O Olhar da Traição

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Com o passar dos anos, o Dr. Cárdenas havia aprendido muitas coisas, dentre elas, que o dinheiro não compra a felicidade e que sua família deve vir sempre em primeiro lugar. É verdade que ele já estava quase beirando seus cinquenta anos, mas todos afirmavam que continuava tão atraente quanto em sua juventude. Todos os luxos e bens materiais que possuía eram frutos de seu árduo trabalho, dos quais tinha orgulho de afirmar que nunca precisou se utilizar de meios imorais para conquistá-los.

Apesar de todo seu dinheiro, luxo e conforto, Alessandro Cárdenas era o tipo de homem que sacrificaria tudo em nome de entes queridos e amados sem pensar duas vezes. Ele arrumava sua gravata em frente ao espelho de sua suíte, enquanto seus pensamentos se encontravam há pouco mais de vinte anos atrás: lembrou-se do dia em que foi rejeitado pela mulher que amava, após a mesma descobrir sobre sua situação financeira, que na época, não era das melhores. Por essa mulher ele foi humilhado, desprezado e posteriormente, trocado por seu melhor amigo de infância que, na época, era milionário. No dia do casamento de seu melhor amigo, este abandonou a noiva no altar para fugir com uma mulher. E não com qualquer mulher: com Rubi. A mesma mulher que era amada por Alessandro.

Ao calçar seu sapato social, o Dr. Cárdenas continuava divagando em pensamentos. Lembrou-se de quando assistira sua amada fugir com seu melhor amigo em um aeroporto. A partir daquele dia, uma parte de seu coração foi arrancada para sempre. Abraçou a noiva abandonada e inconsolavelmente devastada, que futuramente, viria a ser a sua esposa amada para o resto da vida. Maribel era o tipo de esposa que todo marido sonhava em ter: carinhosa, dedicada, amável, compreensiva e com o tempo (e após tomar muitos tapas na cara da vida), tornou- se uma mulher extremamente forte e profundamente feliz ao lado de Alessandro.

Ele pegou as chaves do carro e pediu a um dos empregados que avisasse a sua amada esposa que ele iria ao hospital por algumas horas e voltaria em breve. Ligou o carro, arrumou o retrovisor e durante o caminho, ensaiou tudo o que iria falar: "sinto muito, mas o nosso já não deve acontecer novamente, Fernanda. Peço para que não me procure nunca mais". Seria doloroso, mas ele sabia que era o correto a se fazer. Pegou um trânsito de pouco mais de 15 minutos e pouco antes de chegar ao portão da mansão dos valência, a chuva começou a cair.

Ele aguardou por aproximadamente 10 minutos dentro do carro, mas ao não ver sinal de ninguém no portão, resolveu sair do carro e perguntar ao porteiro da mansão, que se encontrava em sua cabine. Tentou se proteger inutilmente da chuva, mas a mesma começou a atravessar sua elegante camisa social. Avistou o porteiro que, no mesmo instante, abriu a janela da cabine:

- Estou procurando pela senhorita Fernanda Perez, ela disse para que a aguardasse aqui na frente.

O porteiro rapidamente procurou por algo em seu bolso e lhe entregou um envelope.

- Acho que há um engano, eu não estou esperando um envelope - continuou o Dr. Cárdenas, tentando se esconder da chuva - Eu busco pela senhorita Fernanda, ela está hospedada aqui.

- Não há engano algum, foi a senhorita Fernanda quem me pediu para que lhe entregasse a carta.

Confuso, ele abriu o envelope, ainda embaixo da chuva:

"Alessandro, eu não posso mais te ver. Decidi que preciso refazer a minha vida longe de você. Sempre me lembrarei com muito carinho da noite que passamos juntos e de suas carícias, seu corpo, seus lábios... Mas isso já não deve mais acontecer. Refaça sua vida com a Maribel enquanto eu tentarei refazer a minha com outra pessoa, apesar de te amar com todas as minhas forças e de saber que nunca amarei ninguém da maneira como te amo. Eu sinto muito.

F."

