XII - Aquela sombra

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No speeder que Threepio conduzia para longe da capital, em direção à floresta que se erguia no horizonte de forma majestosa devido às suas grossas e frondosas árvores, Luke dormiu. Leia olhava-o com pena e aconchegou-o, cingindo a capa para que esta o aquecesse da melhor maneira. Nunca o tinha visto tão debilitado, nem mesmo quando ele adoecera com uma febre derivada da humidade da lua verde de Endor, logo a seguir ao fim da Guerra.

Ela lembrava-se bem desses dias. Luke sorria e brincava com ela, que tratava dele, os seus olhos brilhavam e estava bem-disposto no meio da sua fragilidade. Dizia-lhe que era um Jedi, que a Força iria ajudá-lo. Carinhosa, ela replicava que antes da Força havia os medicamentos que ele devia tomar. Para além de uma alma poderosa, ele tinha um corpo perecível e biológico que obrigava a esse tipo de cuidados quando a doença atacava. Luke chamava-a de irmãzinha querida. Nessa época nunca estivera exausto e inconsciente como acontecia em Hkion. Leia estava preocupada.

Artoo aquietava-se na parte de trás do transportador, um velho modelo V-35 Courier pouco confortável, mas que era ideal para acomodá-los a todos pois dispunha de um compartimento de carga mais espaçoso do que os modernos transportadores. O astromec estava nesse compartimento e vê-lo calado aumentava a preocupação de Leia, porque eram raras as vezes em que Artoo se recolhia nos seus circuitos.

Luke enrolava-se no banco traseiro que tinha sido acrescentado ao speeder e Leia deixara o seu lugar ao lado do condutor para se juntar a ele. Threepio falava de vez em quando, indicando o que ia acontecendo pelo caminho, embora na realidade não houvesse muito para reportar. A via que seguiam estava desimpedida e não se cruzavam com outros veículos. O radar também não detetava nada no ar, mas por precaução os escudos defletores estavam ligados. E o androide repetia o que o painel de instrumentos indicava, linha por linha. Havia um bipe e havia a leitura concisa de Threepio.

A mão dela fazia carícias nos cabelos dele. Luke não estava quente, nem exibia sinais de febre, mas estava trémulo e em sofrimento. Ela queria ajudá-lo, contudo não sabia como. Talvez o repouso fosse o suficiente.

- Leia...

Ela debruçou-se sobre ele.

- Sim, Luke? Queres água? Tenho um cantil comigo...

- Leia.

Ela crispou a fronte, insistiu:

- Queres água?

E ele tornou a chamá-la pelo nome.

- Leia.

- Estou aqui.

A seguir ele ficou quieto. A cúpula de Artoo rangeu quando se moveu, como que a querer focar o seu sensor ótico na cena, e não emitiu qualquer som. Observava, simplesmente. O rangido do mecanismo de metal arrepiou Leia. Mas havia algo mais. Sentiu uma perturbação na Força. Uma ligeira variação. A temperatura alterou-se. Ficou tudo demasiado frio. A mão dela pousada na testa do irmão não experimentou, porém, o súbito arrefecimento. Vinha de outro lado, provinha de outra fonte.

Luke despertou e sentou-se, num impulso repentino. Leia ficou com o braço no ar, a olhá-lo admirada com a recuperação inédita. Mais admirada ficou quando ele volveu o rosto na sua direção. Os olhos dele... estavam amarelos. As íris azuis tinham empalidecido e mudado para essa cor doentia. Um véu artificial que se sobrepusera à coloração natural. Ela nunca tinha presenciado aquele fenómeno, mas devia estar relacionado com a enfermidade provocada pelo soro que o envenenara na prisão.

- Luke... – soprou ela, desconfiada. – Sentes-te... melhor?

- Estou ótimo – respondeu-lhe com a voz rouca. Os lábios torceram-se num sorriso insincero. A postura era rígida, ameaçadora.

Leia voltou-se para o androide protocolar.

- Onde estamos, Threepio?

- Daqui a dois minutos-padrão vamos entrar na floresta, Sua Alteza. Mantenho o rumo, como previamente definido?

- Sim, segue conforme as indicações do navegador. Para os abrigos que encontrámos na base de dados.

