I - No cárcere injustamente

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As negociações tinham corrido terrivelmente mal.

Olhou em redor, fazendo uma curta avaliação do compartimento húmido e acanhado. O chão estava peganhento e imundo, as paredes brilhavam com as mesmas viscosidades. Não havia qualquer banco, cama ou peça de mobiliário pelo que eventualmente teria de se sentar nas lajes quando as suas pernas lhe exigissem descanso. Podia esperar horas ou podia suportar uma espera indefinida. Sabia como combater o tédio mental, estava bem treinado para as contrariedades. Após a observação realizada descobriu que não havia mais nada que pudesse fazer ali a não ser... esperar.

Respirou fundo. O ar que lhe entrou pelas narinas, que passou pelas vias respiratórias até chegarem aos seus pulmões, tinha um odor peculiar e enjoativo, fruto da falta de limpeza e do soro com que tinham impregnado aquele compartimento. O objetivo seria amolecer as suas capacidades motoras, já que as sensitivas estavam totalmente embotadas por culpa dos Ysalamiri que tinham sido colocados nas proximidades, de propósito, por causa dele.

Muito simplesmente não conseguia usar a Força dentro daquela cela por causa desses lagartos. E sem a Força estava à mercê dos seus captores, numa vulnerabilidade inédita.

Prendeu um suspiro irritado e tentou acalmar-se, mas era-lhe difícil, dadas as circunstâncias. As negociações falhadas, preso como conspirador, um julgamento apressado que seria realizado num tribunal improvisado, impossibilitado de comunicar com o Senado Galáctico, impossibilitado também de se defender.

Puxou as abas da capa castanha, enrolando a peça de vestuário em redor do seu corpo enxuto. Iria servir de proteção contra a gosma escura que cobria o chão que ele não conseguia definir exatamente o que seria, devido à pouca luminosidade. E sentou-se, com um esgar de nojo. A desistência não era totalmente censurável por ser tão repentina face à sua resistência, mas tornou-se necessária. O corpo em breve iria amolecer por causa do soro e ele tinha de se proteger contra as surpresas que ainda era possível antecipar.

Tentou moderar as suas emoções que estavam a resvalar por um caminho perigoso que poderia complicar ainda mais a sua situação, que estava já complicada. Não podia emocionar-se demasiado, nem cair na tentação de irritar-se. Ele era um cavaleiro Jedi e ceder ao desespero, à raiva e ao egoísmo só iriam justificar as acusações contra ele de que as suas intenções, desde o início, não eram das mais pacíficas, sinceras ou legítimas.

Luke Skywalker fechou os olhos e entrou em estado leve de meditação para procurar o seu equilíbrio, ainda que privado do amparo da Força. Ali, embora fosse perfeitamente capaz de dominar os seus impulsos, de perceber o seu espaço, limitações, poderes e sensações, achava-se condicionado pelo efeito produzido pelo lagarto Ysalamir que criava em redor do lugar que ocupava uma bolha em que a Força era ausente. Um Jedi era nada sem a energia cósmica, mas ele possuía alguns recursos que sabia usar em ocasiões de emergência e que lhe possibilitariam uma solução impensável, inédita e inesperada.

Antecipar-se ao que lhe preparavam era fundamental.

A prisão pequena onde ele tinha estes pensamentos situava-se no complexo de palacetes e de jardins de uma zona habitacional utilizada pela realeza do planeta principal do sistema de Hkion. Era uma cidadela que misturava várias influências arquitetónicas e estilos diversos, dos mais belos aos mais grotescos, ora pujantes de frescura, ora impregnados de uma fealdade repulsiva. Não podia dizer que era dos locais que mais gostara de visitar na galáxia. Podia, isso sim, afirmar, que era dos mais estranhos e confusos. Desde que ali chegara, como negociador principal mandatado pelo Senado Galáctico, em representação da Nova República para resolver uma desavença entre líderes rivais que disputavam o poder máximo de Hkion, que se sentia inquieto com o que o rodeava.

Agora, privado da sua liberdade pessoal, acossado pela ausência da Força e pela tentativa de o drogarem, julgava ter, por fim, descoberto o que o incomodara tanto. Não provinha somente do desconchavo dos edifícios, da falta de estética, da pouca simpatia das gentes locais, do isolamento a que o tinham obrigado, privando-o da sua escolta e de outra companhia. A opressão era permanente, uma contaminação, um estado de espírito aparentemente já aceite como normal. Ele, convencido de que iriam escutar um cavaleiro Jedi, não notara que só viera agravar ainda mais o clima de conflito que permeava todo o sistema. Havia ainda outro indício no ambiente saturado, todavia, que ele não conseguira definir com propriedade... Um mistério que os nobres queriam a todo o custo ocultar e manter fora da vista dos estrangeiros, principalmente de alguém que se associava à Nova República... Especialmente de alguém com poderes extraordinários, acima da compreensão das gentes comuns.

