Capítulo 22. Evolução

22 1 0
                                    

A nave era tão gigantesca que uma ala inteira do palácio poderia viajar dentro dela e estava cheia de soldados fageines armados e preparados para proteger Doxy como se ela fosse a joia mais rara no universo. Pela forma como Bleine a tratou, talvez ela realmente fosse... Por que uma humana era tão importante para acabar com aquela doença? Eu ainda não entendia... Mas talvez a resposta não importasse, já que, independentemente de qual fosse, eu a protegeria mais do que qualquer um daqueles soldados. Por causa do meu remédio, claro.

Depois que verifiquei que a Hasta estava dentro da nova nave, entrei no salão principal dela. Na ponta anterior existia uma janela panorâmica com um painel de controle como eu nunca tinha visto, rodeado por poltronas cor de pêssego. O piso ao centro do salão tinha desenhos orgânicos feitos de algo natural que crescera ali e há muito fora petrificado e as paredes eram cobertas por ondas de tons quentes como os de conchas da praia, convergindo no teto, de onde escorria um lustre com pseudópodes que se moviam. Aquela era definitivamente uma nave alienígena; mas eu já estava acostumado com elas. Então me joguei em uma das poltronas.

O rosto de Doxy surgiu sobre mim, bloqueando a luz.

– Me espanta o quão rápido você se faz em casa. – Ela alfinetou.

– Sou um homem adaptável.

– Isso tudo parece bom demais para ser verdade...

– Você acha que eles estão tentando enganá-la? – Me inclinei para frente, enquanto ela encarava seus dedos apertados. Ela não conseguia confiar no Aulicado, por mais que quisesse; e eu também não achava aquilo uma boa ideia.

– Eles precisam de mim. – Doxy murmurou, não respondendo à pergunta. Assim, voltei minhas costas para o conforto da poltrona.

– Então tudo isso é bom o suficiente.

– Você está tentando convencer a mim ou a si mesmo?

– Convencerei a quem for preciso.

E então me enfiei no estofado, tentando ser engolido por ele.

Doxy tentou se fazer confortável também, mas falhou, presa na sua própria mente como parecia sempre estar. Me inclinei para frente de novo.

– Vamos fazer um tour pela nave.

– Eu pareço tão entediada assim? – Ela parecia derrotada; como se perder um pouco do controle já tivesse sido o fim de tudo.

– Um pouco... – Então estirei minha mão em um convite e quase a recolhi quando percebi que ela poderia não a aceitar... Mas Doxy o fez antes que eu fugisse.

• • • ֍ • • •

Exploramos os ambiente da nave até nos depararmos com um que se estendia além. Seu teto e paredes eram de vidro e, ao chão uma piscina de paredes transparentes reluzia abaixo do brilho galáctico, já que não havia nenhuma lâmpada ali para iluminar tudo. O ambiente parecia flutuar entre as estrelas, os astros boiando na água e as galáxias como se pudéssemos nos segurar nelas antes de afundar.

– Eu não vejo uma piscina em tanto tempo... – Doxy murmurou, rodeando a água como se não conseguisse escapar dela. E, no instante seguinte, ela chutou os sapatos para fora dos pés e mergulhou de cabeça dentro da piscina.

Pelos anos eu tinha encontrado e nadado em alguns lagos não tóxicos de mundos abandonados ou ainda não explorados, mas uma piscina como aquela, tão cristalina que eu conseguia ver o corpo de Doxy abaixo da superfície, era uma raridade sedutora. Tirei a blusa e também me entreguei às águas.

Quando cruzei a fronteira e o silêncio afogou meus ouvidos tudo que perturbava a minha mente foi abandonado do lado de fora. Nas profundezas tudo parecia tão mais claro que eu poderia ficar ali para sempre... Mas então o ar me faltou e eu tive de voltar para a superfície. Balancei para os lados meus cabelos molhados, enquanto Doxy me observava com um sorriso.

– Amar água está na natureza humana. – Ela sussurrou, se aproximando devagar. – Histórias contam que os nossos ancestrais só se tornaram inteligentes depois de se mudarem para perto das águas das praias.

– Deve ser verdade. Me sinto mais inteligente a cada minuto. – Abri um sorriso e Doxy espirrou água no meu rosto.

– Você teria de passar milhões de anos vivendo nas praias para isso. Então acho que vai ter de se contentar com o tamanho do seu cérebro.

– Acho que ele é grande o suficiente.

Ela ergueu uma sobrancelha, rasgando seu rosto com um sorriso felino.

– Você é o primeiro homem que eu conheço que está satisfeito com o próprio tamanho... – Ela provocou. – Confiança ou conformismo?

– Não são dois lados da mesma moeda?

– E ambos são para compensar quando o que se tem não é tão bom quanto se pensa... – Ela sibilou. – Nunca conheci um homem que se orgulhasse de um que sequer chegasse aos pés do meu...

– Ainda estamos falando de cérebros, certo?

Ela gargalhou, me aquecendo com a sua risada.

– Por quê? Se falássemos de outra coisa sua resposta seria diferente? – Então, sem querer saber o que eu tinha para dizer, Doxy mergulhou para longe, como uma sereia que afogava pescadores nas lendas... E eu a segui para o fundo.

Nós estávamos nadando entre as estrelas, um inteiro oceano interestelar entre nós nos pintando com luz. O sorriso de Doxy brilhava no escuro, como a lâmpada de um peixe das profundezas que atraía presas para o abraço afiado dos seus dentes. Seus cabelos negros flutuavam em uma cortina de tinta, enquanto nadava para longe, me chamando. Perfurei a água como lança e estiquei meus dedos na tentativa de tocar sua panturrilha, até que, em algum momento, consegui alcançá-la. Doxy soltou um gritinho submerso e disparou de volta para a superfície.

Quando emergimos mais uma vez, ela colou suas costas em uma das paredes, apenas vidro a separando da luz das estrelas do lado de fora e do universo que a devoraria em um piscar de olhos se ela deixasse. Era como se ela pudesse desabar no vazio, mas ela não temia; e a coragem nos seus olhos me puxou para perto, só alguns centímetros de água a separando de outra coisa que também poderia devorá-la. Sua pele brilhava e gotas de água pingavam de seus cílios, pesando as pálpebras como uma porta entreaberta onde mistério se escondia, me tentando com o desejo de entrar e me entregar àquelas profundezas. Seu peito subia e descia, assistindo meu corpo se aproximar como se estivesse me esperando, me convidando. Apoiei uma mão ao lado do seu corpo na parede atrás e trouxe meu rosto para centímetros do seu, tão próximo como nunca antes estivemos.

Sua respiração ofegava na minha pele e eu vi as ondas criadas na água pelas batidas de seu coração. Ela sussurrou, frágil como se pudesse se desmanchar:

– Eu poderia contar o que tem no remédio... E deixá-lo voltar à sua vida...

– Você não quer que eu volte.

– Não é minha decisão.

Observei seus olhos. Doxy estava me libertando do acordo, agora que o Império estavam pagando a minha parte... Mas aquilo já não era mais tão impessoal.

Me aproximei ainda mais, sentindo o calor do seu corpo aquecer o meu.

– Eu também não quero voltar...

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora