X - Livre do pesadelo

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A única coisa que o ligava à realidade era o anel dourado com o selo de Bekbaal que ele mantinha no interior da sua mão direita enluvada. Sentia-lhe o volume e imaginava-lhe a textura. O objeto era a âncora onde o seu espírito estava preso, no limbo do pesadelo abafado que continuava a devorar a sua mente, arrancando pedaços minúsculos implacavelmente. Ele já tinha desistido de lutar. Apenas observava, apático, o que lhe estava a acontecer. As células sãs murchavam e feneciam, apagando-se uma por uma num imenso manto que o cobria que antes era ofuscante e que se convertia, aos poucos, numa abóbada escura que ameaçava esmagá-lo sem piedade.

Na sua visão do que ia acontecendo, no seu interior rendido ao soro venenoso, ele era um vulto exangue, privado de energia e, portanto, inerte, que oscilava no centro do vácuo envolvido pela película luminosa que ia escurecendo. As manchas surgiam e aumentavam, à medida que o tempo passava e o seu organismo se contaminava mais e mais. Só não voava aos trambolhões dentro dessa bolha porque o anel fixava-o nesse ponto imaginário.

Na verdade, era tudo imaginação. Mas era uma referência. Ele tentava agarrar-se a qualquer coisa sólida e explicável. O anel. A luz a ser tragada pela escuridão. Ele estava a ser vencido. Ele não aguentava mais.

Quando o processo terminasse, viriam buscá-lo. Ele não conseguiria manter a sua postura, a sua ameaça, a sua reputação. Um Jedi vergado, um Jedi alvo de chacota e de insultos, um Jedi em julgamento derrotado por ser demasiado humano.

Apertou o anel. Bekbaal. Lembrava-se do nome e iria invocá-lo. Clamar por ele como num desvario, como se ele próprio fosse desvairado.

Quem seria esse Bekbaal, não importava. Era a sua única possibilidade de recuperar a sua dignidade. Queria fugir daquela cela, queria ver o céu do planeta, queria respirar o ar da rua. Queria voltar a ser quem era, com muita luz a rodeá-lo. Vivo, pulsante, forte. A Força... A Força não estava ali e ele estava votado ao abandono.

Houve um tumulto.

Ele mexeu a cabeça fazendo um grande esforço. As costas curvavam-se, enrolado na sua capa castanha, sentado no chão sujo, fechado na cela que o comprimia com o seu ar inquinado. O corpo tremia.

Uma faixa de luminosidade penetrou no lugar e incendiou todos os contornos que se tornaram mais nítidos, mais concretos, a definição aumentada. Ele continuou imóvel, com o anel cerrado na mão. À espera. Sem reação. Simplesmente porque não conseguia reagir.

Sentiu uma mão no ombro. Vinham buscá-lo. Chegava a hora.

Os olhos focaram-se na pessoa que estava ali. Havia muitos brilhos, uma barra luminosa verde que zumbia na atmosfera nublada. Um sabre de luz. O calor da sua lâmina começou a reacendê-lo, as suas células reagiram e ele experimentou uma palpitação que o deixou menos apático. Reconheceu-a. Mas foi ela que falou primeiro.

- Luke!

- Leia...

- Consegues levantar-te?

O torpor era esmagador, cravava-o àquele soalho onde ele tinha passado o que supunha terem sido horas, um tempo infindo de tortura e de doença imposta. Talvez mais de um dia, uma noite inteira de solidão e de luta contra um inimigo invisível e traiçoeiro. Ele gaguejou:

- Sim... S-sim, eu consigo...

Ela abraçou-lhe as costas, ajudou-o a que se pusesse de pé. Ele não aguentou o seu próprio peso, a fraqueza. Encostou-se a uma parede, suspirando longamente. Estava com frio e enrolou-se na capa, gemebundo e arrepiado.

- Matei os lagartos. A Força já não está anulada, Luke – explicou ela com pressa. As palavras dela atropelavam-se, ele fazia um esforço para entender o que ela lhe dizia. – Tens de te sentir melhor. Os Ysalamiri desapareceram.

- O soro... Fui drogado... Não sentes?

