III - Os amigos ajudam-se

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No recanto daquela cantina saturada de fumo de cigarros diversos jogava-se uma partida de sabacc muito séria. A tensão era palpável na mesa à qual se sentavam cinco jogadores. O dinheiro que estava em jogo era imenso e havia quem suasse e bufasse, aterrado, por as apostas terem alcançado aquele valor absurdo.

Os jogadores eram todos loucos, alimentando a sua loucura com a dos outros, porque não podiam ficar para trás em matéria de orgulho, bazófia, cinismo e arrojo. O perigo era que estivessem todos a mentir, mas algum deles, daquele restrito grupo de cinco, iria ficar rico ou, pelo menos, melhor abonado quando se revelassem as cartas finais.

Já não era apenas uma questão de bluff e de manter as aparências. Era uma questão vital, de sobrevivência. O vencedor haveria de receber acusações graves e diretas sobre a sua honestidade, qualquer que fosse esse indivíduo. Os perdedores iriam vender cara a sua pele, as armas estavam carregadas e prontas a disparar. Ninguém sairia ileso daquele esquema.

Pressupunha-se, então, apenas um vencedor e quatro perdedores.

Uma contabilidade lógica, mas detestável.

Era o conjunto iminentemente perigoso da partida, da competição entre os participantes, a definição de que todos eram adversários mesmo que antes de se sentarem àquela mesa fossem amigos ou camaradas, que tornava o jogo, em si, tão atrativo. Eram as contradições que alimentavam aquela noção de prazer, o pequeno instante de certezas e de dúvidas. Viver no limite, experimentar a situação extrema de estar a arriscar a vida quando se tomava a decisão de ir a jogo, de mostrar uma carta, duas, de fazer uma aposta, de tentar ludibriar o oponente, de ter a ilusão de ganhar.

Mesmo com todo o dramatismo que sobrecarregava a mesa, não merecia a atenção especial dos outros frequentadores da cantina. O jogo era comum naquele lugar escondido da galáxia e haver zaragatas após a conclusão de um encontro entre jogadores era igualmente comum. Então, ninguém achava estranho o ambiente carregado de tensão que envolvia a mesa. Uma única mesa disponibilizada para o efeito.

Nas outras mesas bebia-se muito e o álcool ajudava a traçar a fronteira que separava os bêbados dos jogadores – tudo escumalha perigosa, com as emoções espicaçadas pelo vício. Amigos e inimigos, a alteração de estatuto era tão rápida quanto um disparo laser.

Não se jogava um jogo normal de sabacc, mas uma variante que usava um par de dados chamada 'Spike Corelliano'. Não havia um dealer das cartas, pelo que a casa, que usualmente ganhava sempre a partida, pois era manifestamente impossível bater a distribuição e a fixação inicial das cartas feitas por um dealer profissional pago pela cantina ou pelo casino, não se encontrava presente entre os cinco jogadores. Eram apenas cinco apostadores, sem casa, portanto. Se por um lado era um alívio e uma espécie de garantia, por outro aumentava o risco de reações imprevistas após a obtenção do resultado final.

Junto a cada jogador amontoavam-se os créditos e outros ativos que entravam na aposta global, numa monstruosa e exorbitante quantia. No campo de suspensão do centro, as cartas flutuavam inertes ainda sem revelar o seu valor facial. Os pontos conseguidos pelas cartas eram complementados por aqueles obtidos pelos dados de seis faces que os jogadores tinham nas suas mãos esquerdas, fechados no respetivo punho, enquanto a mão direita segurava as três cartas que ainda restavam, depois de todas as trocas feitas.

O wookie rosnava, num registo que significava apreensão.

O corelliano tinha no rosto uma expressão de puro desprezo.

O socorriano mordia os lábios e rangia os dentes.

O taanabiano estremecia, contorcia-se, praguejava num tom baixo.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now