Capítulo 37. Tremor

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No noxdiem seguinte pousamos na superfície do planeta e montamos um acampamento às bordas de uma floresta invernal. Enquanto os soldados da rebelião erguiam tendas no mundo inimigo, carreguei algumas caixas de suprimentos iátricos para onde deveriam estar, me perguntando se não poderíamos ter nos estabelecido em algum local mais quente; mas o frio infinito naquela parte do planeta o tornava perfeitamente inabitado... Uma ferida por onde podíamos entrar.

Pousei as caixas na neve e deixei meus olhos viajarem pela paisagem gélida até cair no vale entre montanhas nevadas que conectava nosso acampamento à cidade mais próxima, repleto de árvores pálidas que se tornavam mais escassas conforme se chegava no topo. Aquela paisagem era calma como uma pintura, mas eu sabia que, no fundo, era perigosa – porque às vezes o que mais tínhamos de temer não era o que parecia. Recolhi os suprimentos e os levei para uma das tendas erguidas, quente, aconchegante e cheia de macas vazias para os infortunados da batalha que viria.

– Não deveria estar aqui, sapiens... – Korrok sibilou ao passar por mim. – Você não é um soldado. – Todos fizeram questão de que eu soubesse que era mais valiosa protegida e escondida em Venerna, mas eu sabia que, somente ali, eu conseguiria ajudar a algum daqueles soldados, assim como uma iátrica deve fazer. E, somente ali, eu poderia ser mais do que um banco de sangue esquecido na estante.

– Você vai me agradecer depois que eu salvar o seu pescoço.

Korrok soltou uma risada rasgada e debochou para uma das outras criaturas na tenda:

– Ouviu isso, Deinos? Ela acha que eu precisaria de ajuda. – Convencido.

– Não de uma humana, com certeza. – O espinero riu. – Mas eu a aplaudo, Donecea. Uma Gaxy ajudando a nossa luta é uma grande mudança.

Korrok então deu uma patada em Deinos, que mordeu a própria língua.

Como assim mudança? Achei que minha mãe estivesse ajudando a causa da rebelião antes de produzir a cura, assim como o metriona me contara. Mas, pelo visto, uma peça estava faltando. E Korrok lembrou a Deinos de que ele não deveria dá-la para mim.

O vorrampe enviou um olhar fatal para o espinero e se afastou, me deixando com Deinos, envergonhado por seu deslize, e a certeza de que eu não receberia respostas.

– Por que você está na rebelião? – Puxei conversa, mudando de assunto.

– Por que você está?

– Justiça. Ou curiosidade. O que me incomodar mais no momento. – Dei de ombros. Mas eu sabia que algo ruim estava se aproximando, e que as respostas para tudo estavam na rebelião, tão próximas que eu quase podia tocá-las... Então eu não podia ir a lugar nenhum. – E o que for mais fácil de alcançar também.

– Muitas coisas são difíceis de alcançar para seres como você, eu imagino. – Ele murmurou, mais perto da verdade do que deveria ser. E, diante do meu silêncio ferido, Deinos revelou: – Eu fui um soldado do Aulicado... E por muitos anos servi e treinei para uma grande guerra que nunca chegou... – Minhas sobrancelhas se ergueram e eu me inclinei, curiosa para conhecer sua história. – Eu participei de muitas missões contra a revolução... Mas a maioria delas era para cobrar dos povos de Ítopis os impostos do Império, e eliminar aqueles que não estivessem cumprindo com seu dever para Ítopis. Ainda assim, todas essas missões pareciam... Secundárias. – Ele inspirou profundamente. – Nossa principal função era tornar o exército do Império o maior possível, o mais forte possível, o mais poderoso possível... Por causa de uma guerra que nunca veio.

– Então você não aguentou mais a pressão? E por isso abandonou os Áulicos? – Ele riu.

– A pressão é muito maior aqui no exército da revolução, Donecea, onde nenhuma vitória é garantida e toda derrota é uma sentença. – Suas palavras cortantes me deram calafrios. – Eu virei as costas para os Áulicos porque eles mandaram que a minha equipe matasse minha família, atrasada em seus pagamentos para o exército do Império... – O fôlego sumiu do meu peito. Como o mesmo Aulicado que a minha mãe tinha pertencido podia ser tão cruel? Tão sistematicamente impiedoso? Eu não teria acreditado se a dor nos seus olhos não fosse tão real. – E então eu matei cada um deles. Aqueles que um dia chamei de amigos...

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now