Capítulo 16. Descamação

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Pelos últimos dois noxdiems a nave deslizou no espaço rumo ao núcleo da galáxia. Nós já não estávamos mais nas periferias esquecidas de Ítopis, mas ainda ia demorar muito para que chegássemos em nosso destino, o que nos condenava ao tédio... E às perguntas sobre o que mais encontraríamos pelo caminho.

– Sabe uma coisa que deveríamos fazer? – Tomei a atenção de Kadi de um protótipo em que trabalhava. – Treinar seu fevino.

Ele me encarou como se eu sempre tivesse sido louca.

– Eu não sabia que você era iátrica e domadora de animais.

– Eu sobrevivi à pediatria do Oásis. – Dei de ombros. – Mesma coisa.

– Achei que fosse eu que tivesse uma cota diária de perigo para preencher. – Implicou. – Tenho livros, se quiser se distrair com algo... Menos mortal. – Eu tinha visto os livros que ele tinha. E as duas primeiras guerras mundiais humanas não eram os meus assuntos preferidos. A terceira era muito mais interessante.

– Você tem uma arma poderosa dentro de si, Kadi. – Ele revirou os olhos. – Que poderia ter ajudado com os saqueadores e pode ser a única coisa que nos salve no futuro. – Me inclinei para frente. – Mas você não sabe nem apertar o gatilho.

– Se está sugerindo, é porque você quer apertá-lo. – Ele também se inclinou, me desafiando.

– Não deixe seu orgulho impedi-lo de alcançar seu potencial.

– E você não deixe que sua ambição a dê um tiro no pé. – Recuei.

– Você só está com medo de fazer alguma besteira.

– Eu não chamaria matá-la de "besteira".

– Então você deveria me deixar treiná-lo! – Insisti. – Se ele emergir quando não estivermos esperando vai ser muito pior!

Aquilo pareceu ser suficiente para, pelo menos, deixá-lo incerto.

Kadi passou as mãos pelo cabelo, como se tentando agitar os neurônios, e, de alguma forma, eles pareceram funcionar. Ele abriu um sorriso, os olhos felinos salpicando arrepios no meu corpo.

– Vou prová-la que nem tudo você pode controlar...

Ele se levantou e caminhou na minha direção, a proximidade entre nós se tornando colossal conforme o espaço se tornava insignificante. Parei de respirar quando ele passou por mim e abriu um de seus armários embaixo do painel, retirando dele uma enorme corrente prateada, do tipo que ancorava navios às profundezas de oceanos. Ele se voltou para mim e mandou:

– Me amarre. – Eu já estava obedecendo. – E não me deixe escapar.

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Amarrei Kadi como se minha vida dependesse disso – talvez realmente dependesse – e enrolei as correntes ao redor dos canos nas paredes. Fevinos eram seres de extrema força, mas seria impossível escapar de amarras metálicas como aquelas. Ou pelo menos era o que eu esperava.

– Eu preciso de algo para torturá-lo... – Murmurei. E ele me encarou como se já fosse a fera. – Como espera que eu force o fevino a me obedecer?!

Kadi se rendeu, frustrado, e apontou com a cabeça para outro armário.

– Tenho um bastão elétrico naquela gaveta.

Por que ele tinha isso também? Peguei a arma sem fazer perguntas.

– E agora, como fazemos ele sair? – Kadi perguntou.

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