V - Ansiedade e estrelas

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Não conseguir ter contacto algum com o irmão era angustiante, mas o curto relatório que recebeu sobre a situação que se vivia em Hkion ajudou-a a dominar a irritação e a sensação de impotência que a acometiam, que a deixavam mais permeável do que o normal.

Ela era uma pessoa bastante suscetível, bem vistas as coisas. Não reagia bem às contrariedades, mas conseguia ultrapassá-las mediante a sua simples vontade que algumas vezes se traduzia em ímpetos físicos que resultavam em confrontos. Durante a guerra civil implicava conflitos resolvidos com disparos de blasters. Agora, durante os primeiros passos da paz, discussões acesas com os seus adversários políticos. Nunca desistia de argumentar para defender a sua posição, nunca ficava sentada à espera que as coisas se resolvessem por si. Tomava em mãos as tarefas mais espinhosas e avançava resoluta para a conclusão das mesmas. Podia nunca sair vitoriosa, mas não recusava qualquer luta, ainda que o seu androide protocolar – sim, See-Threepio era considerado como o seu androide protocolar em exclusivo – a cobrisse de avisos de que as consequências podiam ser desagradáveis.

Foi o que aconteceu quando ela, nos seus aposentos em Chandrila, ponderava sobre a conversa particular que tivera com a Chanceler Mon Mothma e que desencadeara o problema que urgia corrigir. Tratava-se de uma sedição e de um mistério que aconteciam em Hkion, situado na Orla Exterior, muito próximo dos territórios não cartografados, pelo que quase se podia considerar o sistema como zona inóspita e desconhecida. Threepio elencara todas as questões que lhe levantavam dúvidas naquela proposta da Chanceler. Leia escutara-o e chamara pelo irmão. Luke foi, portanto, encarregado por ela dessa perigosa missão secreta, apesar das advertências de Threepio. Ela não hesitou em aceitar aquela situação como uma das suas prioridades, ele não hesitou em cumprir os desejos da irmã pois também percebia que ali havia mais do que poderia parecer, à primeira vista. Só Han discordou de tudo, desde o início, chamando-os de loucos irresponsáveis, alinhando, pela primeira vez, com as preocupações do androide protocolar.

O caso parecia estranho e confuso, ou seja, com falta de dados importantes que possibilitassem traçar um perfil mais adequado do que estava a suceder, mas o risco pareceu-lhe relativo. Ela acreditava nisso e Luke também acreditou, ou ele teria levantado objeções. Pelos vistos, estavam os dois enganados.

Era principalmente isso que a magoava e inquietava. Julgara que Luke, enquanto mestre Jedi, seria inatacável, que poderia sempre ter um expediente qualquer subliminar e apoiado na Força que o fariam superior em qualquer ocasião, mas naquele caso de Hkion não fora bem assim. O relatório, embora conciso e apressado, era qualquer coisa de palpável a que se podia agarrar e Leia apoiou-se nas suas breves frases para traçar um plano que o prudente Threepio, mais uma vez, apelidou de arriscado. E mais uma vez Leia não lhe deu ouvidos.

Pediu a Artoo que falsificasse o plano de voo para continuar a manter secreto aquele assunto de Hkion, deixou a verdade sobre a sua viagem repentina numa mensagem encriptada apenas com a Chanceler, e Leia partiu de Chandrila na companhia dos dois androides, Threepio e Artoo, indo em busca do irmão. Armou-se com uma pistola laser e com o seu sabre de luz. Concentrou-se na Força e tentou acalmar-se através de um exercício leve de meditação. Sabia que iria salvá-lo, mas que a missão não terminaria com esse salvamento. Ainda não desistira, e sabia que Luke também não, de descobrir o que se passava em Hkion.

O veículo escolhido para a travessia fora um cargueiro. Oficialmente, a senadora Leia Organa dirigia-se a um dos mundos do núcleo para supervisionar o fornecimento de peças essenciais para melhorar os compressores de naves de transporte de passageiros, visto que se tinha desenvolvido um diferendo entre o setor de aprovisionamento do Senado e a empresa que ganhara o concurso. Esta descrição era em parte verídica. Existia um diferendo, mas não carecia da presença imponente de um senador para resolvê-la. Tratava-se de uma mera dificuldade técnica de incompatibilidade entre as peças e os compressores. Mais tarde, Leia Organa lançaria um sinal a Wedge Antilles, general recentemente promovido que orientava a frota de cargueiros republicanos, para ir resolver essa pendência.

