XXXVI - Uma visita

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Anoiteceu.

Leia estava a escutar novamente a gravação que Artoo, providencialmente, fizera das duas entrevistas que tinham acontecido, poucas horas-padrão antes, com os dois príncipes, Kar'kion e Gil'kion. Usava auscultadores que lhe cobriam totalmente as orelhas formando duas conchas negras de cada lado da cabeça, que ela desencantara num armário da saleta de comunicações.

Luke apareceu na porta, o androide silvou. Leia apercebeu-se da presença do irmão e retirou os auscultadores, que se uniam por uma bandolete flexível que se dobrou quando ela os pousou no regaço. Passou uma mão pela testa e suspirou.

- Não encontraste nada de promissor...

- Não, Luke – admitiu ela, fatigada e desiludida. – Queria perceber o que se passou nesta sala, mas quanto mais oiço, menos entendo e menos certezas tenho. O áudio da gravação... é estranhamento simétrico!

- Como se fossem a mesma pessoa.

- O Artoo isolou a pista onde temos a voz dos dois príncipes e fez uma sobreposição do som. Idênticos! Todas as frequências são basicamente iguais. As ondas sonoras coincidem em cem porcento. A conclusão da análise é de que se trata da mesma voz, da mesma pessoa.

Luke engoliu a saliva, assentiu com a cabeça. Perguntou:

- Acreditas que são... clones?

Leia arregalou os olhos.

- Clones... de quem?

- Do anterior rei. Criados com o propósito de fomentar uma guerra civil para que alguém fique a dominar Hkion, que tem estado até aqui na sombra, a aguardar pelo momento certo de conquistar o sistema, de se apoderar do ouro, de conseguir retribuição por alguma ofensa grave do passado.

- Não me parece... Bekbaal contou-nos que os clones que estão a ser produzidos nas luas destinam-se às minas e servem para substituir os Otrok. Tu viste-os! – exclamou Leia, nervosa. – Os seguidores de Bekbaal são criaturas sencientes com uma anatomia diferente da humanoide.

- Não estou a afirmar – corrigiu Luke, conciliador – que os clones das minas sejam humanoides e semelhantes aos príncipes. Estou a dizer que a mesma tecnologia tenha sido utilizada para clonar os príncipes.

As sobrancelhas de Leia uniram-se, criando uma ruga de preocupação na sua testa.

- Temos dois possíveis suspeitos. Tir'etakion... e Bekbaal.

Luke tornou a concordar.

- Os dois príncipes poderão ser a mesma pessoa? – disse, formulando outra hipótese. – Seria uma explicação mais simples. Não sabemos se alguma vez Kar'kion e Gil'kion estiveram juntos no mesmo espaço... Podemos pedir a Artoo que investigue, no sistema informático, se encontra dados sobre eventos antigos em que os dois príncipes tenham estado juntos, com hologramas a comprová-lo. Antes de se terem zangado.

- Sim, seria uma excelente ideia e podemos começar por aí... Gosto mais dessa linha de investigação do que aquela que refere os clones, Luke. Sou sincera, não acredito que num sistema com uma civilização tão fechada e primitiva exista uma conspiração tão elaborada quanto essa... Clones para discutir artificialmente um trono!

- E, no entanto, temos uma fábrica de clones numa lua esquecida deste sistema fechado e primitivo.

- Estás a provocar-me?

Luke sorriu-lhe. Leia fungou ruidosamente.

- Acho que estás cansada e que deves fazer uma pausa. Temos comida que nos foi trazida por um androide, cortesia do mordomo real. Tens de comer, irmã. Já se passaram demasiadas horas desde a nossa última refeição que aconteceu no abrigo.

- Tir'etakion quer envenenar-nos? – perguntou ela, sarcástica, pendurando os auscultadores num gancho próprio que sobressaía do painel de comunicações ao qual Artoo estava ligado.

- Não, irmã. Eu já comi e está tudo incrivelmente saboroso...

- Um veneno doce, então.

Leia levantou-se do banco, apoiou as mãos nos rins e estirou as costas.

- Sim, estou a sentir-me fatigada... – confessou num sussurro.

