VI - Dúvidas e coragem

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A vantagem deles, provavelmente a única vantagem, era que estavam mais perto do sistema destino do que o cargueiro que saíra de Chandrila. Os piores lugares da galáxia situavam-se todos na Orla Exterior e a cantina onde tinham estado a jogar entrava, sem grande esforço, nessa classificação. Ele pensava no mundo para onde iam, enquanto repassava os dados recolhidos no computador da Millenium Falcon sobre Hkion, pressionando o botão para que as linhas se multiplicassem e fossem mais informativas, mas aquilo que ele lia era tudo o que havia disponível.

Sistema governado por uma oligarquia. Minas de ouro. Escravos. Relação muito forte com o misticismo.

E era só.

Não era muita coisa, mas era alguma coisa e se não havia mais devia-se ao facto de ser realmente difícil entrar nesse sistema e recolher mais dados. Em suma, a sua população era hostil e não desejavam contactos com o exterior.

A situação geográfica de Hkion na galáxia também remetia para esse isolamento propositado e incentivado. Situado perto dos territórios desconhecidos, residia numa fronteira pouco clara entre os confins da galáxia e os mundos registados.

As relações de comércio seriam praticamente inexistentes com outros sistemas. Claro que havia o ouro, um metal raro para o qual havia sempre uma legião de interessados, mas quem comprava o produto das minas auríferas de Hkion era uma única companhia que depois negociava, posteriormente, com um grupo de compradores selecionados por meio de um sorteio. Uma espécie de distribuidora, sancionada pelo governante de Hkion, um rei que ocupava o cargo de forma vitalícia. Ele sabia destes detalhes porque se recordava de ter conhecido alguém que tentou, uma vez, negociar com essa companhia, entrar no campeonato e que desapareceu misteriosamente sem ter ficado rico, como ambicionava, com o ouro de Hkion.

O que mais o intrigava era aquela relação com o misticismo. Traduzindo, tinham conhecimento e deviam ter alguns poderes derivados da Força. Nesse departamento, Han Solo não era capaz de se recordar de ter conhecido alguém que tivesse corroborado essa informação dúbia, pois os contrabandistas com quem ele lidara no passado não eram sensíveis a esses mistérios espirituais, nem tão-pouco se interessariam por algo que não fosse possível comprovar, medir e valorizar.

Ele considerava-se um homem prático, mas depois de ter conhecido Luke Skywalker e de ter visto Leia Organa a levitar pequenos objetos que lhe decoravam o quarto, ele não podia simplesmente ignorar e fingir que a Força não existia. E era isso que lhe causava o maior dos receios.

Desde o início que aquela história toda de Hkion lhe tinha parecido estranha e perigosa. Um daqueles seus famosos pressentimentos. Alguma coisa não estava suficientemente clara e ele não apoiou a decisão de Luke e de Leia de irem ver o que se passava, supostamente por causa de um pedido particular da Chanceler Mon Mothma. Ele não quis saber dos pormenores. Ergueu os braços, num sinal de rendição, e saíra do gabinete de Leia para evitar uma discussão. Intercetara Threepio no corredor e exigira-lhe que o contactasse se alguma coisa acontecesse em Hkion.

E tinha mesmo acontecido.

Passou uma mão pelo queixo, arranhou a palma com a barba.

Luke era um cavaleiro Jedi, logo aquelas ligações de Hkion com a Força podiam até ser um benefício. Mas não foi assim que acontecera. Em vez de ser venerado como um mestre que controlava a energia cósmica como nenhum outro o conseguia fazer, atualmente, na galáxia, no fim de contas Luke era o último Jedi, acabara por ser preso e havia uma forte possibilidade de ser sentenciado à morte.

A sua intuição não o tinha enganado. Os problemas aguardavam naquele sistema desconfiado e hostil.

