Endossimbiose | Versão Em Português

Capítulo 56. Apoptose

O silêncio, pior do que o rugido de qualquer fera, me ensurdeceu.

Mas então a voz dela voltou para a minha mente, surgindo de profundezas que eu não sabia ser do universo ou minhas.

– Tanta dor... – A Rainha sibilou. – Tanto sofrimento que você poderia se poupar, se me deixasse me unir a você... Se me deixasse entrar. – Não... Eu não podia. Eu ainda tinha a cura, para usar em cada contaminado e, talvez em algum momento, libertar o Império. – Endossimbiose, Donecea... Um dia as únicas opções para a vida foram ela ou a morte, e a sábia escolha que o acaso tomou foi o que trouxe você para mim hoje. – Minhas mãos se espalmavam sobre os ossos. – É a única forma de sobrevivência para o Império... A única forma de misericórdia.

Mas eu sabia que nós estaríamos dentro do seu Império.

E, quando o poro se abriu, eu vi os deuses que o tomariam para si: os deuses de Andrômeda.

Suas garras, maiores do que mundos, envolveram o rasgo na malha do espaço, os buracos negros de suas bocas rugindo promessas de morte para todo o Império. Diante deles, a Terra era um grão de areia na praia, as bordas de um mar de feras além do poro, agora nadando na nossa direção... E eles estavam sedentos.

Meus pesadelos estavam se tornando reais...

Mas talvez eu pudesse poupar tantos de vivê-lo, se eu rendesse a cura e o meu corpo para a misericórdia da Rainha...

– Doxy. – Kadi sussurrou às minhas costas e cambaleou na minha direção com os seus últimos resquícios de força, sua expressão mudando do medo para a certeza de que fugir não era mais uma opção. – Há uma saída...

Deixei que meus passos me levassem até ele, enquanto o universo desabava ao nosso redor a cada rugido das feras.

– O que podemos fazer? Os deuses de Andrômeda já estão aqui, e nós nunca seríamos capazes de combatê-los... – Odiei a desesperança na minha voz, mas eu já não acreditava mais em um amanhã onde poderíamos dizer que tínhamos vencido. Então Kadi enviou um olhar para a Hasta e eu entendi muito mais do que queria. – Não... – Ele se aproximou de mim. – Não... Não... Não... Você não pode!

– Está tudo bem, Doxy... – Ele envolveu meu rosto com suavidade, enquanto eu negava com a cabeça. – Está tudo bem... – Não... – Eu sempre fugi... Das minhas algemas, dos meus problemas, de você... Mas hoje eu preciso ir de encontro. – Não... – Mas está tudo bem, Doxy... Eu não deveria estar aqui. – Não!

– Kadi, por favor... – Minha voz quase desapareceu, as lágrimas turvando a sua face. – Sua vida faz a diferença... A de todos os humanos faz!

Ele confirmou com a cabeça devagar, faixas limpas cruzando seu rosto coberto de pó de ossos onde as lágrimas tinham passado.

– Eu sei disso agora... E eu farei essa diferença.

Eu não conseguia acreditar que poderia não ter mais tanto tempo com ele, como um dia sonhei ter a eternidade; mas, no fundo, eu sabia que, mesmo se a tivesse, ela nunca seria suficiente. Quando eu poderia dizer que estava satisfeita? Quando eu poderia perdê-lo sem sofrer?

Não agora. Não ainda. Não nunca.

– Eu o amo. – Tropecei nas palavras, em uma tentativa de fazê-lo perceber que não podia partir quando havia tanto pelo que ficar. – E, mesmo que tivesse outra opção, eu escolheria amá-lo todos os dias, Kadi... – Minhas mãos enquadraram seu rosto. – Mas só queria contá-lo quando tivesse certeza de que nunca ia perdê-lo...

– Me desculpe por estragar seus planos... E me desculpe por não poder ficar... – Ele engoliu em seco, abrindo seu coração para mim: – Eu estou quebrado, Doxy... E perdi pelo caminho um pedaço de mim que deixou um vazio no lugar. Eu achei que esse vazio pudesse ser preenchido com o que senti quando a conheci, mas não importava o quanto você pudesse preencher meus silêncios, porque nada nunca seria capaz de reverter as minhas rachaduras... E sempre haveria uma parte de mim perdida no passado, que eu nunca poderia recuperar... – Ele tocou minha testa com a sua. – Quando eu a conheci, Doxy, eu finalmente tive uma razão para ficar... – Então fique... – Mas agora essa é a minha razão de ir.