XX - A verdade e a mentira

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Bekbaal sentava-se de costas direitas, rosto austero, as mãos postas sobre as pernas, como se sentado num trono ou numa audiência de tribunal onde seria julgado pelo crime mais hediondo quando era inocente. Havia uma certa expressão de desafio e de cansaço naquela pose, talvez mesmo enfado por ter de partilhar o espaço com quem não merecia a sua presença.

Luke procurou ignorar aquele pedantismo exagerado, mas já estava à espera de uma reação mais extrema por parte do velho ao ver-se na companhia dos outros. Olhava Han e Lando com evidente desprezo, nem se dignara a considerar os androides e o wookie, via em Leia um mal necessário, incluída na reunião porque primeiro era um dos amigos do Jedi, segundo porque era uma senadora e terceiro porque conhecia a Força.

Habituados a toda a sorte de reuniões, devido à sua larga experiência do passado, os outros, especialmente Han e Lando, não se deixaram afetar. Também já tinham estado com o velho e como claramente esse encontro não correra de forma simpática, também não tinham grandes expetativas de que a simpatia melhorasse naquela ocasião. Por isso pagavam o desdém do velho com um ar profundamente aborrecido.

Leia mostrava-se mais cordial, embora a sua atitude corporal demonstrasse uma educação polida e forçada, uma obrigação que ela suportaria da maneira mais airosa possível, pois era uma senadora e uma princesa. A Força lançara um alerta que ela captara e quando Luke entrara com o velho, trocaram um olhar significativo. Ela quisera dizer-lhe que sentira uma perturbação, ele pedira-lhe que confiasse.

A cabeça do Jedi mexeu-se subtilmente e o velho compreendeu que devia começar. O silêncio tornava-se pesado e morno, mais um pouco e seria incomodativo.

- A Força é poderosa em Hkion.

A frase ficou a pairar entre eles, como se se pudesse converter num objeto que, uma vez sendo físico, transmitisse, por fim, a plenitude do conceito através dos sentidos – do toque, do cheiro, da visão. O velho empertigou-se.

- Nem todos compreenderam o poder da energia cósmica e por isso, há muito tempo, aqui mesmo em Hkion, nos confins da galáxia, quem não sabia usar-se dela, tentou dominá-la e fazer da Força um instrumento ao serviço de interesses egoístas. Houve um rei, um antigo rei, que começou a fazer criação dos lagartos Ysalamiri para deter os efeitos da Força e assim ter a certeza de que não seria atingido por quem a sabia manejar melhor do que ele. Plantaram-se árvores Olbio que foram transplantadas das densas florestas de Myrkr. Houve quem vaticinasse o falhanço dessa empresa, pois as árvores não se davam bem fora das condições naturais providenciadas por esse planeta, mas aconteceu que as árvores vingaram. Nem todas, muitas definharam e morreram, mas as que sobreviveram fincaram as raízes na terra e floresceram, viçosas, dentro dos muros do palácio. Então, o rei conseguiu fazer a criação dos Ysalamiri e aí têm estado como garantia da inviolabilidade do trono em relação à Força.

Olhou para Luke de forma penetrante, ele não se manifestou e o velho prosseguiu:

- A Velha República esteve por diversas vezes em Hkion, para intermediar as habituais querelas relacionadas com o poder. Cavaleiros Jedi. Os reis estiveram sempre protegidos pelos Ysalamiri e sentiam-se à vontade quando os Jedi advogavam os seus conflitos. A Força nunca seria invocada para impor uma decisão, uma vontade, um caminho. Os reis de Hkion eram independentes e assim, ao longo das eras, mantiveram-se longe da esfera de influência do Senado Galáctico. Porém, a Força não se contém, nem pode ser manipulada em proveito deste ou daquele desígnio. Um Ysalamir cria uma bolha que repele a Força. Não exerce nenhum tipo de pressão, nem de desintegração. É uma proteção artificial, falha, efémera. Depende do sangue do animal, é perecível e anulável. É um tesouro mantido num reduto pequeno dos imensos territórios do planeta.

O velho encheu os pulmões e engrossou a voz.

