Capítulo 17. Hereditariedade

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Quarto círculo do Império
Avória

A fúria da fera se misturou à minha dor ao ponto de que, dentro de nós, não havia nada além de caos para causar destruição. Eu podia não estar no controle, mas não podia dizer que não tive nenhuma culpa quando os dentes do fevino voaram na direção de Donecea. Pelo menos, quando ouvi o som do disparo, por trás daquelas camadas pétreas de fera e poder, me lembrei de que não podia continuar escondido, ou então o que aconteceu antes continuaria acontecendo, e finalmente explodi em medo, fúria e culpa para além da fera, roubando de volta o controle. Eu tinha sido fraco demais, por tempo demais... E estava cansado disso.

Quanto eu podia culpar Donecea por aquele desastre?

Não mais do que a mim mesmo.

Quando uma chamada de Korrok brilhou no painel da Hasta eu atendi apenas para mandá-lo ir ao inferno. Mas ele soltou antes:

– Preciso de um favor.

– Não. – E, antes que eu pudesse desligar:

– Espere! Não me diga que ficou com raiva depois do que fez por nós... Deveria estar orgulhoso! – Pela alegria em seu tom, imaginei que os rebeldes tinham conseguido tomar o Distrito de Sangue. Pelo menos até que o Império o recuperasse de volta.

– Não vou mais ajudar a rebelião.

– Quantas vezes você já disse isso? E sempre teve uma próxima vez... – Abri a boca para retrucar, mas ele me interrompeu: – Talvez seja porque você sabe que estamos certos. E, no fundo, quer a mesma coisa que nós...

– Não. É porque vocês pagam bem.

Korrok soltou uma gargalhada rasgada.

– E dessa vez não vai ser diferente.

O bastardo sempre sabia o que dizer.

Pensei sobre o que eu tinha dito a Donecea há alguns noxdiems, na fúria de ter sido levado a cometer um ato de guerra muito maior do que eu estava esperando. Eu tinha prometido me envolver com seus planos de destruir aquela guerra, mas eu não sabia o quanto estava disposto a lutar por uma causa que mal conhecia, enquanto que a da revolução era tão mais clara... Sem contar que eles pagavam na hora. Tudo que eu sabia era que, entre ser a marionete de Donecea e de Korrok, eu ganhava mais ajudando o vorrampe.

– O que você quer? – Murmurei.

– Vou mandar as coordenadas.

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– Vamos ter que pousar. – Avisei para Donecea e não fiquei para conversa. Ainda assim, ela me seguiu.

– Precisamos abastecer de novo?

– Não. Tenho um trabalho para fazer... – Murmurei na minha cadeira e alterei a rota da Hasta para longe do núcleo da galáxia, o que ela deve ter levado como uma facada.

– Para os rebeldes? – Ela cruzou os braços. – Ajudá-los não vai resolver nada. Só o que tem no núcleo da galáxia vai.

Mas o que tinha lá? E, se eu perguntasse, será que ela responderia? Me virei para Donecea e encarei seus olhos de frustração e mel. Eu tinha de saber, ou então não poderia me aproximar mais. Nem do núcleo, nem de nada mais.

– O que tem lá?

Ela encarou a rota da nave, tão longe do seu destino, e soltou um suspiro encurralado. A rota nunca voltaria para onde ela queria se não me desse pelo menos alguma resposta, principalmente agora que eu tinha de escolher entre o fim daquela guerra e ajudar a rebelião.

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