A grande riqueza do sistema Hkion provinha do metal, mais propriamente do ouro que era explorado em minas gigantescas nas luas que rodeavam um planeta gasoso que orbitava a orla do sistema. Essa exploração era feita em exclusivo por uma população escravizada que sofria sob condições degradantes. A sua libertação teria de ser negociada, pois o Senado havia sido informado do que estava a suceder através de várias petições que sugeriam que se nada fosse feito, o novo regime republicano estaria a pactuar com uma situação típica do Império Galáctico e não da democracia recentemente instituída. Um escândalo político inaceitável. Antes, contudo, era necessário reconciliar dois primos desavindos, dois príncipes que chefiavam os clãs mais importantes de Hkion que reuniam os seus exércitos e contavam bandeiras dos eventuais aliados para disputarem o reinado sobre o sistema e sobre as minas de ouro, com a sua legião de escravos.

Fora então para moderar essa disputa familiar que Luke Skywalker foi despachado para Hkion. Depois de reconciliar os primos, encontrar-se-ia um líder político legítimo para governar o sistema com o qual o Senado Galáctico aceitaria debater a questão dos escravos. Era uma missão em duas etapas que parecia simples.

Em abono da verdade, ele não fora bem-recebido e todas as suas tentativas para convocar um concílio que reunisse os principais atores daquele drama foram sabotadas. As negociações parciais foram sempre realizadas por aristocratas sem qualquer autonomia que não podiam decidir nada, até que foi encontrado um motivo para acusá-lo de conspiração e trancá-lo naquela prisão nojenta, rodeado de Ysalamiri.

Os acontecimentos foram rápidos demais ou ele fora ingénuo demais. A pensar nas duas possibilidades não sabia decidir-se a que partido deveria atribuir as culpas. Se a um primo, se a outro. Respirou devagar, profundamente. Eliminou essas conjeturas estéreis e concentrou-se no vácuo que o rodeava. Estava isolado.

Desconhecia se algum alerta fora emitido a dar conta do processo que lhe moviam e de como se encontrava em perigo. Também não conseguia enviar um aviso mental através da Força para a sua irmã, Leia Organa. Encontrava-se desarmado pois tinham-lhe confiscado o sabre de luz.

Infelizmente, na sua posição atual, pouco ou nada podia fazer a não ser meditar e impedir que se arrastasse para a negatividade que o rodeava, potenciada pelas armadilhas que insistiam em armar-lhe. Era crucial não se deixar abater pela incerteza do seu destino e pelo óbvio falhanço da sua missão.

O soro penetrava nas suas células, um veneno brando e silencioso. Ele percebia o seu efeito insidioso, mas conseguia controlar-se ao ponto de cortar de forma subtil os efeitos mais debilitantes, naquele estágio inicial. Não iria evitar alguma sonolência e confusão, preparava-se para ativar outros sistemas de reação que não o tornariam tão vulnerável quando o fossem buscar à cela para o julgamento.

Recordou a informação que recebera sobre os dois príncipes inimigos de Hkion, os primos. Dados escassos e viciados, transmitidos através de relatórios holográficos, nunca chegara a conhecer pessoalmente nenhum deles. Não existia nada que soasse deslocado ou estranho. Na aparência eram até duas criaturas demasiado semelhantes, com as mesmas ambições. Nenhum deles o teria denunciado, ou talvez tivessem sido os dois juntos. Ou ainda uma terceira parte muito interessada no futuro das minas de ouro do sistema. Ou alguém que cobiçava outros recursos que ele não fora capaz de desvendar. Sabia que havia um gerente, um mordomo real, um dos nobres ventilara o nome como se fosse um segredo.

Deduziu, portanto, que na sua comitiva existia um traidor que o tinha entregado aos senhores de Hkion em troca de um suborno. Um traidor que conhecia o terrível segredo que era imprescindível manter e que se ligava a uma fação obscura composta por senadores ambiciosos com ligações perigosas ao submundo.

Serenado, mas não resignado, Luke Skywalker aconchegou-se na sua capa, fechou os olhos e aguardou.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now