Capítulo 47. Enterro

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Caminhei em silêncio pelos corredores escuros em direção ao estacionamento com Judin no meu encalço quando me deparei com a luz da lanterna de um fageine no chão. Me escondi atrás das rochas de uma esquina e puxei Judin para a escuridão antes que o vissem. 

Além das pedras eu me deparei com um corpo inconsciente ao chão, engolido até o pescoço pela superfície gelatinosa do fageine, enquanto a arma da criatura estava abandonada no piso.

Um cheiro atingiu as minhas narinas... Cheiro de sangue humano... Kadi.

O fageine engoliu a sua cabeça, penetrando a pele com aquelas enzimas tóxicas que o despertaram em pura agonia. Os pulmões de Kadi arfaram por ar, mas apenas o ácido entrou no seu corpo, enquanto seu sangue vazava do abdome e pintava o interior do fageine de vermelho. Ele estava morrendo.

Não existia uma explicação para o ímpeto de salvá-lo que explodiu em mim, mas a natureza autodestrutiva humana não precisava ser explicada na tentativa de que, quando confrontada por suas razões, parasse. Quando meus pés estavam prestes a me levar para ele, Judin murmurou às minhas costas:

– Se você for, não vai voltar. – Encarei-o. – E, se não estou morto ainda, deve ser porque vocês precisam de mim... Então me tire daqui logo!

Ergui uma sobrancelha.

– Por que mesmo eu deveria salvar você?

– Porque eu sou... Útil.

Sim... Ele era.

Então eu gritei a plenos pulmões na direção do fageine, atraindo a sua atenção. A criatura avançou a toda velocidade para o grito e eu escapei do seu ataque antes que Judin pudesse. O fageine se chocou com uma força colossal contra a rocha em que eu antes me escondia e as pedras desabaram sobre o humano que restara, soterrando-o como uma mosca que não deveria estar no caminho... E matando-o.

Por minha causa.

Tampei a boca para abafar a minha respiração ofegante, sem conseguir acreditar no que eu tinha feito, enquanto a minha outra agarrava as pedras da parede assim como eu ainda me segurava às esperanças de que não era aquilo que lutava tanto para não ser. Engoli em seco no escuro, encarando onde as sombras se tornavam monstros... E tudo que vi foram os meus.

Mas, agora que Kadi estava morrendo, não havia tempo para remorso.

Tomei a arma caída ao chão e disparei contra o fageine, acertando-o de raspão. A criatura rugiu e se encolheu quando o meu segundo a atingiu tão perto do olho, mas, antes que eu pudesse disparar um terceiro, o corpo da criatura cresceu, conforme mais fageines se mesclavam a ele e o tornavam um mega-fageine. O inimigo se estendeu sobre mim e lançou projeções ao meu redor me encurralando.

Apertei o gatilho mais uma vez, mas a arma se engasgou nas minhas mãos, descarregada. Tentei me esquivar por entre as projeções da criatura, seu corpo ácido quase tocando meu rosto, mas não consegui escapar do seu abraço e fui encurralada entre o inimigo e as pedras frias da parede. Consegui ver as enzimas atrás da barreira da sua pele rumando para me dissolver, o grito de Kadi paralisado nas profundezas daquele oceano fageine como se seu pavor fosse tempero e à minha frente aquele olho, a escuridão de sua pupila me engolindo... E, se eu fizesse nada, era isso que o fageine faria.

Eu senti a coragem explodir dentro de mim e então, com um grito de guerra, mergulhei meu braço direito dentro do corpo ácido do mega-fageine, deixando o líquido corrosivo do seu interior me envolver até o cotovelo.

Rugi de dor, sentindo as enzimas penetrando pelos meus poros como cobras cavando túneis de veneno no meu corpo. Eu estava sendo estraçalhada e refeita de uma forma que não deveria existir nesse universo, meu corpo das pontas dos dedos até o cotovelo virando um crime contra as leis da natureza que eu queria simplesmente arrancar a dentadas.

Endossimbiose | Versão Em PortuguêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora