causados.

Nada teria acontecido. Nenhuma morte, nenhuma batalha, nenhum lamento, nenhuma esposa desamparada, nenhum filho clamando o nome de seu pai. Nada, se não fosse pelo maldito garoto.

E aquela revolta não dava sinais de extinguir tão cedo, quiçá, nunca. Sobretudo quando o responsável ainda estava ali, andando pelos mesmos corredores que enchera de corpos e sangue, o nariz empinado como se cada homem morto por sua irresponsabilidade não passasse de um peão em seu joguete de vingança, facilmente substituível. Não era ele, afinal, um Uchiha? O nome em si trazia consigo o presságio de desgraça. Uma maldição que, incompreensivelmente, era permitida circular livre entre as vítimas de seu infortúnio.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now