- Ouviste, Artoo? – disse o Jedi dirigindo-se ao astromec. – Faz uma busca exaustiva na base de dados sobre os dois príncipes Kar'kion e Gil'kion. Queremos tudo o que possas encontrar sobre eles, desde que nasceram. Imagens holográficas, informações sobre as suas doenças na infância, gostos pessoais, pretendentes, festas, tudo. Precisamos que destaques as ocasiões solenes em que participaram os dois, ao mesmo tempo.

O androide respondeu positivamente com apitos. Luke passou o braço pelos ombros de Leia e puxou-a da saleta de comunicações. Usou a Força para dar-lhe alento e para perceber a sua condição. Recebeu a vibração de uma exaustão persistente que começava a insinuar-se nas capacidades cognitivas da irmã. Em suma, ela precisava de dormir. Mas antes deveria alimentar-se. Ela percebeu a sua intrusão.

- Tenho ainda de conferir alguns aspetos das entrevistas, depois de...

- Nem pensar! – admoestou Luke, veemente. – Vais comer e vais dormir. Eu ficarei de vigia. Se me quiseres substituir mais tarde, apenas concordarei se tiveres dormido algumas horas antes. Ficarei eu com o Artoo e serei eu a fazer essa conferência. Inseriste as notas no holopad portátil de Artoo? Certo!

Depois de engolir uma parte da refeição e de se hidratar, admitiu que estava com muita sede, Leia foi para o quarto. Aconchegou-se na cama, deitando-se de lado, joelhos unidos que puxou para si, uma mão debaixo da cabeça. Assim que fechou os olhos, suspirou e adormeceu pouco depois. Luke tapou-a com um cobertor. Fez-lhe uma carícia na testa para acalmá-la, pois sentia-a ansiosa. O bebé continuava protegido, longe das influências do exterior. Ele não soube precisar se era Leia que o protegia, se era o feto que já fazia uso da Força para tal. Um prodígio.

Conferiu se Artoo precisava de alguma coisa. Como o androide assinalou que estava a tudo a correr bem no processo de piratear os arquivos de Hkion, Luke regressou à sala e sentou-se junto à janela, a observar a quietude noturna.

Estava muito escuro nos jardins. Os contornos dos objetos, das árvores e das plantas confundiam-se com a escuridão. As sombras eram demasiado densas, até para Hkion. Ele já tinha dormido ali antes e nunca vira uma noite assim. Estagnada, fria, perigosa. Os Ysalamiri faziam um cerco ao palácio, ele não conseguia estender os seus sentidos para além do morro da cidadela onde se implantava aquele complexo de edifícios. Os músculos de Luke contraíram-se. A bolha protetora emanada pelos lagartos era tão opaca que ele sentia-se afogado se fizesse uso da Força de uma forma mais expansiva. A sensação era semelhante a mergulhar de boca aberta. Tinha necessariamente de reservar ar, tinha obrigatoriamente de deixar de respirar. Ali, precisava de se recolher para não ser sugado para uma espécie de vácuo, de ar gelado.

Fechou os olhos e procurou meditar, envolver-se com o que o rodeava mesmo que se sentisse acossado ou magoado. E teve uma surpresa! Evitou engasgar-se, manteve-se focado e percebeu que existiam fendas, pequenas aberturas na cúpula dos Ysalamiri. Alguém desfazia o que os bichos criavam, alguém estava a combater o isolamento. Alguém ou a própria Força. A energia não podia ser contida, não podia ser dominada. Movimentava-se e furava, crescia e existia.

Ligou-se à Força e percebeu-a viva e quente. A comoção da descoberta serenou-o, ligou todas as suas terminações nervosas à eletricidade que ele identificava naquele espaço, o que ocupava, o que vogava para além dos limites físicos. Um espaço imenso, infinito, e pequeno também, minúsculo.

Ao seu lado havia uma presença. Ergueu-se alarmado.

- Pai!

O fantasma azul de Anakin Skywalker, envolvido pelo seu manto Jedi, fixava os seus olhos desfocados nele, naquela forma peculiar que tinha de olhar, de baixo para cima, queixo quase colado ao peito, a boca rígida. Os cabelos longos e rebeldes emolduravam um rosto sério e preocupado. As mãos escondiam-se nas mangas largas do manto. Era alto, muito mais alto do que ele, o Jedi teve de esticar o pescoço.

- Luke, precisamos de conversar.

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