Prólogo

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 ~ UM ANO ATRÁS. ~

Caminho no modo automático, o asfalto fere os meus pés, meu corpo dói a cada respiração tomada e eu só consigo sentir nojo de mim. Nojo de tudo aquilo...

Eu estou perdida, minha alma tá mais que perdida! Meus olhos ardem a um longo tempo e tudo indica que nem as lágrimas querem se misturar a imundície que agora sou.

Me arrasto até em casa, entro pela janela do quarto de empregada que está em reforma no fundo da casa e ali mesmo deixo meu corpo escorregar pela parede e me envolvo no chão frio e sujo, em uma noite em que nem todo gelo e sujeira do mundo poderia me atormentar.

E é aí que as lágrimas vêm, elas são silenciosas e sufocante. Meu peito aperta, o ar me falta a cada soluço e uma represa se rompe sem parar dos meus olhos.

Quero gritar, mas falta-me voz. E o soluço arranha a minha garganta como se houvessem farpas contidas nela.

"É tudo sua culpa."

Minha mente acusa o óbvio em um único mantra e mais dor sinto em meu peito.

Fico ali por horas na mesma posição, sinto a escuridão me abraçar e agradeço por ela vim.. e rogo pra que me leve sem direito a retorno.

Sou despertada com um estrondo e um arrepio passa pelo meu corpo

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Sou despertada com um estrondo e um arrepio passa pelo meu corpo. Tento ajustar minha visão ao breu e ouço um tiro!?
Meu coração dispara, levanto com dificuldade e vou a passos lentos até a porta do quarto. Minha visão vai se acostumando lentamente ao escuro, mas é intenso demais.
Tento não me bater nas coisas e ando em passos mais mínimos ainda, me apoiando as paredes, algo me diz para voltar ao quarto e me encolher. Pois o silêncio que há aqui é ensurdecedor.

Porém subo as escadas lentamente e o que vejo foi como uma facada no peito. Não pode ser... Não! Não! Não eles... Meu corpo pesa e caio sobre os joelhos, e todas as lágrimas que achava não haver mais horas atrás, inundam o meu rosto e nublam minha visão; mas incapaz de apagar o que vi: meus pais mortos!

Sinto os meus joelhos umedecerem com o tanto de sangue que escoam dos corpos imóveis e pálidos deles. Fico por segundos, minutos ou horas estática perdida na imagem a minha frente o cheiro de ferrugem proveniente do sangue inunda-me em cheio a cada fôlego tomado, mas nem mesmo a náusea que ele me traz é capaz de me tirar do topor.

Se antes minha alma tinha sido perdida, agora ela foi arrancada e me sinto completamente vazia e tudo isso aos dezoito anos.

E mais uma vez algo me diz que eu fui a culpada.

Em meio a todo o meu devaneio, as palavras daquele monstro me vem à mente: "A morte seria tão boa para você que não quero te matar, quero que sofra e sei que sofrerá, pois vai ter que viver como uma imunda que é agora" E é justamente assim que me sinto, digna nem de uma família.

Despertei das minhas lamúrias e corri até o telefone, minhas mãos tremiam

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Despertei das minhas lamúrias e corri até o telefone, minhas mãos tremiam. E tudo transcorria como se minha mente tivesse deslocado do meu corpo, e ele agisse apenas por extinto.

Uma voz calma me tira do meu estado vegetativo. Não ouço o que a pessoa diz, apenas gaguejo a quem está no outro lado da chamada de emergência.

- A.. Alô! Me ajuda.. É.. Eles estão mortos - o ar me falta e me engasgo com as minhas próprias palavras.

- Se acalma, senhora, já estamos rastreando seu endereço. O que aconte.... - a moça que está do outro lado da linha tenta me distrair e só consigo repetir apenas uma única coisa:

-Eles estão mortos. Mortos! Os dois..

Não percebo quando a chamada foi encerrada; quanto tempo fiquei ali em pé, no quarto dos meus pais com o telefone na mão e quando alguém o tirou de mim; me cobriu e me levou até uma ambulância.
Vejo muitas pessoas em volta da casa, inúmeros carros de polícia; passo os olhos em volta e vejo o olhar de pena dos meus vizinhos e me pergunto se isso não pode ser um pesadelo, que irei acordar gritando com minha mãe ao meu lado, enxugando as minhas lágrimas e beijando a minha testa como fazia quando eu era criança e tinha um sonho ruim. Mas sei que isso não acontecerá! Sei que nunca mais poderei vê-los em volta da mesa no café da manhã planejando o próximo fim de semana.

Uma policial que aparenta ter uns 45 anos, negra, uniformizada a caráter me faz perguntas sobre como aconteceu, o que eu ouvi, como os encontrei... Conto-a, exatamente, desde quando fui acordada, até aquele momento. Não podia mencionar o ocorrido anteriormente à morte deles, não podia desviar o fato de que eles mereciam mais justiça do que eu. Além de que não suportaria mais pena e nojo nas feições de quem me visse ao saber o quanto agora eu sou imunda.

Eu não quis saber de procurar a família do meu pai ou os parentes da minha mãe não queria que eles levassem o fardo que eu era, então decidi que iria me virar sozinha, mas para meu puro azar eu estava fodida.

Dois dias depois estava eu em uma capela, a minha frente se encontram os caixões com os corpos daqueles que eram tudo pra mim. Eu não tenho mais lágrimas para chorar, creio que elas agora me abandonaram de vez. Aqui estão todos os colegas do meu pai que trabalhavam na filial da empresa William's, mais alguns vizinhos e curiosos. Todos vieram a mim com um pezar que, ao contrário do que eles pensam, não conforta nada. Chegou a hora de enterrá-los e não acompanho. Me recuso a ser essa a última imagem a ver deles. Me recuso fazer desse momento, meu último momento com eles. Mas sei que assim que a terra cair em cada um deles, haverá três ali: meu pai, minha mãe e quem um dia eu poderia ter sido.

Duas semanas depois do pior dia da minha vida, a polícia liberou um boletim afirmando que meus pais foram vítimas de um assalto, intrigando-me por ter sido uma investigação encerrada de modo apressado e misterioso, sendo que durante a reconstituiç...

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Duas semanas depois do pior dia da minha vida, a polícia liberou um boletim afirmando que meus pais foram vítimas de um assalto, intrigando-me por ter sido uma investigação encerrada de modo apressado e misterioso, sendo que durante a reconstituição percebi não estar faltando nada e ao alegar isso afirmaram que provavelmente perceberam ter alguém há mais na casa e fugiram.

O advogado do meu pai veio me ver logo depois afirmando que todo o dinheiro do meu pai iria para pagar os empréstimos que ele tinha feito, e a casa vendida para o mesmo destino, então era um fato: eu estava sozinha, e ainda por cima na rua.

Fechando meus olhos rogo mais uma vez que essa nova muralha que me tornei seja o suficiente para me anestesiar da minha mais nova companheira: a solidão. Onde uma nova rotina seja capaz de me forjar uma alma e reinventar um recomeço. Porque de todos os cacos já partidos nessa vida, eu me tornei o mais propenso a cortes e derramamento de desesperança.

Marcas Do Passado ⇝ Livro 1《Concluída》Where stories live. Discover now