XVI - Confronto

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Eram dois sabres de luz na floresta.

Acesos. Lâminas gémeas, verdes, a crepitar, elevadas ao alto, a apontar ao céu.

Os adversários mediam-se com cautela e precisão, antes do avanço inevitável que cruzaria o limiar da decência e imporia a luta. Iriam combater, embora nenhum dos dois quisesse verdadeiramente essa ação. Um atacava, o outro defendia. O primeiro, o atacante, desprezava o combate por se julgar superior. O segundo, o defensor, desprezava o combate por ver neste uma anomalia.

Aquele confronto não iria decidir nada. Iria ferir, iria cansar, iria dilacerar.

Leia olhava fixamente para Luke. Media a distância que lhe parecia escassa e vazia. Não queria tomar a iniciativa, seria loucura se julgasse o ataque como a melhor estratégia. Temia não conseguir contrariar um dotado mestre Jedi num combate de sabres de luz.

Ela só precisava, na realidade, de ganhar tempo, de encontrar uma maneira de o distrair para que lhe pudesse administrar o antídoto que o salvaria daquela garra medonha que o puxava para o lado negro da Força. Mas esse plano mínimo era gigantesco e aterrorizador quando ela se recordava que estava mal treinada e que era tão inexperiente.

Engoliu a saliva que tinha na boca.

Bastava desconstruir o cenário. Reduzi-lo a algo simples que ela conseguisse reconhecer e onde pudesse manobrar sem correr grandes riscos. Teria de ser inteligente, evasiva e persistente, porque o seu fito não era derrotá-lo, mas entretê-lo o bastante para que ele apresentasse uma falha e ela pudesse entrar naquele reduto que fechava o verdadeiro Luke Skywalker numa armadilha perniciosa de sombras fabricadas artificialmente.

Administrar o antídoto era outra complicação, porque se tratava de um frasco que estaria fechado com uma tampa que conteria um líquido que Luke deveria ingerir. Depois de conseguir dominar o adversário, teria de o deixar tão prostrado que ele consentisse abrir a boca e beber o que ela lhe oferecia. Uma tarefa absurda!

E tinha ainda de proteger o bando de criaturas que lhe ofereciam a derradeira solução para resolver a contaminação do irmão. Não queria que nenhuma destas saísse ferida e que fugisse amedrontada ante baixas inesperadas, levando consigo o precioso antídoto.

Apertou os dentes, normalizando a sua respiração, aplacando a ansiedade. A lâmina luminosa chispava junto do seu rosto concentrado, colorindo-o de um verde mágico. Não podia adiantar-se aos passos que devia tomar e focou-se na primeira etapa. Lutar.

Luke Skywalker vencido pelo lado negro era tenebroso. Os seus olhos amarelos devoravam os detalhes, analisando o que se lhe apresentava com o instinto aguçado de um hábil predador. Notava-se nele a característica ímpar de um dotado mestre Jedi que não conhecia a derrota e que era consciente dos seus atributos magníficos que faziam-no um guerreiro poderoso apoiado na Força. Por causa da debilidade que o afetava, contudo, convertia-se numa figura que inspirava temor antes de admiração.

Leia pediu à criatura que carregava o frasco para se afastar e levar consigo os seus companheiros. Uma frase curta e brusca. Percebeu que sobressaltou o pequeno grupo, incluindo o seu chefe que a olhou estarrecido. Acrescentou, amena, que guardasse o antídoto o melhor que pudesse até que fosse possível dá-lo ao mestre Jedi.

Depois, quando encarou Luke, já este avançava com o sabre de luz a descrever uma curva.

Ataque clássico e Leia defendeu-se com facilidade, num movimento simples que cortou o movimento descendente da lâmina oposta. Teve a tentação de ser ousada, mas refreou o seu instinto de sobrevivência que lhe gritava que avançasse para se colocar em vantagem. Não. Esperou. Luke fez segunda investida. Outra defesa. Os sabres entrechocaram-se em lances elegantes, pesados e amplos, como num dia normal de treino,

Ele estava a experimentá-la... A brincar com ela para lhe inspirar confiança, para que ela amolecesse vítima do seu orgulho. Compreendeu o truque. Não iria deixar-se corromper por uma tentativa tão desleixada. E continuou sem atacar. Fixava-o com os olhos, munia-se da Força, acalmava-se, deixava-se envolver pelo desafio.

