Capítulo 11. Anemia

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Quinto círculo do Império
Distrito de Sangue

Eu não ia matá-lo, obviamente. Mas o que ele tomou não foi remédio.

A primeira dose foi para desacelerar temporariamente o seu coração. Ele desmaiaria em poucos minutos e então eu poderia deixá-lo no mundo mais próximo. Mas talvez a lentidão dos batimentos faria com que o veículo achasse que ele estava morto... Então eu tive de dá-lo o "antídoto".

Fiquei me perguntando quando ele tinha habilitado a destruição da nave caso houvesse a sua... Talvez na noite anterior, só por retaliação caso eu tentasse algo; ou talvez há muito tempo, por guardar naquela nave algo que ninguém mais poderia ter... Até mesmo depois que ele morresse.

Ou talvez fosse mentira. Mas eu não ia tentar descobrir.

Pousamos a nave – ou melhor, a "Hasta" – na periferia de um centro urbano da superfície do mundo onde pousamos, o Distrito de Sangue. Longe da cidade pálida aquele mundo era desértico, mas não ao ponto de que não existir uma loja de conveniências ou outra salpicadas nas margens da estrada.

Entramos em uma delas. Dentro, prateleiras altas se estendiam em um labirinto pelo ambiente apertado, cheias de produtos em pacotes prateados que eu não conseguia adivinhar o que guardavam. Atrás do balcão do caixa uma criatura com quatro pares de braços magricelos e ossos pontudos se projetando abaixo da pele fina encarava o vazio de uma parede como se não estivesse dentro do próprio corpo. Sua pele era pálida e cinzenta e a boca fechada não era suficiente para conter as presas suas afiadas. Eu me perguntava como elas eram quando ele abria a boca... Mas não ia querer descobrir. Seus três olhos imensos em triângulo tinham a cor leitosa de nuvens de tempestade e as pequenas pupilas eram contornadas por feixes vermelhos. Vorrampe era o nome que dávamos para seres daquela espécie, que cheguei a ver algumas vezes no Oásis por sua proximidade com o Distrito de Sangue.

Como se uma bomba fosse explodir a qualquer momento, Arkadi procurou pelo que precisava. Ele juntou precariamente nos braços cinco frascos cilíndricos que emitiam um brilho quase radioativo e os despejou no balcão, acordando a criatura com o movimento. Arkadi se lembrou de algo que tinha esquecido e correu para pegar uma lata de bebida energética. Pelo visto ele também precisava ser abastecido.

– Por que tanto energético? – Não consegui conter minha curiosidade.

– É a melhor arma para lidar com o cansaço de quem não dorme direito a noite.

– E por que você não dorme direito a noite?

Ele deu de ombros, sem saber a resposta – ou sem ligar – e voltou para o balcão.

– Pelo visto estamos com pressa... – Comentei, enquanto o vendedor escaneava calado as nossas mercadorias.

– Esse não é o tipo de mundo para longas visitas. – Arkadi murmurou e me enviou um olhar por sobre o ombro que acordou calafrios em mim. – Dizem que essa terra tem sede... E que, quando os visitantes ficam tempo demais, ela se estica para engoli-los... Todos, até os mais amargos, somem abaixo da superfície e seus gritos se tornam os rugidos que movem o chão... E sua sede puxa os desavisados para o fundo.

Arkadi colocou suas pedras estelares na mesa.

Mas o vorrampe não as pegou.

– Não é o suficiente. – A criatura avisou em sua língua, que soava como se as palavras saíssem arranhando as paredes de seu corpo, tão afiadas quanto os ossos que tentavam despontar pela pele. Eu ia traduzir suas palavras para Arkadi, mas ele já as tinha entendido.

– Quanto mais? – Rosnou.

– O dobro.

Arkadi bufou e perscrutou os bolsos.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsWhere stories live. Discover now