Capítulo 26. Comorbidade

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Terceiro círculo do Império
Pacífia

Doxy estava rígida enquanto caminhávamos pelos corredores do palácio de Pacífia, seguindo o metriona para a morte da sua própria mãe. Se eu tivesse tido a oportunidade de ver a da minha, não acho que teria coragem de querer... Mas eu duvidava que Doxy fosse o tipo de pessoa que se perdoasse por não saber de algo, ainda que as respostas a ferissem mais do que as perguntas.

Eu conseguia ver de longe aquela ruguinha de preocupação se formando entre as sobrancelhas e tudo que eu queria era poupá-la daquela sensação... Convencê-la de que tudo ficaria bem, se ela não visse os monstros que eu não via. Cutuquei-a com o cotovelo e um sorriso falho, conseguindo suavizar sua expressão por um momento, ainda que breve.

– Se quiser ir embora, eu sei onde a Hasta está... – Sussurrei sobre o seu ombro e ela virou seu rosto para me encarar, aproximando-o do meu naquele segredo nosso. Vi nas profundezas do mel nos seus olhos aquela fagulha trepidar e quase perdi a coragem de dizer: – Mas acho que deveríamos ficar. – E então ela desviou o rosto. – Você viu o que aconteceu quando tentamos chegar no núcleo sozinhos... Talvez com a revolução nós possamos chegar mais longe. E, talvez com eles, possamos melhorar o Império lutando por uma causa mais... Sólida.

Eu podia odiá-los por me usarem como ferramenta tantas vezes, mas não podia negar o quanto tinham me ajudado no passado. E, se era mudança que precisávamos, eu não conseguia vê-la sendo alcançada sem eles.

– Você ainda não acredita no perigo da doença, não é? Mesmo depois de termos falado com os Áulicos...

Eu achei que os pacifistas iam convencê-la de que o melhor para Ítopis era a queda do Aulicado, mas ela parecia continuar acreditando que deveria confiar neles o controle sobre o Império, depois de tudo. Pelo visto era mais teimosa do que eu estava imaginando... Ou "determinada", como ela gostava de chamar.

Mas, quando eu encarava o fogo atrás do seu mel, eu não conseguia me irritar... Eu só conseguia sonhar que um dia algum parecido se acendesse em mim.

– Não consigo confiar neles depois de tentarem nos cozinhar no forno de um sol. – E depois de todas as outras coisas que fizeram comigo também...

Ela parou de andar e se voltou para mim, me encarando cheia de certezas e de dores flutuando na superfície... Era quase como se, sem nem precisar conhecer sua história, eu fosse capaz de ver toda a desolação que ela tentava tão desesperadamente enterrar e esquecer... Porque, no fundo, éramos todos muito mais tristes do que gostávamos de admitir.

– Eu vi com meus próprios olhos minha mãe perder a cabeça por uma cura para essa doença... E a vi desaparecer da minha vida por causa dela. – Lágrimas se formaram, mas ela não as deixou cair por seu rosto. – Eu não ligo se são os Áulicos, os rebeldes ou os pacifistas que estão no controle dessa maldita galáxia, contando que a doença seja destruída... Para que Ítopis se torne melhor.

– Se é isso que você quer, então deveria se importar com quem a está controlando.

– Não importa quem, se estiverem todos doentes.

Talvez ela estivesse certa em acreditar que isso fosse um problema, mas eu duvidava que fosse o único. Eu conhecia aquele Império o suficiente para saber que o Aulicado era capaz de ter apodrecido sozinho.

Ela fez menção de se virar para voltar a seguir o metriona, mas então eu toquei seu braço, pedindo-a que não fosse ainda. Havia mais tanto para dizer... Tanto que eu nunca diria antes, mas que agora precisava; para mostrá-la que havia nesse Império muito mais do que pudesse ter imaginado:

– Eu vi com os meus próprios olhos meu pai ser assassinado por causa dos Áulicos. E perdi minha família por causa do Império em que vivemos hoje... – Ela abriu a boca, mas nenhum som conseguiu sair. – Já estão todos doentes, Doxy... E não há remédio que cure essa doença.

Então eu me virei e segui o metriona.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsOù les histoires vivent. Découvrez maintenant