XIX - O encontro providencial

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Bekbaal era um velho embaciado, estreito de ombros, cabeça lisa, expressão neutra embora isso não significasse que fosse isento. Ele tinha as suas próprias lealdades, segredos e inclinações, que não eram totalmente transparentes. Escondia a personalidade debaixo de roupas decadentes, desejava o anonimato e devia viver longe da civilização por opção própria. Um eremita voluntário dotado de sabedoria ímpar, de segredos mais preciosos que o ouro escavado nas minas locais.

Luke pressentiu o carácter extraordinário do homem pois a Força envolvia Bekbaal com uma aura distinta, entre a majestade e a humildade, em dissonâncias evasivas, ilusões doces e amargas, sensações invisíveis que não se conseguiam explicar. Ele sentia o outro uno com a Força, ao mesmo tempo o outro desaparecia quando tentava contemplar mais fundo essa ligação.

Tinha ido recebê-lo e os dois encaravam-se com gravidade. Eram sensivelmente da mesma altura e podiam olhar-se nos olhos sem uma posição de superioridade ou de inferioridade. Como iguais. As criaturas estavam ajoelhadas atrás do velho, numa atitude respeitosa e de veneração. As criaturas eram os seus acólitos, o seu pequeno exército, os seus tentáculos que penetravam fundo em qualquer canto do planeta. Mesmo vivendo na floresta, o velho não se isolava.

Foi este que inaugurou a conversa.

- Nobre Jedi. Por fim, nos encontramos.

- Bekbaal... Ouvi o teu nome muitas vezes. Foste tu que me ajudaste através do príncipe Kar'kion. Mas por que razão através de um dos príncipes?

- Não pertenço a nenhum dos clãs. O segundo anel apareceu através de Gil'kion.

- Dois anéis, portanto.

- Dois anéis, outros anéis. Existem muitos que sabem como me contactar e não professam nenhum apoio ao que quer que seja. Eu sou Bekbaal.

- És independente. Percebo.

- Não, não percebes. Devemos conversar. Precisas da minha orientação.

- Por que motivo não apareceste mais cedo e ofereceste os teus ofícios? – quis saber Luke, curioso e mordaz. – Talvez se poupasse tempo e conseguíssemos alcançar a paz mais cedo.

- Em Hkion não se quer a paz.

- A guerra é provocada quando se pretende conquistar valor. Supremacia, riquezas, influência sobre territórios mais vastos. Hkion é um sistema rico por causa das minas de ouro. Se não quer a paz, quer a guerra. Não vejo motivos para existir guerra. Não me parece que queiram provocar a Nova República, no tempo do Império Galáctico permaneceram invisíveis. O que é que se está a passar?

- Hkion tem um segredo e quer usá-lo para se expandir. A vulgar ambição dos homens.

- E eu estava demasiado perto desse segredo? Não sei nada sobre Hkion, a não ser que usam uma legião de escravos para explorar as minas e que existe um problema de sucessão porque o anterior rei não deixou descendência direta.

O sorriso sardónico do velho arrefeceu a alma de Luke. Observou-o, mas havia uma barreira que repelia a sua análise, que queria que ele se frustrasse e se debatesse. Depois o frio da floresta lembrou-lhe que estava a ser um mau anfitrião, mesmo que naquele caso não se soubesse bem definir quem acolhia quem. Luke convidou o velho a entrar no abrigo onde estava mais quente.

- Os teus amigos estão lá dentro.

- O que quer que me tenhas para contar, quero que eles oiçam – esclareceu Luke. – Eu e os meus amigos estamos juntos, em Hkion. Contra... o que se está a passar. Representamos oficialmente o Senado Galáctico, não estamos aqui em nome pessoal, nem a perseguir objetivos pessoais.

- Não me importo de fazer as revelações necessárias para outros. Contudo, eles podem não entender a minha mensagem na totalidade.

