XXX - Sobreviver

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O dia corria morno e monótono, sem que mais nada tivesse acontecido ou estivesse para acontecer. Os sentidos do Jedi estavam focados, mas a sua meditação controlada continuava a ser sabotada tenuemente e ele não podia ir mais longe do que a ala do palácio onde esperava com a irmã. Podiam ser os Ysalamiri, podia ser mais do que os lagartos.

Estava curioso em relação aos fantasmas da névoa, esses espectros misteriosos de antigos mestres Jedi que assombravam Hkion e que eram temidos, admirados, procurados, evitados, que não eram totalmente compreendidos. Nunca os tinha sentido e agora também não o conseguira fazê-lo, quando já sabia da sua existência e seria mais simples alcançá-los com a sua sensibilidade treinada. Nada, nem o menor indício de que existiria uma legião suficientemente grande alimentada pela Força que pudesse causar uma perturbação significativa nesta. Ele imaginaria que existisse uma depressão, uma concavidade, um vazio, mas apenas descobria paz e uniformidade.

Abriu os olhos e notou-a junto à janela, tensa. Braços cruzados, rosto contraído, a trincar repetidamente o lábio inferior.

- Somos reféns, Leia.

Ela concordou.

- Sim, Luke. Somos reféns.

- Não temos poder negocial.

- Acredito que o mordomo vai atender a nossa petição.

- A tua petição, princesa de Alderaan. Se fosse novamente apenas eu, seria novamente envenenado, convertido ao lado sombrio e integraria os fantasmas da névoa.

- Para servir quem?

Leia aproximou-se, sentou-se diante dele que estava sentado, por sua vez, sobre o tapete da sala.

- Para servir quem, Luke? Se tanto temem a Força e esses fantasmas, se é Bekbaal que os controla ou os refreia, não desejam seguramente que esse exército seja tão poderoso ao ponto de ser invencível. Não desejam juntar novos membros a esse exército.

- Isso é uma boa pergunta – admitiu ele, intrigado. – Mas se estão a produzir clones para combater os fantasmas da névoa, podem aumentar a produção e assegurarem-se da vitória através de números superiores.

- Uma ideia perigosa. Se os clones ficarem incontroláveis, poderão dominar o sistema com a deposição da casa reinante e assumirem eles o trono. Deixaria de existir apenas um rei, mas um conselho formado por... criaturas idênticas, ligados por uma consciência comum.

- Bekbaal pode estar a antever esse resultado e quer assegurar-se de que é a Força que vence. Os príncipes também querem evitar esse desfecho, não querem ser derrotados por Bekbaal, asseguram a vitória dos clones sobre os fantasmas, Bekbaal é anulado, regressam à sua guerra... Disputam o trono, mantêm o ouro e o isolamento... Entretanto, um dos príncipes derruba o outro, usa os clones para declarar guerra à Nova República. É esse o cenário.

Leia soprou.

- Não temos dados concretos... Apenas suposições! Como pode a Nova República agir com base em boatos e ideias formuladas a partir de observações indiretas e parciais? Para isso precisamos de falar com os responsáveis.

- Os príncipes!

- A começar pelos príncipes...

Luke viu-a a esfregar os braços como se estivesse com frio. Ela explicou:

- O mordomo era assustador. Não gostei de Tir'etakion... Existia uma impressão sombria na Força que veio com ele.

- Ele e Bekbaal...

Luke calou-se de súbito.

As portas abriram-se teatralmente e entrou uma comitiva de seis guardas armados vestidos de forma exuberante, colorida, até as armas intimidatórias pareciam falsas, com o aspeto de réplicas bem elaboradas. Não agiam como soldados, mas como uma escolta festiva para uma parada utilizada em feriados nacionais. Entre eles vinha... Luke levantou-se, deu um passo em frente e gritou:

- Artoo!

O astromec acelerou para se juntar ao Jedi e já Leia vinha também ter com eles. Os guardas, após o serviço de entrega, deram meia volta nos seus passos exagerados que reverberavam no soalho, saíram e as portas tornaram a fechar-se.

Luke ajoelhou-se, tocou na cúpula do androide.

- Estás bem? Não fizeram nada contigo?... Não tens nenhum dispositivo de escuta para servires de espião involuntário? Não tens... Tens a certeza?... Acredito em ti, companheiro. Ótimo!

Aconteceu outra coisa estranha: Artoo abriu um dos seus inúmeros compartimentos internos e devolveu-lhes os sabres de luz. Apitou indicando que fora impossível recuperar a pistola blaster. Os dois irmãos entreolharam-se intrigados. Quiseram saber quem o tinha ajudado. Artoo sibilou freneticamente e recusou-se a revelar essa informação, pois tinha recebido ajuda, claramente.

Leia levou-o para a pequena saleta de comunicações e deu-lhe instruções do que deveria fazer. Ligar-se à Falcon, enviar uma mensagem sobre o que estava a acontecer na capital, procurar uma linha segura e direta para Chandrila e começar a enviar um sinal encriptado com um reporte telegrafado que seria modificado consoante o incremento de dados que fossem recebendo. Ela voltou para a sala e disse a Luke que estavam operacionais. O Jedi afastou-se, penteando os cabelos loiros com os dedos. Pediu-lhe cuidado e Leia fez uma careta. Não respondeu, ofendida. Ela sabia ser cuidadosa, não precisava do aviso.

- Temos de conseguir sobreviver durante o maior espaço de tempo possível...

- Sobreviver?

- Sim, Leia. A Força movimenta-se...

Ela olhou para o teto.

- Estamos a ser envenenados?

- Não. As nossas vantagens serão de curta duração e devemos aproveitá-las, porém.

- Recuperámos os sabres de luz.

- Talvez queiram ver-nos a combater...

- Disseste que não nos estão a envenenar. A minha mente está focada, límpida. Não sinto o lado sombrio.

- No entanto, o lado sombrio está a rondar-nos. Existem...

- Existe o quê, Luke? – indagou ela, ansiosa, perturbada pela expressão contraída dele.

- Existem impressões.

- Tens o anel de Bekbaal.

- Onde está o segundo anel? Eram dois anéis, Leia.

- Acho que o Han ficou com aquele que lhe foi entregue...

- Hum, talvez ter ficado com ele foi uma excelente ideia. Vai protegê-lo.

- Han está nas luas do planeta gasoso. Bekbaal continua aqui, com os seus fantasmas da névoa.

- Não sei... Demasiadas impressões, minha irmã.

As portas voltaram a abrir-se de rompante. Entrou um homem de mãos postas atrás das costas. Na galeria que dava acesso à ala estava uma pequena multidão agitada que seguira o homem e que ficava do lado de fora. Era composta por burocratas, cortesãos, soldados, criaturas de aspeto duvidoso e raivoso, mulheres belas, um grupo vestido de trajos diversos, ricos e práticos.

O homem esperou que as portas se fechassem.

Caiu o silêncio. Denso, envolvente, ínvio. O homem olhou Luke, olhou Leia. Por essa ordem. Demorou-se em cada contemplação, primeiro o Jedi, depois a princesa senadora. O seu rosto era harmonioso, de uma superioridade inata, desagradável, impante, olhos negros e incisivos. Não havia uma expressão que desvelasse o seu íntimo, os seus propósitos, a sua imediata reação, o que estaria ali a fazer, quem seria... embora aquela postura régia indicasse um laivo da sua personalidade e desmascarava a sua identidade.

Num gesto inesperado, dobrou ligeiramente o pescoço num cumprimento.

- Príncipe Kar'kion... Ao vosso dispor.

Os músculos de Luke ficaram tensos. Leia devolveu:

- Que sejas bem-vindo, príncipe Kar'kion.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now