Capítulo 9. Mitocôndria

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Ele me puxou contra seu corpo e caímos no chão da nave.

O desconhecido se levantou em um pulo e, quando fechou a porta, ela decolou sozinha para os céus. Ele quase tropeçou com o impulso, mas seus pés estavam acostumados demais com aquilo para deixá-lo cair. Eu, em contrapartida, achei que nunca mais seria capaz de me levantar... Então eu fiquei ali por um instante, deitada no chão gelado, respirando enquanto eu ainda podia... Até que o desconhecido se aproximou do meu rosto e sussurrou:

– Bem-vinda ao meu mundo.

E eu não sabia se ele estava falando da nave ou do perigo.

Talvez eu devesse me acostumar com os dois.

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A nave tinha o formato de uma bala; e perfurava o espaço com a mesma determinação. Por dentro, as paredes se uniam em um círculo e, conforme o veículo girava em torno do próprio eixo, todas elas se tornavam chão. Uma divisão separava o ambiente em duas áreas, uma por onde eu entrara, e a outra ainda um mistério. Por toda a extensão daquela parte havia bancadas cheias de fios, canos e armários que transbordavam de peças metálicas. E, para onde eu olhava, via protótipos de armaduras em que humanos não caberiam, placas solares dissecadas, livros, papeis coloridos com lembretes e muitas – muitas – latas de energéticos vazias.

Quando o desconhecido percebeu meus olhos vagando pelo ambiente, ele escondeu os papeis nos bolsos e correu pelas bancadas, empurrando máquinas para dentro dos armários, virando as capas de livros para baixo e chutando as latas para as sombras, longe do meu campo de visão. Talvez ele ligasse para a bagunça, ou talvez apenas não quisesse que eu encontrasse seus segredos escondidos. Ainda assim, ele não conseguia esconder seu cheiro, enérgico, metálico, terreno, impregnado em cada centímetro do ar ali dentro como um documento de posse. Eu me perguntava o que mais ele não seria capaz de esconder.

– Não é sempre assim. Eu tento arrumar as coisas... – Ele murmurou. – Mas todas as vezes que organizo minha vida, acaba sendo... Temporário.

– Você podia tentar mais vezes.

Ele me enviou um olhar perfurante e eu dei de ombros.

O desconhecido abriu um armário e me jogou algumas peças de roupas, uma regata e calças com tons diferentes de couro bege, mas todas forradas por dentro de um vermelho sanguíneo.

– Por que todas as suas roupas são de couro? – Não contive minha curiosidade.

– São do confronto dos belúnios... Muito couro pelas ruas.

Encarei aquele pedaço de morte e estremeci. Era melhor do que nada, pelo menos.

Observei que, na ponta da frente da nave, havia uma cama, solitária e grande demais, diante de uma janela de persianas fechadas.

– Você pode ficar com a cama. Eu mal uso ela mesmo... – Ele ofereceu, e então, tão prestativo quanto incomodado, ele perguntou: – Mais alguma coisa?

– Pelo visto dei a sorte de chantagear um bom anfitrião.

– E, pelo visto, é temporário. – Ele abriu um sorrisinho venenoso.

Espremi os olhos.

– Pode me deixar em paz agora.

Ele riu. Talvez porque paz era apenas um conceito em épocas como aquela.

– Tanto tempo convivendo com alienígenas e não aguenta nem um único noxdiem com um humano... – Ele ronronou e eu revirei os olhos. – Estarei na outra parte da nave, se quiser algo diferente de paz.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now