IV - Uma proposta e um aliado

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Estava imerso num pesadelo abafado que lhe embotava as reações. Não saberia ripostar a um ataque se fosse atacado. Ele valia-se de toda a sua energia para se manter alerta, o que lhe tornava o corpo mole e indefeso. Se conversassem com ele, responderia com acerto e assertividade, sem qualquer vacilo na voz. Mas se houvesse um confronto físico veriam como o soro lhe afetava os movimentos e mesmo a coordenação.

Era fundamental preservar a aparência de que conservava todas as suas capacidades. A reputação de um Jedi era a de ser primeiro um diplomata, um guardião da paz e da justiça, só depois usaria a força para impor a sua posição de justeza e de imparcialidade. Se ele mantivesse a voz bem colocada, se vincasse bem as palavras e dispensasse um discurso ameaçador, manteria as distâncias em relação aos seus captores que o continuariam a respeitar e a temer. Podia suceder o caso de acharem que o soro não estava a fazer efeito nele, que era mais resistente do que um humano normal, devido aos seus poderes místicos. Podia suceder que o achassem digno do seu temor devido às suas habilidades incomuns.

O pesadelo estava a consumi-lo. Ele vagueava num limbo sombrio, ele sentia-se enfermo e fatigado. Esticava os braços para poder tatear os objetos sólidos que lhe fugiam do alcance. Era um sonho acordado, um sonho que ele mal conseguia dominar. A sua mente oscilava entre a loucura e a queda. Ele sabia que continuava enrolado na sua capa, sentado no chão peganhento da cela, mas a sua mente imaginava que flutuava dentro de nuvens ácidas, que se encontrava perdido em desertos imensos ou que tentava respirar em amplas salas vazias de ar rarefeito. Tudo provinha do efeito do veneno que respirava e ele combatia-o com tenacidade, embora tivesse a tentação de sucumbir ao mal-estar que se entranhava nos seus sistemas vitais através da pele.

A espera dentro do pesadelo revelava-se uma difícil prova a superar. Ele tinha sentimentos contraditórios em relação àquele lugar. Por um lado, queria sair da prisão e recuperar a sua liberdade, injustamente perdida pois nada fizera que fosse considerado uma ofensa grave que sancionasse o seu aprisionamento. Por outro lado, queria ficar ali trancado pois não tinha energias suficientes para se apresentar num julgamento, para se defender, para lutar.

Tentou não respirar fundo, mesmo sentindo os pulmões esmagados com as respirações controladas e superficiais que tinha estado a realizar. Quanto menos ar viciado metesse para dentro do seu organismo, melhor para si, não ficaria tão afetado.

A sua mente queria fugir-lhe do controlo, ele agarrava-a com determinação.

O pesadelo não o iria vencer. Precisava de se manter em contacto com o mundo real. Fazia curtos exercícios com os dedos, dobrando-os, abrindo-os, fletindo-os, esticando-os, para que conseguisse sentir o tecido da sua capa que ele apanhava e que fechava sobre o seu corpo trémulo.

Por entre as pestanas que lhe protegiam os olhos embaciados percebeu uma fresta de luz a penetrar na cela. Foi um momento muito rápido que quase lhe passava despercebido.

Esforçou-se por endireitar as costas, o corpo não lhe correspondia ao que ele desejava fazer. Tinha mesmo de se impor pelo seu tom de voz, porque a sua aparência era deplorável. Num vislumbre de lucidez viu-se curvado, enrolado na capa amarrotada, a cabeça enterrada nos ombros, um rosto macilento que espreitava por entre as sombras do capuz, gestos incertos e uma inquietação que o transformava num ser digno de pena.

Alguém estava ali com ele. Acabava de entrar na cela e aproximava-se a rastejar, amedrontado por ter penetrado naquele lugar que estava vedado antes do julgamento. Teve a tentação de gritar por causa do arrepio de medo que lhe paralisou os músculos, mas reuniu a pouca dignidade que lhe restava e não demonstrou as suas emoções. O pesadelo consumia-o, troçava dele, enganava-o. Ele era mais forte do que aquela ilusão. Ele combatia o pesadelo sem descanso. Focou os olhos turvos no vulto que se acocorou à sua frente.

