Capítulo 40. Necrose

20 1 0
                                    

Segundo círculo do Império
Distrito de Veneno

Desci da pedra deslizando devagar pela neve até me aproximar das construções negras na periferia do acampamento. Alguns dos soldados da rebelião me seguiram para atacar, enquanto outros carregaram o corpo do pione que eu tinha atingido para os nossos caminhões na floresta, um daqueles que se tornariam os nossos novos soldados, quando o metriona o convencesse de dentro para fora.

Caminhei em silêncio pelos corredores vazios entre as construções, quase agradecendo à neve por calar meus passos. Mas eu sabia que ela faria o mesmo pelos dos soldados do Império... E que, diferentemente de mim, eles disparariam para matar... Eu precisava ser cauteloso.

Perscrutei os corredores, totalmente vazios, até que um pione surgiu de uma esquina bem na minha frente. Ele puxou sua arma, cheia de balas ansiando pelo meu sangue, mas, antes que pudesse apertar o gatilho, eu disparei primeiro. E, ao cair, ele chocou sua cabeça contra a parede de pedra da construção, fazendo um barulho sólido que eu senti como uma martelada na minha própria cabeça.

Outros piones se aproximaram, intrigados pelo som, que praticamente tinha ecoado por cada canto do acampamento. Eles imediatamente dispararam contra mim e um dos projéteis cavou um buraco na parede ao lado da minha cabeça, errando meu crânio por muito pouco e enchendo as minhas pernas com o ímpeto de correr. Fugi por entre as construções, mas os piones me seguiam de perto, disparando contra as minhas pernas e espirrando neve no meu rosto a cada erro, enquanto seus gritos atraíam outros inimigos. Minha arma não era suficiente para dar conta de todos deles. Meus dedos se atrapalharam com um dos bolsos, mas consegui pegar uma esfera especial, pálida como uma bola de neve enclausurada em plástico e a minha única alternativa. Apertei um botão e a arremessei para os piones, assistindo-a explodir em uma bomba de pó que engoliu os inimigos. E então eles pararam de disparar.

Me escondi atrás de uma das árvores da periferia do acampamento em uma tentativa de recobrar meu fôlego e observei aquele rio branco tomar as ruas nevadas, contaminando cada pione que cometia o erro de ir verificar o que estava acontecendo. Ele parecia aquela névoa que me tinha me imobilizado com Donecea no hospital no sétimo círculo do Império... O rosto dela tomou a minha mente, longe e segura nas tendas iátricas, me odiando.

Tudo que eu queria era voltar e tomá-la nos meus braços... Mas ela provavelmente preferiria me ver morto. Eu era um idiota. E afastá-la tinha definitivamente entrado para a minha própria lista de motivos para me odiar – uma lista muito maior do que eu tinha o orgulho de admitir.

Eu tinha motivos para me manter longe, como tinha feito por tanto tempo, mas dessa vez aquilo pareceu... Estúpido. Doloroso... Porque Donecea tinha se encravado na minha mente como uma farpa que eu não conseguia tirar. Talvez eu devesse me render à sua proximidade sem me preocupar com o futuro e a dor que ele traria, apenas para me aliviar daquela que eu sentia agora... Mas talvez já estivesse tarde demais.

Quando ouvi um grito de Deinos, voltei para a realidade.

Encarei o acampamento, mas não conseguia ver nada além da névoa. Subi pelos galhos da árvore, fortes o suficiente para me sustentar, até que estivesse acima da nuvem de pó. Consegui ver no telhado de uma das construções o corpo de Deinos, caído e preso ao chão pelo ferrão de um pione profundamente encravado em um de seus braços. O veneno brilhante do inimigo migrava do bulbo para o espinero, navegando embaixo da sua pele em veias pintadas de escarlate e despertando em Deinos rugidos que talvez Donecea conseguisse escutar das tendas iátricas.

Ele estava morrendo. Mas talvez eu pudesse salvá-lo.

Me equilibrei pelo galho e pulei no telhado, atraindo a atenção do pione com o som dos meu pés se chocando na rocha. O inimigo se virou para mim, arrancou seu ferrão do braço de Deinos e lançou seu bulbo na minha direção, não me acertando por pouco quando rolei para o lado com os reflexos do fevino. O pione avançou e mirou a ponta do ferrão diretamente no meu peito, avançando para cravá-la em mim. Tentei segurá-la, mas mais e mais o brilho afiado se aproximava, quase rasgando o uniforme, a pele e o músculo abaixo no caminho para o meu coração.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora