XLIV - O fim próximo

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A porta dupla dos aposentos escancarou-se teatralmente e por esta passou o mordomo Tir'etakion num registo entre o acossado e o perplexo. No seu espírito misturava-se um caldo estranho de sentimentos conflituantes, que ele não procurou esconder do Jedi. Eram como lâminas de metal bem afiadas dirigidas à perceção ímpar do nobre cavaleiro, um primeiro ataque que tinha tanto de dissimulado, como de imponente.

Ao lado de Luke pairavam fantasmas da névoa num meio círculo protetor que vibraram e ulularam à vista de um lagarto Ysalamir que o mordomo carregava no seu ombro esquerdo. O segundo ataque. A Força não o podia atingir, mas ele era capaz de lançar perturbações significativas na Força. Luke, todavia, manteve-se firme.

- Por que motivo as ruas estão a ser ocupadas pelo teu exército, Tir'etakion? Que guerra é esta que queres travar contra a Nova República?

- Não estás em posição de fazer exigências ou de sequer sugerir alternativas. És refém de Hkion, Luke Skywalker. Desde o momento em que colocaste um pé no solo sagrado deste planeta que entregaste o teu destino nas nossas mãos.

- Sou apenas um diplomata com uma missão de paz.

- Não gostamos de estrangeiros.

Luke contraiu os olhos. A Força não o auxiliava por causa do Ysalamir e sentia-se demasiado vulnerável. Os fantasmas da névoa que o acompanhavam hesitavam entre ficar e fugir, amarrados pela sua obrigação de lealdade, acoitados pelos vestígios do seu senso de sobrevivência.

Leia aguardava mais atrás, junto a Artoo. Estava tensa, assustada e determinada. Voltou-se para ela.

- Ficarei com o mordomo real. Podem retirar-se.

A indignação de Leia aconteceu como um grito mudo no nevoeiro denso e vazio que preenchia todos os recantos da sala, que invadia a totalidade dos aposentos, que anulava a Força e que quebrava a ligação do Jedi com o mundo. Luke não a deixou avançar no protesto. Levantou a mão direita artificial e calou-a com esse gesto irreversível. Artoo compreendeu que não podiam ficar ali. O astromec tinha, desde sempre, revelado uma sensatez e acutilância fora do comum para uma máquina. Fez surgir o seu terceiro pé e rolou devagar em direção à porta aberta. Leia seguiu-o, bufando e resfolegando. Deitou-lhe um olhar de esguelha e depois de sair com Artoo, a porta dupla fechou-se com a mesma teatralidade com que se escancarara.

Luke abriu os braços, libertando-os das dobras do manto.

- Aqui me tens. Em exclusivo. Era isso que pretendias, Tir'etakion. Agora, que a tua vontade foi feita podemos passar ao próximo estágio desta farsa. Já chega de tanto engano e falsidade.

O homem riu-se de uma forma bastante irritante.

- A minha vontade não foi feita, nobre Jedi. Ainda aqui estás. Como te disse, não gostamos de estrangeiros e a tua presença em Hkion, assim como a presença dos teus amigos, é muito mal vinda. Começaram uma guerra. A culpa recai sobre os vossos ombros.

- Sou o teu prisioneiro. Coloco-me à tua disposição a tua vontade foi feita. Agora... é a minha vez de fazer exigências.

- Não estamos numa negociação.

- Sim, estamos! – exclamou Luke autoritário e o mordomo fez uma careta, subitamente ofendido. – Agora exijo a verdade.

Os fantasmas da névoa desapareceram com um silvo e o lagarto Ysalamir, inesperadamente, saltou do ombro do mordomo e foi em perseguição dos espectros que tinham como que fugido, espicaçados pela pequena ameaça do bicho. O lábio superior de Tir'etakion arrepanhou-se e ele susteve a respiração. A Força regressou numa bolha quente e Luke entremostrou um pequeno sorriso.

Tir'etakion disse:

- Eu sou o legítimo herdeiro de Hkion. Não conseguirei nunca passar a minha petição para ver reconhecida essa minha posição, sendo um mero servidor da casa real. Então, estou a tentar outra via. E sairei vitorioso! – concluiu com altivez.

- Continua – pediu Luke.

Teve um pequeno instante de hesitação.