- Jedi...

Fechou os olhos, engoliu em seco. Os seus lábios estavam secos e gretados. Mas gostou quando se ouviu porque as suas palavras não mostravam a sua fraqueza e o seu colapso.

- Quem és tu?

O outro respondeu num murmúrio:

- Um amigo.

- Não tenho amigos aqui.

- Verdade. Mas eu sou teu amigo. O príncipe Kar'kion é teu aliado.

Ele teve de se esforçar para compreender na totalidade as frases proferidas por aquela criatura humanoide que insistia em falar por sussurros.

- Devo, então, deduzir que foi o príncipe Gil'kion que ordenou a minha prisão?

- Não, Jedi. Os príncipes estão inocentes.

Ele mantinha os olhos fechados, ajudava-o a concentrar-se melhor naquela estranha conversa. Sabia que não era um dos seus delírios. Estava privado da Força, mas foi capaz de extrair de si as impressões do pesadelo e de se reposicionar no plano físico, ao ponto de identificar a presença do outro pelo simples volume que ocupava, pelo odor que exalava, pela assinatura térmica, pelo som que produzia, levíssimo, quando falava, quando respirava.

- Exijo saber de que me acusam.

- Saberás durante o julgamento.

Ele esboçou um sorriso.

- Antes de ser executado? Seria conveniente...

- Seguramente antes da execução.

- Percebo... Um dos príncipes será implicado, mesmo inocente. Provavelmente o teu amo, o príncipe Kar'kion.

- Por isso estou aqui. Não devem existir dúvidas. Posso ajudar-te.

- Como?

Soara ansioso, mas não soara desesperado. O seu tom continuava a possuir uma certa imponência pois o outro mantinha a sua posição submissa, com um indício de vulnerabilidade. Este desviou ligeiramente o assunto, para referir uma constatação.

- És poderoso, Jedi. Continuas desperto.

- E serei capaz de te surpreender – referiu Luke com alguma prosápia, mascarando ainda mais a sua doença. – Por isso, cuidado com o que me vais propor. Já esperei demasiado nestas condições degradantes. Sou um representante do Senado Galáctico em missão oficial. Sou um cavaleiro Jedi.

- Um condenado não tem direito a privilégios.

- Ainda não aconteceu o julgamento. Como posso ter sido condenado se desconheço a acusação? Como posso ter sido condenado sem ter a oportunidade de me defender?

- Compreendo que consideres os nossos costumes bárbaros, mas para nós a ingerência do Senado no nosso mundo e a tua presença aqui é um insulto muito mais bárbaro do que esta cela.

- Tudo isto se reveste de uma injustiça lamentável. Se forem demasiado longe, estão a declarar guerra à Nova República.

A criatura deteve-se por um instante.

Ele cortou o que quer fosse que esta quisesse replicar.

- O que tem o príncipe Kar'kion a oferecer?

A criatura deixou um objeto no soalho. Fez uma vénia desajeitada.

- Usa-o durante o julgamento. Invoca o nome de Bekbaal.

- E o nome do príncipe?

- Não está no acordo.

- Isto... é um acordo?

- Se mencionares o príncipe, o teu fim será violento. Serás convertido ao exército e desaparecerás...

- Que exército?

- Serás um dos fantasmas da névoa. Tu és um Jedi. Não te podes converter num dos fantasmas da névoa. Diz-me que compreendeste. É fundamental para receberes a oferta.

- Compreendo.

Ele tentou ver o que era o objeto, mas os seus olhos não lhe obedeciam. Não era capaz, pura e simplesmente, de abrir as pálpebras. Estendeu a mão, tateou e agarrou-o. Sentiu-lhe a textura, era feito de ouro. Um anel com um sinete. Teria a insígnia desse tal de Bekbaal, quem este pudesse ser.

Quando procurou pela criatura, estava novamente sozinho na cela. 

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