XIV - A luta constante com as trevas

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Chegaram ao abrigo no início da tarde. O calor dissipava-se nas ramagens altaneiras e não penetrava na floresta que era mais escura naquele ponto. O sol parecia brilhar distante, incapaz de vencer a intrincada tapeçaria feita pelos ramos entrelaçados do arvoredo. Era o que o mapa do speeder indicava. Estavam no local correto, onde se erguiam os abrigos temporários dos trabalhadores que extraíam as fibras dos troncos de certas árvores que eram depois utilizadas como matéria-prima com várias utilizações práticas. Aquele veículo devia ter pertencido a um desses trabalhadores, antes de ter sido roubado pelos salteadores do deserto que negociavam as pedras de grafite.

Luke apeou-se no amparo de Leia, que o sustinha, braço a passar pelos ombros dela. Encostados, anca com anca, ela segurava-o pela cintura, porque o Jedi mal conseguia andar. A cabeça pendia no pescoço dobrado. Delirava e entre as frases desconexas fartava-se de chamar pelo nome da irmã.

Threepio abriu a porta do abrigo maior com a ajuda de Artoo que se ligou ao sistema computorizado para registar os códigos antigos e definir novos, que lhe dariam acesso restrito ao perímetro.

As casas, semelhantes a armazéns, eram construções frágeis de chapa metálica colorida muito corroída pela ferrugem, pelo que não se distinguiam as cores originais. Um único compartimento servia todas as funções. As camas eram sobrepostas, quatro camas por abrigo, duas por cima das duas inferiores, embutidas na parede. Havia um balcão para preparar refeições e uma sala com bancos compridos forrados e mesas equipadas com cadeiras, por debaixo de painéis com monitores e encaixes pejados de botões que se ligavam aos computadores do complexo, permitindo comunicações com o exterior e outras averiguações eletrónicas. O compartimento era gelado no interior por não ser habitado havia muito tempo. Não se via uma possibilidade de melhorar as condições através de climatização do ar, mas por ora constituía o melhor dos esconderijos e Leia não comentou as condições precárias. Nas camas existiam mantas quentes e teriam de se valer destas para se manterem quentes.

No caso de Luke ela não sabia muito bem o que lhe fazer. Ele estava frio e também demasiado sensível ao calor. Teria de experimentar tapá-lo, mas já tinha percebido que a capa que ele usava tanto o protegia, como o sobreaquecia, piorando o seu estado febril. No caso dela, queria ficar mais confortável, embora a preocupação a deixasse frenética e incapaz de sentir o que quer que fosse.

Ela franqueou a entrada a arrastar Luke. Deitou-o numa das camas inferiores. Pediu a Threepio que verificasse se existiam mantimentos no abrigo, que procurasse barras energéticas, rações de combate, o que quer que houvesse para comer, principalmente que ele descobrisse o que se podia beber pois Luke tinha-lhe esgotado a água do cantil.

Luke agarrou-lhe o pulso e ela preparou-se para outro ataque.

Na floresta não existiam Ysalamiri e ela sentia a Força rodeá-la, tocá-la, acariciá-la. Sabia usar-se da Força, era uma boa lutadora com o sabre de luz, mas era demasiado fraca para enfrentar-se a Luke Skywalker, um cavaleiro Jedi dotado e extraordinário, e havia ainda o impedimento moral que a proibia de se enfrentar ao próprio irmão, quando tinha plena consciência de que as investidas eram motivadas pela doença.

Daquela vez, Luke fez-lhe apenas uma pergunta sussurrada:

- Onde está o anel?

Estava pálido e os olhos mortiços mostravam-se azuis. Não era um ataque e Leia sossegou os batimentos do coração. Soltou o punho do sabre de luz que tinha agarrado, como reflexo. Não lutaria com o irmão, mas defender-se-ia. Respondeu:

- Tenho-o comigo.

- Vai encontrar-te com eles.

Artoo apitou porque Threepio tinha encontrado comida num armário. Havia também um depósito cheio de água, ao qual se acedia através de duas torneiras situadas no balcão. Tinha apenas de ligar o depurador e esperar que atuasse. No máximo dentro de uma hora teriam água adequada ao consumo.