- A minha irmã é treinada na Força. E encontraste-te anteriormente com o general Solo e com o general Calrissian, que se fazem acompanhar por um wookie. Deste-lhes indicações e eles souberam segui-las... com o auxílio da Força.

O velho esticou o queixo.

- Por que acreditas que a minha mensagem se relaciona com a Força?

- Estás aqui por causa da Força. Estás aqui para te reunires com um cavaleiro Jedi. Desde que cheguei a Hkion que preparas a tua intervenção. Estou enganado?

- Não, nobre Jedi. Não estás enganado. Sobre a Força falaremos e será com a Força que conseguiremos triunfar.

- Se precisamos de um triunfo, precisamos de paz. A paz que se segue após uma vitória.

- Os truques com as palavras não têm qualquer valor quando as ações contornam o que falamos.

- Falo sempre com sinceridade e as minhas intenções nunca são dúbias – afirmou Luke acentuando as palavras. – Nem posso atuar de forma diferente pois sou um cavaleiro Jedi. Hkion está à beira de um conflito, é por demais evidente que existe tensão no sistema. As minas de ouro são cobiçadas, garantem o poder de quem as controla e gere. Apenas estou aqui para garantir a estabilidade e a paz. Essa paz que afirmas ser impossível... A Nova República não se impõe. Dialoga. A minha presença em Hkion serve, portanto, o diálogo. Encontrei dificuldades, mas isso não me vai abater. Nem vai demover a Nova República. Os sistemas devem ser livres e terão todos uma voz no Senado Galáctico. Mas existem condições, que não serão imposições, mas meras orientações de como governar num sistema plurianual. Acolheremos todas as formas de governo, claro, mas não pactuaremos com ditaduras, tiranias ou estados que fomentem a guerra.

- Falas como um político. Esperava isso da senadora Leia Organa, não do nobre Jedi Luke Skywalker que deverá ser isento.

- A minha isenção não é questionável, Bekbaal – replicou Luke incomodado com a observação. – Mas estou com a República e por isso represento os ideais republicanos. E tu, ancião? Serás totalmente isento? Ou terás algo fundamental a ganhar com o que se está a passar em Hkion?

O velho fez uma pequena deferência, inclinando a cabeça.

- Não pretendia deixar-te desconfiado em relação aos meus reais propósitos.

Luke percebeu que se excedera. Também fez um meneio com a cabeça.

- Perdoa-me pela minha impulsividade. Estou a convalescer de um recente envenenamento, como por certo sabereis, e a minha debilidade física deixa-me mais sensível. Claro que não deveria ceder aos impulsos mais censuráveis. Estive brevemente com o Lado Negro da Força e ainda me recupero. Faço-o com vontade, faço-o com convicção. Não sou diferente após essa terrível experiência.

- Tu és luz, nobre Jedi. – E o velho sorriu com brandura. – Os impulsos que te envergonham fazem parte da tua humanidade louvável. Não escolhi ajudar-te em vão, não te procurei por mero capricho.

Luke estendeu um braço, apontando para a porta do abrigo. Desviou o corpo ligeiramente para ceder passagem e convidou:

- Conversemos, então, sobre os mistérios da Força em Hkion. A luz e as trevas. É óbvio que coexistem de uma maneira ímpar neste lugar. Estou curioso para saber o que realmente se está a passar.

- Conto ajudar-te. Espero que acredites em mim.

- E por que razão não acreditaria?

- Talvez porque as minhas palavras necessitem de um certo grau... de fé.

- Estou preparado.

Avançaram os dois para o interior do abrigo.

As criaturas deixaram-se estar, como da primeira vez, no exterior, ajoelhadas no chão gelado da floresta que começava a encher-se de neblina à medida que a noite se instalava, calada, nos recantos.

E nem um som. Era estranho. A floresta era demasiado silenciosa, como se fosse uma zona morta, desprovida de vida animal. Luke não se demorou nesse pensamento. Tinha de focar os seus sentidos naquilo que Bekbaal estava disposto a oferecer-lhes. A verdade... ou a mentira. Depois decidiria.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now