- Sou filho bastardo de uma prima do antigo rei de Hkion e, por isso, nunca fui reconhecido oficialmente como um pretendente ao trono. A sucessão no sistema faz-se através da linha masculina da família. Reis são filhos de reis que procriam com as suas consortes. Eu sou filho de uma mulher da família do rei, não tenho o sangue suficientemente forte... No entanto, ganhei a minha oportunidade quando o último rei morreu sem deixar herdeiro.

- Os dois príncipes...

Tir'etakion gargalhou alto.

- Os dois príncipes são obra minha! Eles são dois clones, criados na fábrica de clonagem secreta que mantemos na lua Apon One, em antigas instalações mineiras cujo filão se esgotou. São meus filhos, nascidos das minhas células, misturados com células do antigo rei e toda a gente achou que eram legítimos, depois de feitos os apropriados testes genéticos. São patéticos com todos esses preceitos antigos, hereditários, infalíveis. E, entretanto, eu sou esquecido e escarnecido porque não tenho o sangue certo. Ridículo! – Respirou fundo um par de vezes, enchendo-se de raiva quente. – No fim, eu vencerei, nobre Jedi. Porque para além dos dois príncipes também tenho estado a criar o meu exército de clones na mesma fábrica para conquistar o meu lugar no trono pela força. Irei criar uma nova ordem para Hkion! Ditarei novas leis, estabelecerei novos costumes, perpetuarei a minha linhagem no sistema e na galáxia.

- Não estás a fazer tudo isso sozinho. Solicitaste ajuda a militares do Império que aguardam por uma nova oportunidade para se reorganizarem e atacarem a Nova República. O ouro inesgotável de Hkion serve esse propósito.

- O ouro não é inesgotável, nobre Jedi. Já terminou na lua Apon One e irá terminar na lua Apon Two também. Mas até lá... asseguro a minha sobrevivência e a minha eternidade. Sim, servi-me da ambição dos almirantes que continuam leais ao Império Galáctico e a Palpatine. Falam de uma Primeira Ordem, existe um nome que sussurram com temor e admiração. Snoke. É Snoke que os está a liderar desde as sombras.

O nome causou uma impressão funesta em Luke.

- Snoke? – repetiu.

- Hkion encontra-se protegido, contudo, por um mistério milenar que os reis nunca ousaram perturbar. Era também a sua garantia mística, a massa invisível e religiosa que une as consciências dos habitantes do sistema. Os fantasmas da névoa!

- Tu, Tir'etakion, tentaste corrompê-los e acabar com eles, empurrando-os para o lado sombrio da Força. E eles resistiram.

- Claro que resistiram. Ninguém comanda os fantasmas da névoa. Então descobri a ambição secreta de Bekbaal e servi-me dele. Entreguei-o a Snoke e Bekbaal, dominado pela Força negra, acabou por dominar, por sua vez, a magnífica legião dos fantasmas da névoa.

- Alguma vez te encontraste com Snoke?

- Não. Era sempre Bekbaal que comunicava com Snoke. Através da Força. Eu só falava com os almirantes do Império. Os pagamentos de ouro que lhes fazia aconteciam através de um intermediário, o encarregado da fábrica dos clones. Um taanabiano chamado Yur Tomason.

- O que estão a fazer os almirantes com esse ouro?

- Estão a construir uma frota secreta. Recuperam destruidores e cruzadores estelares, montam couraçados, recrutam cadetes que treinam desde o berço. Algures nas Regiões Desconhecidas da galáxia. Não te sei dizer, nobre Jedi. O que eu quero é o trono de Hkion. As vossas disputas não me interessam e ignoro-as. Até alguém ter descoberto o que aqui se passa e ter enviado uma declaração falsa sobre uma suspeita de escravatura. Aparece a Nova República. Apareceste tu e os teus amigos!

A acusação final foi reforçada com um dedo apontado, a manga da túnica do mordomo a ondular com elegância.

Os músculos de Luke tornaram-se rígidos.

- Foram os príncipes que te denunciaram. Mesmo sendo clones, eles defendem Hkion e o seu património. Queriam resgatar os fantasmas da névoa, querem combater o teu exército pouco natural de homens copiados, querem afastar-te e destruir-te.

Tir'etakion sorriu com maldade:

- Mas eu vou destruí-los primeiro.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now