Capítulo 48. Fadiga

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Venerna estava morta.

E nós estávamos perdidos pela imensidão, uma frota de nômades rodeados por tudo e por nada, viajando sem rumo pelo espaço.

Na Hasta, um silêncio sólido tomava o ar, cheio das perguntas que não sabíamos responder. O que faríamos agora? O que seria da revolução? Onde poderíamos nos esconder se os Áulicos estavam em todo lugar, espreitando cada um dos nossos movimentos? Não havia para onde fugir.

Korrok estava sentado na cadeira do piloto, envergado sobre o painel. Ele tinha feito tanto para que aquela cidade se erguesse da poeira, tantos esforços e sacrifícios... Apenas para ter de sufocá-la e abandoná-la nas profundezas de um mar negro. Nós tínhamos nos erguido tão alto, para então cair; cada deslize tão doloroso que nos levaria a um final irrecuperável se falhássemos mais uma vez.

E então não haveria mais ninguém para carregar alguma esperança.

Depois de alguns noxdiems viajando, Korrok conseguiu recuperar a nave que Bleine um dia nos deu e eu estacionei a Hasta dentro dela. A primeira coisa que fiz ao desembarcar naquela gigantesca arca foi escapar de todos e procurar por uma banheira. Eu não estava sujo, exatamente, depois de ter sido refeito pelo fevino, mas não me sentia limpo... Havia muito nas minhas profundezas que eu queria lavar.

Encontrei uma banheira de mármore branco embutida no chão de um banheiro da nave e a enchi com água, mais fria do que eu esperava. Mergulhei despido no líquido, a cabeça recostada no batente atrás e a mente voando além, cheia de memórias que quase podiam manchar a água com a escuridão dentro de mim.

Havia mais que eu pudesse ter feito na batalha de Venerna para salvar algo ou alguém? Havia algo que eu poderia ter feito antes de Venerna, na primeira vez em que não fiquei para lutar quando deveria?

Por que eu corri? Tudo poderia ter sido tão diferente se eu tivesse ficado... Talvez eu tivesse morrido; ou talvez tivesse vivido uma vida inteira sem a sensação de que tinha perdido mais do que jamais poderia recuperar.

Prendi a respiração e escorreguei para baixo, deixando a água me envolver em uma escuridão sedutora. Era quase como se ela fosse uma barreira, que nenhum daqueles pensamentos conseguia atravessar para me alcançar; era o que eu precisava. Eu só queria morar nela; adormecer nela; e nunca mais acordar dela...

Mas eu estaria fugindo de novo.

Deixei que lembranças melhores fizessem morada na minha mente, antes que eu tivesse desejos perigosos demais. Sons distantes me alcançaram do passado: a risada de Doxy, as conversas animadas ao redor da fogueira no topo da encosta, brindes, promessas, uma vida inteira que tinha me passado quando achei que já não estivesse vivendo mais...

Voltei para a superfície e me vi encarado pela determinação nos olhos do meu próprio reflexo sobre o mármore.

Eu não fugiria de novo.

Uma batida na porta me trouxe de volta para a realidade e o rosto de Doxy surgiu pela brecha.

– Ocupado? – Ela perguntou.

– Não para você.

Com um sorriso e passos cautelosos Doxy entrou no ambiente, fechando a porta às suas costas.

– Como está se sentindo?

– Bem demais para um homem que deveria estar morto... – Sorri.

Doxy se sentou às bordas brancas da banheira e me encarou com um sorriso de canto ao perceber que eu não estava vestido. Minha expressão espelhou a sua por um instante, mas então meus olhos caíram nos desenhos que se estendiam das pontas dos seus dedos até o cotovelo.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now