- A Força continuou a existir em Hkion... Aqui, nas luas, até dentro das minas exploradas de uma forma abjeta pelos nobres que prestavam vassalagem ao rei. A Força continuou poderosa, extraordinária, pujante. Pouco tempo depois da criação do Império Galáctico, após o cumprimento da purga devastadora e inicial que dizimou a esmagadora maioria dos cavaleiros Jedi, em obediência à tristemente célebre "Ordem 66", um dos últimos guardiões da paz e da justiça veio refugiar-se em Hkion. Era um lugar suficientemente remoto para escapar da perseguição implacável que Vader movia aos Jedi sobreviventes e era um lugar referido como um santuário da Força. Foi, sem qualquer dúvida, um lugar perfeito para esse venerando Jedi...

E se o discurso começara por ser veemente, nestas últimas frases tornara-se frágil como um farrapo. O velho murchou e havia dor naquilo que ele dizia, no que ele mostrava. A sua imponência inicial esvaía-se como tinta lavada por uma torrente de água.

- Esse velho Jedi és tu, Bekbaal – revelou Luke.

Leia cruzou os braços, cruzou as pernas. Estava incomodada. As sensações que a assaltavam eram grandes demais para ela conseguir gerir o que lhe tangia no espírito. Sendo pouco treinada, era impulsiva por natureza, pragmática, apaixonada. Han e Lando, por seu lado, estavam bastante mais calmos, absorviam todas as informações e iam colecionando os dados que iriam usar mais tarde em seu benefício, que iria também beneficiar o grupo, em última análise. Eram ambos jogadores, habituados a vencer.

Perante o silêncio obstinado do velho, Luke pediu-lhe que continuasse, perguntando:

- Então o que fizeste, Bekbaal?

- Criei um exército...

- Os fantasmas da névoa – completou Luke. – Depois perdeste o controlo. Exigiste demasiado, o lado sombrio venceu o lado luminoso quando deixaste de acreditar. O que te aconteceu para teres, por fim, renegado a tua essência?

- Nunca a reneguei – defendeu-se o velho, as palavras embargadas, embrulhadas em tristeza por não ter sido forte o suficiente para prosseguir com a imensa tarefa que lhe coubera em mão, a que se autoimpusera. – Os fantasmas vieram até mim quando estavam perdidos. Eram fantasmas da Força, mestres Jedi assassinados, seres celestes que precisavam de uma orientação. Eram amigos, professores, padawans. Eram inocentes, as vidas ceifadas por causa da ambição e da raiva, do ódio que se alargava pela galáxia como uma doença virulenta sem possibilidade de cura. O Império e Palpatine, a mão de Vader, era uma sombra ruim e aqui estávamos todos abrigados. Eu, com a minha solidão. Os fantasmas da Força, com as suas desilusões. Apesar de todos os meus esforços, o lado negro chegou até Hkion. Não, não foi Vader, nem nenhum dos seus soldadinhos infames que cumpriam as ordens de devastação. Foi o lado negro que se imiscuiu no meu exército. Houve medo e depois houve raiva. A raiva deu lugar ao ódio e por fim chegou o sofrimento.

- Os fantasmas da Força converteram-se nos fantasmas da névoa.

- Eles reclamam almas, são vorazes. Insatisfeitos. Querem sempre mais – concordou Bekbaal assustadiço. – Não os consigo controlar, há muito tempo que perdi a posição de me considerar o seu mentor, o seu líder.

- Mas alguém os lidera.

Os olhos do velho arregalaram-se.

- Sim! Um dos príncipes!

Leia interrompeu:

- Qual deles? Kar'kion ou Gil'kion?

- Não sei. – O velho recuperou a sua anterior frieza, a comissura dos lábios torceu-se num esgar. – Um deles.

- O veneno que deram ao meu irmão... Ao nobre Jedi Luke Skywalker – emendou Leia. Mostrava-se régia, exigente, o velho não se deixava intimidar. – Quem o sintetizou?

- Não sei, senadora. Mas a tua intuição serve-te bem. O soro deriva de experimentações conduzidas por quem tem acesso ao lado negro, por quem conhece os segredos dos fantasmas da névoa. Alguém que está a usar-se da Força para ganhar o poder supremo. Quando somos dominados pelo lado negro, transformamo-nos num fantasma da névoa.

- Morte?

- Pior do que a morte. Uma não-vida.

Luke disse:

- Mentiras e verdades. Ainda não contaste tudo, Bekbaal.

- Não, nobre Jedi. Depois dos fantasmas da névoa, seguem-se os clones. E esses são os dois grandes mistérios de Hkion.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now