- Aqui dentro existe um cheiro esquisito, é verdade. Então, não nos podemos demorar. Anda, irmão.

- Trouxeste o teu sabre de luz – observou com a voz entrecortada, orgulhoso e feliz porque ela se decidira a usá-lo. Encontrara uma ocasião para o fazer, pensou amargurado, pois fora ele que proporcionara o momento. O perigo. Não existia melhor altura para usar um sabre de luz, todavia. Apenas quando existia perigo, apenas quando era necessária uma imposição.

- E também tenho o teu.

- Onde... onde está?

- Comigo. Não to vou dar. Não estás em condições para lutar.

- Eu consigo...

- Anda, não nos podemos demorar. Estou com Threepio e com Artoo.

- E o Han?

- Não faço a mínima ideia onde anda o Han – respondeu ela contrariada.

Puxou-o pela capa, atravessaram a porta da cela.

Foram para o jardim que ele tinha percorrido em sonhos. Ia aos tropeções, a fazer um esforço para andar e para não cair. Estava muito zonzo e enjoado. O ar do exterior começou a limpar-lhe os pulmões e se no início respirava superficialmente, porque lhe doía, depois começou a fazer inspirações mais profundas, soltando queixumes roucos porque continuava a doer-lhe demasiado. Leia espreitava-o para verificar se ele não colapsava e ficava para trás. À frente dela ia a luz da arma dos cavaleiros Jedi e era o farol que o orientava.

- Onde estão eles? – perguntou Luke.

- Os teus captores? Matei alguns guardas nos portões do complexo prisional, depois não vi mais nenhuns. Encontrei-te porque consultei os registos e és o único prisioneiro aqui. Coisa estranha, eu sei... Existem mais celas, se essa é a tua próxima pergunta. Por isso, continua a ser estranho que não existam outros presos.

- Como vamos sair daqui?

- Roubei um speeder no deserto, onde aterrei a minha nave. Sugestão do Artoo.

- Aquele androide... está cada vez mais atrevido.

Ela desligou o sabre. Olhou-o preocupada. Tinham parado. Ele sorvia o ar em golfadas e não coordenava muito bem a inspiração e a expiração. Era como se estivesse a aprender novamente a respirar após uma apneia prolongada.

- Estás a suar. Estás cansado. Estás abatido. Mas vamos ter de prosseguir, Luke.

- Estou melhor... Estou apenas tonto. Os efeitos do soro estão a passar e começo a recuperar a ligação com a Força. O seu poder. O seu calor.

- Não vamos para o deserto, por enquanto. Vamos esconder-nos na floresta.

- Que floresta?

- Confia em mim.

Estendeu-lhe o punho do sabre de luz. Luke emocionou-se ao vê-lo. Estava sensível e transtornado, quase que desatou a chorar. Arquejou com o turbilhão de emoções que lhe soterrava o espírito. Ao fechar os olhos por um segundo vislumbrou as suas células a recuperar, a luz a empurrar as trevas. Ele estava novamente sob a proteção da luz, envolvido na luz, dentro da luz. Não pegou logo no punho do sabre e Leia reparou na sua mão fechada.

- O que tens aí?

- Uma garantia. Bekbaal.

- Bekbaal? O que é isso?

Olharam os dois para o anel de ouro que estava na palma da luva negra que ele calçava. Ele recebeu o punho do sabre com a mão esquerda e prendeu-o no cinto.

- Vamos descobrir. Acho que nos vai ajudar a sair de Hkion.

- E vai ajudar-nos a descobrir o que se está a passar aqui.

- Pensava que me vinhas salvar e que depois...

- A missão não foi concluída, Luke Skywalker.

- Era o que eu temia.

- Não nos vamos deixar capturar. Agora sabemos com o que lidamos.

- Sabemos?

Leia não respondeu. Resoluta, seguiu para o exterior do complexo prisional. Não foram interrompidos por ninguém. Estavam a deixá-los sair, com receio da imponência demonstrada pelos Jedi ou fora por pura incúria, arrogância por julgarem aquele sítio inviolável. Luke olhou para trás e não gostou do que pressentiu. Havia uma presença majestosa naquele silêncio.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now