Capítulo 49. Coração

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– O que o fez parar aqui, nessa revolução? – Perguntei para Lupan, puxando conversa naquele salão depois que deixei Kadi com a água e seu passado.

– Um dia, quando eu era apenas um canourinho, acordei com gritos do lado de fora da minha tenda... E saí para ver minha aldeia inteira sendo destruída pelos soldados do Aulicado. Foi um massacre. Minha família, meus amigos, meus mentores, inimigos... – Perdi o fôlego.

– Por que eles fizeram aquilo?

– Porque os rebeldes estavam lá, tentando nos recrutar para o movimento, e o Aulicado não podia deixar isso acontecer. – Estiquei minha mão para Lupan e acariciei sua cabeça em uma tentativa de confortá-lo. – Naquele dia Korrok me encontrou e me levou para Venerna... Tornando a revolução a minha família. – Olhei ao redor, para todos aqueles seres que, mesmo tão cercados de morte, continuavam se agarrando àquela causa; a última coisa que ainda tinham. Eles tinham passado por tantas dores... E ainda encontravam forças para celebrar a vitória de existir. – A revolução salvou a minha vida. E eu acredito que ela salvará o Império também.

Me voltei para o canouro, e eu sabia que ele conseguia farejar a faísca que crescia em mim.

Nós o salvaremos.

Então Lupan se empolgou acabou se empolgando em falar sobre as suas coleções e Kadi prontamente veio ao meu resgate, apenas para se tornar sua vítima no meu lugar.

Abri um sorrisinho venenoso para ele e me aproveitei a distração para escapar, escorregando pela vida que borbulhava no salão até que vi Korrok. Meus pés pararam. E então eu decidi caminhar na direção dele, porque, depois de tudo que tinha acontecido, havia algo que eu precisava muito dizer:

– Eu queria me desculpar... – Murmurei, sem conseguir encará-lo.

– Pelo que?

Por achar que ele tinha sido o assassino da minha mãe; por não fazer o que deveria no meu teste de lealdade; por todos os meus erros e as consequências que eles trouxeram para um povo que apenas estava lutando por um pouco mais de respeito, um desejo que, sendo humana nesse Império, eu entendia bem demais.

Mas eu não me desculpei por nada daquilo.

– Por feri-lo no Distrito de Sangue, quando eu estava tentando fugir...

Korrok me observou.

– Me surpreendo que você sequer seja capaz de se lembrar daquilo.

Dei de ombros. Algumas coisas ficavam.

– Aquilo fez sentido no momento, mas eu não faria o mesmo agora... Só queria que soubesse... – Enviei-o um olhar de canto e percebi que Korrok sorria.

– Não se desculpe por ser feroz, sapiens. É o que nos mantém vivos. – Ele sibilou. – Foi lá que eu soube que você sobreviveria, caso cruzasse com o caminho da revolução de novo.

– Então aquele foi o meu verdadeiro teste de lealdade?

– Nossas vidas são um constante teste de lealdade. E apenas aqueles leais a essa causa tolerariam morrer por ela. – Ele disse, entre um gole sangrento e outro. – Mas não faz mal ter certeza com um teste de vez em quando...

– Qual foi o seu, então?

Korrok soltou uma risada rasgada.

Criar a revolução... – Encarei-o, mas eu não deveria estar surpresa. Korrok era movido por uma determinação capaz de colocar Impérios abaixo, uma criatura que tantos chamavam de monstro, mas que eu tinha dificuldade de ver assim agora. Ele era uma fera, lutando por aqueles que dependiam dele e o único em que eu sentia que podia confiar Ítopis. – Muito antes da sua mãe ser sequer um feto.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now