Capítulo 5. Alta

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Eu achava que eles tinham abolido os gases imobilizantes do Oásis. Mas, pelo visto, eu estava em uma situação especial. Que honra.

O tremulon se aproximou de mim. Nem de máscara ele precisava, já que o gás entrava no seu corpo e não fazia nenhum efeito. E, mesmo que seu corpo não tivesse sustentação, ele se estendia alto à minha frente, em alguma piada do universo. Se ele tivesse dentes, tenho certeza de que teria sorrido.

– Sua mãe teria vergonha de uma ideia tão ruim... – Ele disse, sua vibração sendo traduzida em palavras no meu cérebro. Meu corpo se retesou.

– Não... Ela se orgulharia do quão longe eu cheguei dessa vez. – Grunhi, sem saber se eu estava realmente mais certa do que o tremulon. – Você já deveria saber que eu não ia ficar... Humanos não são bons com comprometimento. – Dei de ombros, mas boa parte da minha linguagem corporal passava em branco naquele lugar, o que era ótimo quando eu queria sair distribuindo dedos do meio nos noxdiems ruins. E então eu percebi que meus movimentos estavam retornando.

– Achei que você fosse diferente.

– Por quê?

– Porque você durou até agora.

– E isso foi um erro. – Meu tom se elevou. Não existia honra em insistir na própria tortura, pelo orgulho de sobrevivê-la. E essa foi uma lição que os outros aprenderam muito antes de mim. – É minha hora de ir.

– Se sair do Oásis antes do final do seu período, será sentenciada por traição ao Império. – Seu tom soou autoritário, como eu conhecia.

Eu já estava presa.

– Eu sei... – Meus dedos se apoiaram no chão. – E é exatamente por isso que vocês não vão me achar.

Quando me levantei em um impulso contra o piso, dispararam contra a minha direção, deixando um buraco no chão onde deveria estar minha cabeça. Cambaleei, ainda atordoada pela névoa, na direção da ambulância que o desconhecido tinha desbloqueado e me escondi nas sombras brancas. O chão dançava embaixo dos meus pés e as paredes respiravam contra minhas mãos, puxando, empurrando e, em algum momento, tropecei para o chão. Me arrastei o mais silenciosa que conseguia até que ficasse de pé novamente, como se eu não pudesse cair de novo e ser encontrada. Eu conseguia ouvir os passos dos guardas às minhas costas, o lazer de suas armas atravessando a neblina, me caçando.

Um deles gritou que tinha me visto.

E eu tentei correr, mas as pernas falharam.

Mas, antes que os guardas se aproximassem, o rugido trovejante de uma fera tomou a névoa, me dando uma fagulha suficiente de adrenalina para que eu conseguisse correr. Quando os sons chegavam aos meus ouvidos, arrepios se despertavam por todo o meu corpo. Aqueles rugidos soavam como se viessem de outra dimensão, por que nessa não podia haver algo tão massivo, poderoso e perverso... Enviei um olhar para trás, mas me deparei apenas com o branco infindável de onde emanavam os sons do fim do mundo... Que me lembravam de visões em que o espaço se dilacerava e morte galopava para nós...

Eu não precisava enxergar para saber o que estava acontecendo.

E eu precisava sair dali.

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Um dia, sob as ordens de espécies alienígenas nunca vistas, a humanidade terminou de construir o poro. Era um gigantesco aro que poderia abraçar a Terra por inteiro, alimentada por um enxame de placas solares que orbitavam nosso sol. Quando todos os raios convergiram no centro do aro pela primeira vez uma explosão iluminou o espaço como um pulsar, rasgando a malha do espaço ao centro do poro e conectando-o a algo além. Assim, estava aberta a porta que aproximava os mundos da Via Láctea e a Terra passou a fazer parte do Império Interestelar de Ítopis.

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Abri a porta da ambulância como se eu pudesse arrancá-la e me joguei atordoada no assento do motorista. Eu nunca tinha pilotado uma ambulância antes, mas tinha lido o suficiente sobre para pelo menos saber ligá-la – se seus botões, que pareciam flutuar ao meu redor quando deveriam estar parados no painel, me deixassem apertá-los. Minhas mãos se atropelaram pelos comandos e, quando eu finalmente consegui acertá-los, o veículo acelerou, ziguezagueando através da cortina de gás conforme as paredes do corredor pareciam se mover.

Então uma explosão de gelatina cobriu o para-brisa. Droga! Apertei um botão para limpá-lo e assisti os restos do tremulon se espalharem pelo chão, enquanto eu atravessava a névoa para longe, entre os gritos dos guardas e os rosnados de algo pior. Corpos foram jogados contra a ambulância, parcialmente despedaçados por aquilo que apenas podiam ser garras... E então eram puxados de volta para o branco imaculado que protegia meus olhos do que estava acontecendo.

Parei a ambulância entre o primeiro e o segundo conjuntos de portas da saída da garagem, na zona de transição entre a atmosfera artificial do Oásis e o vácuo do espaço. Tive de descer da ambulância para apertar um botão brilhante na parede e o espanquei até que a primeira porta começasse a descer, em uma silenciosa contagem regressiva. Quando a primeira porta estava na metade do caminho, vi uma sombra distante na neblina, aproximando-se com a velocidade de um jato e os dentes cobertos com um líquido verde limão... Que estava dentro dos guardas... E agora aqueles dentes se aproximavam do meu pescoço.

Mesmo com a névoa, ele conseguia me ver claramente; mesmo embaixo da minha pele, ele conseguia sentir o cheiro do meu sangue e do meu medo escapando pelos poros; conseguia ouvir os batimentos do meu coração, tão apressados quanto minha mão contra o botão... E ele estava ansioso para prová-lo.

Quando a porta desceu o suficiente para que eu não conseguisse mais ver sua cabeça, o fevino trovejou, tão violento que o som entrou em ressonância com meus ossos. E então, quando faltava apenas alguns centímetros para a porta se fechar ao chão, o vulto rolou pelo espaço e foi aprisionado ali comigo.

Me espremi contra a parede, tentando desaparecer dentro dela. E então a cabeça da fera foi rasgada ao meio como uma segunda pele, revelando o humano atrás dela. Ele me encarou com um sorriso venenoso, afogado em adrenalina.

– Você ia me deixar para trás?

– Achei que fosse me matar...

Ele se levantou devagar.

– Não eu... – Me enviou um olhar. – Mas ele ia.

E então o desconhecido entrou na ambulância, quando eu era quem precisava de socorro.

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Minha mãe costumava me dizer que, lá fora, o universo me engoliria viva. Mas, se eu fosse amarga o suficiente, ele me cuspiria de volta; e, se eu fosse venenosa, ele descobriria que o melhor era não mexer comigo.

– Você vai aprender... – Ela dizia. – Ou então vai morrer.

E, agora que meus olhos encaravam a vastidão à frente, eu esperava ter aprendido o suficiente.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now