Capítulo 24. Crisoterapia

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Terceiro círculo do Império
Pacífia

Acordei... Eu não estava esperando por isso.

Senti o conforto de roupas limpas e cobertas macias ao meu redor, tão diferentes do frio metálico e sangrento que estavam nas minhas últimas memórias. Ergui as pálpebras devagar para o borrão dourado das paredes que me envolviam, brilhando abaixo da luz que inundava o ambiente por uma abertura na parede. Me virei para o lado na cama e então me deparei com Kadi, adormecido como se pela primeira vez na vida. Ele também estava vestindo roupas limpas que não o pertenciam e o cheiro refrescante que seu corpo emanava quase foi capaz por si só de tirar todas as minhas preocupações. Quase. Cutuquei-o.

– Kadi? – Sussurrei. – O que aconteceu?

Depois do tiro, minhas memórias tinham se tornado um borrão confuso de dor, vermelho e dourado; e eu precisava da mente dele para esclarecer o passado.

– Por que está acordada tão cedo? – Ele resmungou. – Aproveite o paraíso... – E então se aconchegou mais ainda às cobertas. Eu não consegui não sorrir, mas pelo menos ele estava de olhos fechados.

– O que é esse "paraíso"?

– Um lugar tão bom quanto sonhos...

Ergui uma sobrancelha, que ele não viu.

– Eu não chamaria o escuro atrás dos meus olhos de "paraíso", então. – Cutuquei suas costelas e ele me espreitou com um dos olhos. – Meus melhores sonhos aparecem quando eu estou acordada.

– Diz isso porque não sabe o que acontece nos meus... – A ponta de seu dedo se esticou para fazer desenhos no meu antebraço. – Não sabe o que eu faço...

Mordi meus lábios para não dizer que eu queria saber. E, quando ele me encarou, eu os soltei para dizer:

– Só queria lembrá-lo que sonhos não são reais, Kadi... – Sussurrei.

– É verdade... A realidade pode ser sempre melhor... – Ele fez menção de se aproximar, mas eu o torturei com a minha distância.

– Como chegamos aqui?

Ele se espreguiçou e só abriu a boca depois de ver meu olhar exigente:

– Fomos resgatados.

– Pelo Império?

– Pelos pacifistas.

Ergui uma sobrancelha. Mais um grupo envolvido com aquela guerra para colocar suas garras em nós... O que eles poderiam querer?

Kadi tocou meu braço, resgatando minha atenção para a segurança daquele ambiente dourado e diminuindo as rugas de preocupação na minha testa.

– Nós podemos confiar neles... Estão ajudando a revolução.

– E por que nós podemos confiar nela mesmo?

Ele abriu aquele seu sorriso torto.

– Você prefere confiar nos Áulicos, que tentaram nos jogar em um sol? – Não tinham sido eles; não faria sentido... Só a doença poderia querer destruir o que havia em mim. – Não parecem existir muitas opções.

Me inclinei sobre ele, meu sussurro quente ao seu ouvido:

– Nós criamos as nossas próprias opções, Kadi.

E então o empurrei para fora da cama.

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Na borda da cama um vestido me aguardava, uma peça elegante totalmente diferente das roupas de couro de Kadi que eu vestia. O pacifistas realmente me achavam digna daquilo? E, olhando ao redor para as paredes douradas e para a opulência impregnada em cada centímetro quadrado do ambiente e do tecido diante de mim, eu me perguntava como os pacifistas podiam ser tão ricos... Eu achava que apenas com sangue se conseguiam poderes assim.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now