O pulso foi esmagado pela mão de Luke. Ela encarou-o chocada.

- Não!

- Luke, solta-me.

- Temos de regressar ao palácio.

- Não sabes o que estás a dizer...

Ela fez força para se libertar e ele puxou-a. Leia esquivou-se de uma cabeçada e quando deu por ela estava a lutar com o irmão para que ele lhe largasse o pulso que torcia de forma violenta para dominá-la. Deu um grito.

Artoo apitou e começou a agitar-se sobre os seus dois pés metálicos, saltitando alarmado, disparando uma saraivada de silvos. Devido à sua rigidez, Threepio não conseguiu virar-se para trás. Se o fizesse largaria os comandos e podia acontecer um despiste. Então perguntou num tom histérico o que se estava a passar, intervalando a pergunta com os seus lamentos pessimistas.

Leia empurrou Luke, mas ele tinha mais força do que ela. Aproveitou o empurrão para desequilibrá-la. Ela caiu do banco e viu-se com um joelho de Luke sobre o peito. Ofegou sem ar. Tentou esmurrá-lo com a esquerda, pois a direita continuava presa na mão dele. Os seus murros eram débeis e só conseguia atingi-lo no braço. Ele sorria-lhe, os olhos amarelos disparavam faíscas de maldade. Troçava da sua inabilidade em soltar-se.

Nisto ele caiu para a frente, desmaiado. Leia afastou-o para se escapar do seu peso. Deixou-o deitado de borco, enquanto se esgueirava para desabar sobre o assento. Notou que fora Artoo que adormecera o Jedi com uma descarga elétrica que emitira com o apêndice que guardava no interior do seu corpo bojudo.

- Obrigada...

O astromec silvou uma pergunta. Ela meneou a cabeça. Tossiu para desimpedir a garganta, para recuperar o alento. Estava mais abalada do que se dispunha a admitir. Surpreendida e muito apoquentada com o que eventualmente teria de enfrentar.

- Foi o lado negro da Força... Senti o Luke a resvalar para as sombras. Creio que será o efeito do soro. Ele atacou-me porque... viu-me como uma adversária.

- O que podemos fazer, Sua Alteza?! – indagou Threepio consternado ao aperceber-se do que acontecia nas suas costas. – O menino Luke precisa de tratamento.

- Seguimos para a floresta. O soro eventualmente vai dissipar-se e o Luke vai recuperar. Será como uma vulgar doença. Precisamos de tempo.

Apertou os lábios. Estava a enganar-se a si mesma.

- O menino Luke precisa de ajuda.

- Estamos entre inimigos!

Agastada, compreendia que o androide tinha toda a razão. No entanto, não sabia onde ou a quem pedir essa ajuda e a impotência irritava-a. Inclinou-se sobre o irmão e com grande esforço fê-lo rebolar para colocá-lo deitado de costas no pequeno espaço que existia entre os assentos. Notou-lhe o suor, a contração dos músculos faciais, a fadiga imensa. Sussurrou o nome dele e ele respondeu-lhe num lamento:

- A Força... Está a prejudicar-me, Leia. O pesadelo... É um pesadelo.

Leia soergueu-o, colocou-se atrás dele, abraçou-o.

- Vais ficar bem. Não irei deixar que te façam mal.

- Já o fizeram. Sinto as tentações, sinto as sombras... Os fantasmas da névoa.

- Consegues ver... esses fantasmas?

- Vultos que me atormentam. Querem a minha alma. Riem-se quando tento repeli-los. Eles voltam e contam-me que pertencem aqui. Não se podem ir embora. Eu é que sou o forasteiro. Hkion tem um segredo. São esses segredos que eles estão a proteger... Os dois príncipes rivais sabem desse poder, querem ganhar com esse poder. As minas de ouro são a sua riqueza, mas existe outra... riqueza maior.

- Eu vou proteger-te. Sei lutar, sei usar a Força.

- Confio em ti, irmã.

- Eu também confio em ti, Luke.

- Guarda-o para mim.

Estendeu-lhe o anel e ela recebeu-o.

Luke murmurou, antes de ficar inconsciente:

- Bekbaal...

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now