Ele riu-se. Rodeou-a lentamente, a ponta do sabre voltava-se para baixo e chamuscava a erva rasteira que crescia junto ao abrigo. Olhava-a tão fixamente que ela se sentiu perfurada e dissecada. Humedeceu os lábios. Verificou que as criaturas estavam a salvo, suficientemente afastadas para não serem incomodadas com a segunda ronda do combate. Entretanto, Threepio e Artoo tinham surgido na porta do abrigo.

Veio o assalto – enérgico e avassalador.

Leia dobrou-se para suster o ímpeto violento de Luke. A brincadeira e a experimentação tinham terminado, o mestre Jedi não quis prosseguir na dissimulação e atacou com todo o seu poder. Desejava, e era um desejo puro e límpido como o Mal que lhe corria nas veias, vencer.

Os sabres agora eram brandidos com rapidez. Os golpes trocados eram intensos e fortes, sem contemplações, concessões ou outro indício de piedade. Leia gritou quando aparou o sabre de luz do oponente. Desequilibrou-se e rebolou pelo chão. Sentiu o calor mortal raspar-lhe o braço. Num pulo colocou-se de pé e gritou-lhe:

- Luke, para! Sou eu!

O sorriso dele era maligno e incerto. Ela notou que ele tremia com o esforço, com aquela maldade que o transtornava, o ódio líquido que o preenchia. O verdadeiro Luke estaria a lutar, naquele espírito, para se sobrepor àquela figura das trevas que ameaçava sepultá-lo mediante atos indignos.

- Luke, por favor... Estás doente. Precisas de te curar. Eu posso curar-te. Aceita a minha ajuda.

Estendeu um braço, abriu a mão – uma barreira frágil e muito humana para detê-lo. Porém ele não queria ser detido. Ele queria concluir a luta. Ele ambicionava a vitória.

Luke levantou o sabre de luz sobre a cabeça, punho envolvido pelas duas mãos. Rangeu os dentes numa máscara contorcida de raiva. Leia quebrou a sua própria promessa e atacou. Fê-lo desesperada, consciente do risco que assumia ao expor-se tanto, mas não podia prolongar o combate. Estava cansada, magoada, iria perder se continuasse a afinar pelo jogo dele. Iria perder e, se ela perdesse, Luke cairia com ela.

Com alguns movimentos insistentes foi capaz de o surpreender. O seu sabre desenhou uma curva e atingiu-o de raspão. Ele teve de saltar para fugir do alcance da lâmina e Leia aproveitou-se da defesa incompleta. Cortou o ar com o sabre numa posição horizontal. Luke tornou a saltar. Dois lances, duas defesas. Leia viu a abertura na posição. Uma falha. Pontapeou-o e ele caiu de costas.

Saltou, o sabre dele defendeu-se do golpe. As botas dela resvalaram.

Levantou o queixo e viu a criatura que segurava o frasco recuar um passo, as outras criaturas estavam mudas, transidas de pavor. Não ousavam sair dali, todavia, sem a ordem do chefe.

Os olhos amarelos de Luke embaciaram-se. Ele urrou e largou o punho do sabre que se desligou. Agarrou-se ao peito, espumava da boca e tentava falar, reagir, regressar ao combate. Esperneava e debatia-se como se lutasse consigo próprio. Leia arrepiou-se. Devia estar mesmo a lutar consigo próprio. Threepio ordenou a Artoo que fosse recolher a arma do Jedi com um berro esganiçado.

Leia também desligou o seu sabre. Arrancou o frasco das mãos da criatura que recuou outro passo. Puxou pelo trapo, abriu-o. No interior do vidro fosco havia um gel azulado que não tinha qualquer odor. Enfiou os dedos na substância e ajoelhou-se junto a Luke. Passou os dedos pelos lábios do irmão, sujando-lhe o queixo e o nariz. Repetiu o gesto, retirando mais gel do frasco, e perante a reação de perplexidade dele que o fez abrir a boca, enfiou-lhe os dedos por esta. Recebeu uma dentada, gritou com a dor.

A neblina escura que envolvia a floresta dissipou-se.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now