Capítulo 54. Febre

20 1 0
                                    

Primeiro círculo do Império
Distrito de Poder

Quando os exércitos se colidiram, eu mergulhei no oceano de corpos e rasguei meu caminho com a lâmina. O sangue se espirrou no dourado da armadura e meus ouvidos foram inundados pela melodia de gritos dos abismos a que minha voz também se uniu. Finquei o machado no pescoço de uma criatura e chutei seu corpo para longe, as garras de outro ser envolveram o meu tornozelo e o puxaram em uma tentativa de me derrubar, mas então eu apertei o gatilho na sua cabeça e perdi a conta de quantos corpos se empilharam aos meus pés... Tantas e tantas criaturas arranhando minha armadura, tão perto de atravessá-la.

– SÃO MUITOS! – Gritei para Korrok, que me enviou um olhar mais longo do que deveria e não percebeu quando uma criatura se aproximou dele com uma lâmina queimando rumo ao seu pescoço.

Corri na direção dele e ergui a lâmina do meu machado, chocando-se à da criatura antes de alcançar Korrok. Plantei meus pés no chão em uma tentativa de manter a minha posição, mas a força da criatura e o calor da sua lâmina partiu a minha arma ao meio, rumando para a minha cabeça. Tentei sair do caminho, mas então uma criatura coberta de escamas prateadas fincou suas garras e dentes nas costas do inimigo, desestabilizando-o e me poupando: Lupan. Com a potência da sua mandíbula e um estalo sonoro, ele arrancou a cabeça do inimigo.

Korrok me jogou outro machado – uma espécie de agradecimento por salvar o seu pescoço antes de quase perder o meu, imaginei – e eu me virei para a boca imensa de um ser com o formato de um dragão, prestes a me devorar inteira. Senti o peso de uma arma pousar no meu ombro e seu disparo me ensurdeceu, quando o projétil voou na boca da criatura e iluminou a sua garganta com chamas mortais. Me voltei para quem tinha apertado o gatilho para me salvar, Deinos, puxando sua arma de volta e a engatilhando com determinação.

– É A HORA! – Ouvi Korrok rugir no comunicador do seu elmo e então, naquele instante, tudo mudou.

Os poros que rodeavam o palácio atrás do exército do Aulicado se abriram para os mundos de Ítopis. E, por eles, emergiram os nossos soldados, de cada planeta daquela galáxia um dia tocado pela revolução e agora convocado por Korrok para cercar conosco o batalhão do Império.

Meus olhos se perderam pelo exército reluzente que transbordava dos poros como uma cascata de ouro, tão espetacular que me perdi no seu brilho um segundo a mais do que deveria. No piscar de olhos em que me distraí, os inimigos atingiram as minhas pernas e me derrubaram no campo de batalha. Eles me cercaram por todos os lados, suas lâminas atingindo e ricocheteando na minha armadura, mas eu conseguia sentir as pedras que me protegiam começando a rachar. Os inimigos puxaram meus braços para longe do rosto e me golpearam com forças de outro mundo, o metal ao meu redor sendo amassado, meu corpo esmagado, minha cabeça escavada... Mas então eles me arrancaram o elmo e o jogaram longe.

Eu estava morta.

Suas lâminas rumaram para perfurar a minha cabeça, quando uma sombra eclipsou os sóis e me cobriu com um prenúncio do fim. Ergui meus olhos com hesitação para o ser diante de mim e escalei sua estatura de pilastra, segurando sobre os ombros os céus, as estrelas e o paraíso... Seu sorriso de canto parecia uma parte descendida da curva do firmamento, uma visão proibida de que eu não conseguia desviar os olhos. Assisti sua mão se esticar como âncora para as minhas, unidas em prece atendida, e, quando seus lábios sussurraram com o humor daqueles que sobrevivem para contar histórias, eu me tornei devota:

– Bem-vinda ao fim...

Não consegui conter meu sorriso.

– Eu já moro nele.

Tomei sua mão e Arkadi me puxou para cima, mas as criaturas que me rodeavam o atacaram. Seus dedos me escaparam e eu me afoguei naquele mar de corpos, assistindo-o desaparecer além das ondas.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now