Assim, viajavam num cargueiro ligeiro HWK-1000 da série Hawk e este foi perfeito para que saíssem de Chandrila sem levantar suspeitas, pois uma nave de carga era a ideal para resolver assuntos relacionados com fornecimentos. Ninguém perguntou nada, os códigos foram aceites e em breve percorriam o espaço à velocidade da luz.

Para não se aborrecer demasiado e para traçar mentalmente uma estratégia que fosse exequível, ainda que fora dos padrões cautelosos de See-Threepio, para resgatar o irmão, Leia revia o relatório pela milésima vez, para decorá-lo, para encontrar alguma ponta de esperança, a tal falha que permitiria resolver aquilo a contento de todos. Do Senado Galáctico, do sistema de Hkion, dos dois clãs rivais liderados por dois primos ambiciosos.

Dois príncipes, leu ela atentamente no holopad. Kar'kion e Gil'kion, filhos das irmãs do rei anterior que morrera no final da guerra civil e que deixara, com o seu desaparecimento, a sucessão muito complicada porque ele nunca tivera uma consorte e não tinha um herdeiro. Depois havia as minas de ouro exploradas pelos escravos, extremamente produtivas e muito rentáveis. Havia a desconfiança de que o tributo pago ao Senado, em forma de taxa de exploração, calculada de acordo com a produção, era falsificado, significando isto que Hkion roubava Chandrila às claras. Leia, contudo, não queria crer que fosse este o motivo que perturbava a Chanceler. Sim, meditou ela, os fundos desviados podiam estar a ser entregues aos aliados misteriosos de Hkion que, supostamente, estavam ligados ao Império e que poderiam estar a financiar o rearmamento de algum grupo clandestino liderado por antigos oficiais imperiais que, após alcançarem o poder de fogo suficientemente grande, declarariam guerra à Nova República – mas só isso não lhe parecia suficiente. Havia algo mais... Algo mais... escuro e profundo...

A garganta contraiu-se-lhe.

Luke nunca tinha conseguido encontrar-se com os dois príncipes. As negociações que procurara mediar foram sempre sendo minadas por fações que aparentemente se movimentavam abaixo dos príncipes, sem haver a certeza se o faziam em nome destes ou se os príncipes eram totalmente alheios ao que se estava a passar. Então Luke foi preso e seria executado dentro em breve. A acusação era desconhecida, mas ela sabia que iriam ser usadas palavras como traição, sabotagem e ingerência. A pequena comitiva que acompanhava Luke tinha sido toda eliminada e essa foi a última transmissão do contacto deles em Hkion, desconfiando-se que este – ou esta, desconhecia quem era esse agente republicano – ou também tinha sido assassinado, ou por algum milagre tinha conseguido fugir. Leia esperava que o contacto ainda estivesse em Hkion. Era por ele que começaria a procurar, depois logo veria se conseguiria manter-se longe da prisão enquanto advogava a favor do mestre Jedi nessa desconhecida sessão de julgamento que teria lugar. Se a abordagem diplomática falhasse, partiria para a ação.

Novamente, a garganta contraiu-se-lhe.

Ela estava sozinha e seria uma contra muitos.

Iria lutar até ao fim e contava com a astúcia de Artoo para lhe dar alguma ideia mirabolante que representaria o sucesso daquela insanidade. Leia Organa contra o sistema de Hkion!

Threepio andava a verificar os sistemas do cargueiro para se manter ocupado. Estava muito inquieto e desconfiado do plano que ela lhe comunicara, em traços largos, ainda estavam em Chandrila, se se podia considerar um androide acometido de inquietação e de desconfiança. Ela obrigara-o a acompanhá-la, ele fora relutante, ainda que Artoo a tivesse seguido sem hesitar.

O cargueiro seguia em piloto automático. Threepio anunciou em voz alta as últimas verificações que tinha estado a fazer, uma atualização de estado da nave e a confirmação de que as rotinas prosseguiam sem relatórios de anomalias assinaláveis. Artoo ligava-se ao computador de bordo, a sua cúpula girava devagar. Por último, Threepio mencionou a mensagem que tinha enviado.

- O que foi que fizeste? – gritou Leia admirada.

O pio de Artoo foi tão estridente quanto o grito da senadora.

- Informei o general Han Solo sobre o nosso destino. Hkion. O menino Luke foi preso e nós vamos salvá-lo.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now