Ouviu um suspiro atrás de si. Não o notara a entrar na carlinga, mas agora que lhe tinha escutado a respiração, sabia que se sentava na cadeira atrás da sua. Revirou os olhos, apagando o monitor da base de dados. Entrelaçou os dedos sobre o peito, recostou-se, pousou as botas sobre o painel de navegação, com cuidado para não desligar nenhum dispositivo que fosse essencial para a viagem que faziam. Todas as naves eram delicadas e a Millenium Falcon era ainda mais delicada. Estava a portar-se muito bem, contudo, desde o fim da guerra, sem lhe dar grandes problemas de mecânica e sem exigir reparações significativas.

A voz do amigo foi algo dissonante do ambiente que se vivia dentro da nave, pelo menos naquele espaço que ele ocupava com os seus pensamentos.

- Espero que percebas o que fizeste ao ter largado aquela partida de sabacc tão de repente...

Voltavam à indignação do momento da partida.

- Não me esqueci dos teus problemas, Lando! – exclamou Han, ligeiramente ofendido. – Mas isto é mais urgente... Eu disse-to.

- Ele virá atrás de nós. Aquela taanabiano não vai desistir... Agora que me encontrou, sabe onde estou atualmente e vai querer a retribuição por aquilo que aconteceu em Ruhina. O desafio que lhe lançaste ainda o provocou mais... Um desafio sem consequências. Ninguém ganhou.

- Ninguém perdeu.

- Não é dessa maneira que o Yur Tomason funciona, amigo! – ironizou Lando com um suspiro mais carregado. – Ele vai querer ganhar... sempre. E não tem feitio para aturar brincadeiras.

- Em Ruhina tu soubeste brincar com ele...

- Não sabia o que fazia. Foi há tanto tempo... cinco anos antes da Batalha de Yavin?

- Não foi três anos antes? – questionou Han girando a sua cadeira para encarar o amigo. As botas deslizaram do painel de navegação.

- Talvez... Cinco, três anos. Por aí. Foi depois de ter perdido esta menina, isso sei de certeza. – Lando falava da Millenium Falcon e lançou um olhar às luzes que piscavam na carlinga. – Achei que seria um bom negócio... O Yur Tomason convenceu-me.

- Contrabando de especiarias é um bom negócio. Traficar porções de alimentação desidratada é querer enganar alguém mais poderoso e acaba sempre mal.

- Naquele caso, tratava-se de enganar o Império. Não me pareceu assim tão censurável e o dinheiro que se podia ganhar era muito apelativo. Poderia pagar umas dívidas de jogo... Sabes? Esse tipo de aflições...

- Taanab vive da agricultura e da indústria relacionada com a alimentação.

- O Tomason é taanabiano, ele devia saber desses detalhes.

- Ele sabia, tu não.

Lando encolheu os ombros. Han completou:

- Ele enganou-te.

- E eu enganei-o. Perdemos os dois neste negócio. Não o queria voltar a ver, pensava que tinha morrido na Guerra. Pelos vistos tornou-se num próspero empresário agrícola e a felicidade nos negócios avivou-lhe a memória. Veio atrás de mim. Foi fácil encontrar o general Calrissian em Chandrila!

- Conseguimos intercetá-lo e fizemos uma proposta.

- Um jogo de sabacc interrompido! – Lando rangeu os dentes. Inclinou-se, agarrou no ombro de Han Solo. – Preciso que ele se cale, não o quero atrás de mim. Ganhei uma reputação que preciso defender... Não o quero em Bespin!

- Nós trataremos do teu assunto com o Tomason... depois de Hkion. Prometo-te.

- Não costumavas ser bom com promessas.

- Bem... Mudei!

A resposta foi brusca. Han voltou-se para a consola e fingiu estar a mexer nos instrumentos. Lando respirou fundo. Sim, o ex-contrabandista corelliano tinha mudado, de facto. Só assim ele conseguia compreender a sua imprudência ao ter voltado costas a um furioso taanabiano chamado Yur Tomason. Teria prometido a Leia Organa ou a Luke Skywalker, ou aos dois em simultâneo, de que viria em seu auxílio se recebesse notícias alarmantes de Hkion. O que efetivamente tinha acontecido.

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