Capítulo 18. Convergência Evolutiva

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O brilho do sol ofuscou meus olhos por um instante, até que eles se acostumaram com a luz o suficiente para que conseguisse enxergar a cidade das columbas. Rodeadas por árvores, centenas de casinhas de madeira arroxeada que pareciam ter sido feitas para bonecas se espalhavam pela grama, conectadas por ruas de pedraria a uma mansão que mal chegava à altura da minha cintura. A terra fértil daquele mundo cantava no farfalhar de cada folha, em um refúgio na floresta; um refúgio em Ítopis.

Assim que nos notaram, as columbas voaram em um turbilhão caótico de penas brancas e piados.

– O que elas estão dizendo? – Kadi me perguntou, enquanto meu tradutor só se deparava só com barulhos fora da sua base de dados.

Algumas das criaturas pousaram nas nossas cabeça como se para fazer ninhos e cavaram nossa pele com suas garras. Senti minha mente ser invadida por agulhas que pareceram beliscar meu cérebro e tentei me desvencilhar, mas elas só se soltaram de nós e voaram em debandada depois de conseguirem o que queriam. Encarei Kadi, que tinha a mesma interrogação no rosto que eu.

Quando uma columba com asas maiores do que as demais emergiu da pequena mansão com suas penas prateadas reluzindo ao sol, eu soube que ela era aquela que nos sentenciaria. Seu corpo flutuou em nossa direção como se o ar fosse seu servo até parar diante de mim, os olhos de coruja me estudando como se houvesse tanto para saber.

– O que querem no nosso mundo? – Ela sussurrou na nossa língua humana, aprendida instantaneamente como se sempre tivesse sido sua... Provavelmente porque tinha copiado das mentes daqueles que sempre a tiveram.

Encarei Kadi, sem saber o que responder. A verdade não era uma opção.

– Queremos... Conhecê-lo. – Tentei, sentindo no ar o cheiro da minha mentira. Será que columbas conseguiam percebê-lo também?

A líder se aproximou de mim, me avaliando com um escrutínio tão profundo que achei que estivesse chegando nas minhas vísceras, e, quando pensou que sabia de mim tudo que precisava, tomou sua decisão:

– Então sejam bem-vindos! – Quando soltei o ar preso no meus pulmões meu alívio soprou suas penas. – Hoje faremos um banquete!

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Atrás da mansãozinha as columbas nos levaram para um círculo sobre a grama onde elas se juntavam. Sentei-me com as pernas cruzadas e Kadi me imitou, tão desconfiado quanto eu. Nós não só parecíamos alienígenas naquele mundo, mas nos sentíamos também. As columbas trouxeram frutas desconhecidas que tinham as mais diversas formas, tamanhos, cores e cheiros, se misturando em uma orquestra de aromas no ar. Quando as criaturas começaram a se servir, nos encarando para que fizéssemos o mesmo, Kadi se esticou para obedecer, mas então eu toquei sua mão, avisando-o que não era uma boa ideia. Tudo nesse mundo poderia ser venenoso para nós, por mais doce que parecesse; e, sendo frágeis como éramos, tínhamos de ser cuidadosos.

– Podem me chamar de Plumala. – Disse a columba líder. – O que querem saber sobre nosso mundo? – Ela soara tão prestativa que me senti péssima por não ter o que perguntar. Mas Kadi, conseguiu pensar em algo:

– Como seu mundo é tão paradisíaco e pacífico?

– Imagino que nosso pacifismo seja tão estranho para vocês quanto a brutalidade do universo é para nós. Não faz muito tempo que tomamos ciência dos mundos que compõem o Império... E das crueldades que seus povos cometem. – Plumala refletiu. – Veem essas árvores? Nós as criamos de sementes na frieza de nossos laboratórios, porque esse mundo nunca as teria feito. – Voei meus olhos por aquelas árvores roxas que nos cercavam, onde eu nunca teria imaginado existir tanto conhecimento de manipulação dos códigos da natureza. – Nós as construímos para mudar nossa atmosfera e transformar esse mundo no nosso refúgio.

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