Leia estranhou a declaração de Luke.

- Quem são eles?

- Bekbaal.

- Bekbaal está... com eles?

- Eles saberão.

Um desânimo muito grande fê-la ajoelhar-se no chão empoeirado do abrigo. Passou uma mão pelos cabelos de Luke. Este suspirou, o peito afundou-se e parecia que todo ele minguava dentro da roupa que vestia. Contrita, cheia de piedade, Leia colou a sua testa à do irmão.

- São as trevas... – explicou ele. – Estão a devorar-me. No início, quando saí da prisão, consegui arredá-las de mim. A luz venceu a escuridão, recuperei o manto de luz. Mas voltaram... E estou demasiado fraco. Os fantasmas exigem a minha alma. A névoa envolve-me e é demasiado tentadora. Deve ser como eles, como os fantasmas da névoa.

- Vou ajudar-te. Luke, não cedas... Irei à procura deles.

- Não precisas. Eles estão aqui.

A princesa levantou-se inundada pela sensação de alarme.

- Como nos descobriram?

- A Força guiou-os... Sou eu que os estou a chamar.

- As trevas.

- Principalmente... Os fantasmas também.

Leia pediu a Artoo que vigiasse Luke e que não o deixasse levantar-se, muito menos se ele estivesse agressivo. Que o atordoasse com outra descarga elétrica. O astromec apitou a indicar que iria cumprir essa ordem. O Jedi riu-se com gosto, como se aquilo tivesse sido uma piada. Leia pediu a Threepio que arranjasse o abrigo para que passassem ali a noite. Devia assegurar-se das refeições, da água, dos agasalhos. Que revistasse todos os armários, todos os cantos. Devia ainda ligar o sistema de comunicações e perceber que ligações podiam ser feitas, se o local era efetivamente seguro.

A seguir abriu a porta que deslizou para a esquerda e saiu para a floresta.

Estacou com a surpresa.

Sacou o sabre de luz e empunhou-o, segurando-o com ambas as mãos. A perna esquerda arrastou-se pelo chão, firmando-se ligeiramente afastada da direita. Adotou uma posição de combate, sem, contudo, ligar a lâmina.

O grupo de criaturas veladas, ela contou cerca de vinte indivíduos, estava junto ao speeder e formava uma meia lua de capas que moldavam corpos baixos e redondos. À frente estava uma criatura idêntica às demais que envergava uma capa de um tom mais escuro.

- Quem são vocês? O que querem de nós? Foram enviados pelo governo de Hkion? São aliados dos príncipes?

As criaturas não falaram. Aquela que estava mais adiantada deu um passo em frente esticando os braços magros. Leia ligou o sabre.

- Não avances mais! – ameaçou elevando a voz. Tinha o coração a bater contra as costelas, sentia-se acossada por tudo o que se passava em seu redor.

Olhou assustada para o abrigo. A Força tremeu e foi como se se tivesse aberto um poço de vácuo dentro da casa. Luke estava novamente possuído pelo lado negro. Escutou-se um barulho ensurdecedor de metal a chocar contra metal. Artoo acabava de ser afastado com um empurrão poderoso de energia e batia na parede. Threepio gritou por ela.

A criatura deu outro passo.

- O veneno vai matar o nobre Jedi. Aqui está o antídoto.

A vintena de criaturas foi com um joelho ao chão numa reverência anormal.

Leia saltou quando sentiu a presença de Luke nas suas costas. O negrume era tão denso que quase jurava que o sentia como coisa palpável, uma mancha tridimensional que esticava os seus tentáculos na sua direção. Ele estava na porta escancarada do abrigo, pernas abertas, punhos cerrados, olhar insistente. Um olhar amarelo e raivoso. No cinto tinha o seu sabre de luz.

Nas mãos pequenas da criatura estava um pequeno boião rudimentar, enrolado num trapo. O antídoto. Ela acenou com a cabeça, a indicar que iria receber a oferta. Mirou de relance o meio círculo de criaturas ajoelhadas que não se mexiam.

Mas antes tinha de conseguir chegar a Luke.

Antes tinha de passar por cima daquele monstro negro que substituíra o seu irmão. 

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now