Capítulo 15. Instinto

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Na verdade, depois de dois noxdiems de viagem, tivemos que fazer uma outra paradinha. Coisa rápida, nada demais.

Os cartuchos que Donecea tinha roubado foram suficientes para nos levar para longe do Distrito de Sangue, mas, só com eles, não chegaríamos nem perto do núcleo da galáxia. Eu precisaria abastecer de novo; e, dessa vez, não cometeria o erro de fazer isso em um planeta.

Parei a Hasta na órbita de uma das minhas estrelas e tirei do armário uma roupa espacial.

– Você vai lá fora?! – Donecea chiou, enquanto eu colocava aquela espécie de armadura sobre as roupas.

– Eu já fiz isso o suficiente para saber que é seguro.

Caso eu não me deparasse com algum empecilhos... Mas eu não ia falar sobre eles.

– Acho que você quis dizer que já fez isso o suficiente para perder a noção do perigo.

Abri um sorriso para os seus braços cruzados.

– Eu também estaria preocupado se essa fosse uma roupa qualquer. Mas essa armadura é tão resistente que eu posso entrar naquele sol e nem vou ficar com calor. – Talvez eu estivesse exagerando um pouco, mas era realmente uma ótima roupa.

– E como você construiu algo supostamente tão forte?

Distraído com as fivelas no peito e começando a me acostumar a responder perguntas mais do que devia, não consegui impedir as palavras de escaparem antes que já estivessem nos ouvidos dela:

– Meu pai a construiu. – Droga. Eu quis ficar calado, para sempre talvez, mas eu já tinha começado, então se tornou ainda mais difícil parar... Principalmente quando era a primeira vez em que eu era ouvido em tanto tempo. – Esse foi o legado dele... Além daquela cadeira quebrada... – A do copiloto, onde eu me sentava quando, um dia, ele pilotara a Hasta... Viajando pela vastidão e conversando sobre coisas que já não importavam mais, momentos bons em si mesmos, e não apenas porque eu já não podia mais tê-los.

– O que aconteceu? – Ela perguntou, suave, sentindo meu abismo.

– O que acontece com aqueles que já não estão mais aqui.

Coloquei o capacete.

– Eu... Sinto muito...

E, observando-a, parecia que ela sentia mesmo toda a minha dor... Quase como se eu pudesse dividi-la com ela.

Mas eu não queria que sentisse pena de mim; porque se sentisse por uma coisa, sentiria pela minha vida inteira; e o resto do meu ego seria esmagado. Ele era a última coisa que sobrava no final, como uma borra de café, um resquício que se usa para tentar imaginar o futuro quando o presente ainda não alcançou seus sonhos. E, no fim, aquilo era tudo que ficava, como a lembrança do gosto do café na boca que eu já não tinha mais...

Decidi mudar de assunto.

– Pode falar comigo pelo painel. – Minha voz foi captada pelo capacete e a alcançou pelas caixas de som da nave. – Mas só emergências, de preferência.

– Então você está esperando uma emergência?

– Você reclamaria se eu não estivesse.

Ela meneou com a cabeça. Eu tinha feito um bom ponto.

– Pelo menos está sendo cauteloso... Estou surpresa. – Ela provocou.

– Não é tão difícil surpreendê-la pelo visto.

– Algumas coisas são impossíveis de prever. – Dei de ombros. – Como você sendo prudente, por exemplo.

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