Ele continuava a olhar para aquelas letras, incrédulo, enquanto as gotas de chuva caiam sobre a carta e sobre seu corpo. Instantaneamente a chuva deixou de ser um problema, já que agora ele não a sentia mais. Ao invés disso, sentiu um vazio lhe invadir o peito, um vazio tão grande que, nem mesmo ele sendo o melhor cardiologista da América Latina, sabia explicar. Ele elevou seus olhos para dentro do portão e, de longe, avistou Fernanda sentada em sua cadeira de rodas e embaixo de um guarda-chuvas o olhando. Seus olhares se encontraram e ele pode dizer que ela partilhava do mesmo vazio que o dele. Avistou uma lágrima rolando dos olhos dela e não pôde evitar que o mesmo lhe acontecesse. Após alguns segundos (que mais pareceram uma eternidade), avistou Loreto chegar e empurrar a cadeira de rodas de Fernanda para outra direção. Loreto lançou um último olhar de pena para o Doutor Cárdenas e acompanhou sua amiga para dentro da mansão. Alessandro continuou parado em frente ao portão por alguns segundos, até avistar Fernanda desaparecer por completo, sentindo como se cada átomo de seu corpo afundasse em profunda dor e solidão. Ainda devastado, colocou a carta em seu bolso e voltou para o carro. Sem saber o que fazer ou para onde ir, dirigiu sem rumo para qualquer lugar que a vida o levasse.



Seis horas (e mais de 7 doses de whisky) depois, o Dr. Cárdenas chegava em sua mansão. Ainda se perguntava como havia conseguido estacionar o seu carro nas condições em que estava. Ele entrou pelas portas dos fundos e dirigiu-se diretamente para o banheiro de visitas. Olhou-se no espelho e viu um homem derrotado e infeliz. Seu olhar carregava uma tristeza tão profunda que era quase impossível esconder. Ele lavou o rosto e fez um gargarejo com um enxaguante bucal para tentar disfarçar o cheiro de álcool, mas no estado em que se encontrava, era muito difícil convencer alguém de que não havia bebido. Ainda cambaleando ele saiu do quarto de visitas e subiu as escadas de fininho, almejando que sua esposa já estivesse dormindo. Tirou os sapatos e se sentiu aliviado ao ver que Maribel jazia adormecida na cama. Ele retirou toda a roupa molhada e se encaminhou para o chuveiro.

"Não pense em mais nada, Alessandro..." - A imagem de Fernanda desnuda não saia de seus pensamentos. Ele sentou-se no chão do canto do chuveiro e não evitou mais as lágrimas. Por que se sentia assim? Afinal de contas, não era exatamente isso que ele queria?

"Quando me ver novamente, estarei feliz nos braços de outro, e aí já será tarde" - a voz de Fernanda ecoava em sua cabeça. Se sentiu o mais miserável entre os mais miseráveis dos homens que já existiram e concluiu que daria o que quer que fosse neste exato momento para que pudesse ter Fernanda mais uma vez em seus braços pela última vez.

Ele deixou que a água caísse quente pelo seu corpo, enquanto tentava (sem sucesso) fazer com que sua dor desaparecesse e sua sobriedade voltasse. Vinte minutos depois ele desligou o chuveiro e abriu a porta do quarto, completamente esgotado e pronto para (tentar) dormir, mas antes que pudesse se deitar, avistou Maribel sentada na cama e curvada. Ainda muito embriagado, ele demorou alguns segundos para perceber que ela estava chorando.

- Meu amor? - disse ele, se aproximando cauteloso - Está tudo bem?

Mas antes que pudesse tocá-la, conseguiu focar sua visão no que ela carregava nas mãos: a carta de Fernanda. Aos poucos, o olhar de Maribel foi subindo até que se encontrou com o de Alessandro, e ele recebeu dela o mesmo olhar que ele só havia visto uma vez em toda a sua vida há mais de vinte anos atrás: o mesmo olhar que ela havia dado ao seu melhor amigo, Heitor, quando o mesmo fugiu com Rubi no dia de seu casamento com Maribel, a deixando plantada no altar. O olhar de uma mulher decepcionada e desolada. O olhar da traição.

Rubi - O RetornoOnde histórias criam vida. Descubra agora