Capítulo 34. Medo

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Eu e os líderes da revolução – juntamente a Plumala, o mais novo componente, mas igualmente à altura dos demais com o seu exército de columbas – subimos pelas escadarias escavadas da rocha e nos reunimos ao topo da encosta. Sentei-me sobre a grama e inspirei profundamente a brisa gelada das noite de paz, absorvendo as estrelas acima, o canto dos insetos no escuro, a melodia a quilômetros abaixo das ondas do mar se chocando contra a encosta. Nos sentamos ao redor de uma fogueira esférica e passamos bebidas, risadas e histórias adiante porque, ainda que por algumas horas, não existiam mais os pesos da guerra; e ali éramos amigos, ainda que nunca para sempre.

– Arkadi! Você deveria participar disso mais vezes!

– Ele é um humano muito ocupado, Lupan. – Korrok resmungou, porque ainda hoje detestava que, sempre que eu decidia ficar, eu nunca ficava de verdade. – Lutando por uma batalha além da nossa.

E eu não era o tipo que se deveria sentir falta.

– Pelo menos o que o move ainda o traz para o nosso caminho de vez em quando... – Deinos se manifestou, com uma suavidade sábia. – Para que veja que, de todas as cavernas de Venerna, uma continua esperando o seu retorno.

Baixei os olhos para os nós brancos dos meus dedos ao redor de um copo. Era tão mais fácil ser só um humano descartável... Por que eles tinham de me fazer sentir tão culpado por escolhas que eu nunca fora capaz de escapar?

Naquele momento, Doxy surgiu sobre a grama, se juntando a nós com passos cautelosos e me salvando daquela conversa. Assobios e uivos comemoraram a sua chegada – ela tinha vencido o desafio dos líderes da revolução, afinal, e agora era uma de nós... Se bem que eu ainda não sabia o quanto eu era um deles...

Abri espaço para ela ao meu lado e Doxy se sentou na roda. Enviei para ela um olhar, perguntando em silêncio o que tinha feito mudar de ideia, e ela só deu de ombros com um sorriso tímido que brilhava diante do fogo. Ela não era mesmo o tipo de pessoa que fugia de um bom desafio.

– Pelo visto você é mesmo corajosa, sapiens. – Korrok provocou, erguendo a sua bebida. – Lutar contra as feras é fácil. Difícil é vir beber com elas!

As risadas e rugidos tomaram a noite. E, por um momento, eu jurei que o Império inteiro nas estrelas acima pudesse nos ouvir comemorar... Apenas para nos roubar dessa alegria depois.

Deinos se aproximou e a deu um copo com os seus inúmeros braços. Ele ofereceu enchê-lo para ela com aquela bebida no barril que geralmente me obrigavam a carregar pelas escadas acima e Doxy me perguntou com os olhos se deveria aceitar. Meu sorriso foi resposta suficiente para que ela virasse a bebida ardente garganta abaixo; e mais comemorações tomaram a noite.

– Agora volte para a história, Deinos! Não fuja dela! – Lupan cobrou. – Continue contando enquanto enche meu copo!

– Na verdade acho que agora é a vez de Arkadi. – Deinos fugiu, sábio.

– Que tipo de história? – Doxy perguntou e Plumala respondeu, meio assustada, meio animada:

– Eles estão contando histórias aterrorizantes dos seus passados.

– E os outros tem que adivinhar se elas realmente aconteceram ou se são só mentiras. – Lupan acrescentou, ansioso para vencer de novo. Mesmo sem olhos ele acertava mais do que qualquer um, o que eu costumava dizer ser porque farejava as mentiras no ar... E por ser viciado no cheiro da derrota dos outros ao redor.

Doxy ergueu uma sobrancelha afiada como navalha e então sibilou:

– Então vamos ver se você é um bom mentiroso mesmo, Arkadi Phaga.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now