Capítulo 53. Latência

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Arkadi sentiu nas mãos o peso da minha dor quando a falsa memória da morte da minha mãe me fez desabar; me viu colecionar cada motivo para matar o metriona; e, quando eu finalmente o tinha nas mãos, me encarou nos olhos e exigiu que eu o deixasse viver, apenas para quebrar a promessa que um dia me fez.

Mas eu apertei o gatilho... E mais um milhão de vezes na minha mente. Porque, mesmo com o universo inteiro e até ele contra mim, eu não iria parar.

Era apenas em morte que acabavam guerras como essa. E eu já tinha perdido as esperanças em finais diferentes para as minhas batalhas.

Korrok se voltou para os vorrampes e apontou para o cadáver dourado e os soldados rapidamente se aproximaram.

– O que vão fazer com ele? – Perguntei.

– Enviá-lo a Bleine.

– Para provar que fizemos o trabalho? – Eu duvidava que ela quisesse continuar nossa aliança depois do que fizemos com seus soldados.

Korrok me abriu um sorriso torto.

– Para avisar que ela é a próxima.

Um dia eu teria ficado assustada com aquilo... Mas não mais.

Me aproximei do corpo do metriona antes que os vorrampes o levassem e me abaixei para encarar seu vazio, de onde uma dolorosa verdade me encarava: eu não o destruíra pelo que ele tinha me feito... Mas pelo que eu tinha me tornado.

Tirei do bolso meu bisturi e o cravei na superfície metálica da cabeça do metriona, rasgando uma camada de aurium onde seus olhos se encrustavam. Esfreguei a calota dourada com o antebraço até que meu reflexo me encarasse de volta, olhos sanguinolentos tão parecidos com os da minha mãe, vendo a morte se acumular nas minhas pegadas assim como um dia transbordara das dela.

– O que vai fazer com isso? – Korrok perguntou, apontando para o pedaço do metriona nas minhas mãos e eu lentamente ergui os olhos para ele, mostrando o fim escondido atrás.

– Começar uma coleção.

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A revolução rapidamente se estabeleceu no palácio dourado – porque Lupan, Deinos e Plumala tinham ficado para trás para se encarregar disso – e se iniciaram as preparações para o próximo e último ataque.

Agora tudo estava em jogo, todas as cartas na mesa, tudo a mostra para se perder... Mas ainda muito mais para ganhar.

Assim que eu tive a oportunidade, cobrei Deinos pelo treinamento que há tanto ele me devia. Minha mira tinha melhorado muito desde que passei a usar o meu aprimoramento, mas eu queria ter certeza de que não falharia.

– Tem certeza de que quer estar na frente de batalha? – Deinos me perguntou. – Ninguém a culparia se ficasse para trás de novo.

– Eu estava assustada na última vez... Mas não estou mais. – Deinos me estudou, e nós já não sabíamos se eu estava mentindo. – Sei que vocês precisam todo e cada soldado... Porque apenas um já pode fazer toda a diferença.

– E você quer ser ele?

– Se eu for o último em pé, então o serei.

Deinos desferiu um golpe nas minhas pernas, me derrubando ao chão.

– Então temos muito o que treinar.

Não vi quantos noxdiems se passaram... E não contei o tempo desde a última vez em que falei com Arkadi.

Às vezes seus olhos encontravam os meus, quando, ao final de cada noxdiem, pisávamos no salão central e nos encarávamos através dos vapores dos pratos nos quilômetros de mesas entre nós. Cada olhar era mais carregado de palavras do que o anterior, mas ele nunca as contava para mim, porque sempre virava as costas e desaparecia nos corredores sem nem olhar para trás.

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