XV - A batalha permanente com o dever

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Han Solo queria saber apenas a resposta a uma pergunta: onde estava o cavaleiro Jedi e a senadora. Insistiu brusco com a criatura chefe daquele bando. O príncipe tinha-lhe dito que os seus espiões indicaram que os dois estavam na floresta e ele só queria que lhe apontassem o caminho certo a tomar. Mais nada. Cada um depois seguia com a sua vida. Uma direção exata, uma orientação inequívoca e mais ninguém precisava de se aborrecer.

Só que a criatura que mirava o anel com um êxtase religioso não o estava a escutar. Contemplava embevecida o símbolo, no olhar estreito uma nesga de fanatismo e de abnegação, a respiração entrecortada completava o quadro emotivo em que mergulhara. Os outros que estavam atrás curvavam-se por deferência àquele pequeno chefe. Estavam demasiado afastados para perceberem, com nitidez, o objeto que ele segurava na ponta dos dedos, exibindo-o desta forma.

Sabendo que o anel estava a interferir com a comunicação entre eles, Han recolheu o braço.

- Esse Bekbaal... Preciso dele. Vai levar-nos ao Jedi e à senadora.

Evitava utilizar os nomes dos dois irmãos, Luke e Leia. Protegia-se, desse modo, porque estava pronto para inventar que era um caçador de recompensas mais ou menos honesto, enviado pelo Senado Galáctico para salvá-los. Protegia o seu grupo, Chewie e Lando, desviando as perguntas para si. Protegia Luke e Leia, em última análise, que não seriam associados a ele. Eliminava, assim esperava, os pontos fracos que podiam ser utilizados contra eles no caso de aquilo se complicar ainda mais.

- Bekbaal domina os fantasmas da névoa – respondeu a criatura chefe com a voz mansa.

- O que é isso? – perguntou Lando. – Fantasmas? O príncipe também os mencionou. Estão sempre a falar desses fantasmas.

- Chiu, deixa-me ser eu a falar – pediu Han impaciente. Brandiu o anel para ver se a criatura estava atenta. – Essas histórias para meter medo a criancinhas não me interessam. O príncipe deu-me este anel e assegurou-me que Bekbaal sabia onde estavam o Jedi e a senadora. Estão nesta floresta. Se reconheceste o anel, presumo que sabes onde anda esse Bekbaal.

A criatura estremeceu profundamente. Contraiu os ombros ossudos.

- Existe um abrigo.

- Onde?

- Longe...

Chewbacca rosnou e avançou um passo. As criaturas que formavam a meia lua não se moveram. Mantinham-se cabisbaixas, obedientes, reverentes. Lando revirou os olhos, apoiou as mãos na cintura.

- O Jedi e a senadora estão no abrigo – continuou a criatura com a voz a sumir-se. – Mas eu levo-te a Bekbaal. Foi esse o acordo com o príncipe. Não foi um pedido muito ortodoxo.

- Porque não nos indicas antes o abrigo?

- Só Bekbaal conhece os caminhos da floresta.

- Porquê? – Han olhou em volta. – Para mim é uma floresta perfeitamente normal. O que existe assim de tão extraordinário que tenhamos de nos encontrar primeiro com esse Bekbaal?

- O dever.

A criatura deu meia volta. Fez um sinal à trintena de criaturas que dispersaram silenciosamente, fundindo-se com as sombras das árvores. A criatura chefe também se pôs a andar e Han seguiu-a, cada vez mais confuso com aquela história. Guardou o anel no bolso do casaco.

Fazer o que era devido era muito diferente de fazer o que era provável e ele nunca fora bom a orientar-se por ordens alheias, por comandos impostos. Fora o dono do seu destino até... Fechou os olhos. Não tinha arrependimentos, o tempo passara e perdera a alternativa de tudo abandonar. Estava demasiado envolvido. Se não o estivesse não se encontrava naquele maldito planeta para resgatar o seu amigo. Para resgatá-la a ela, a mulher que amava. O coração apertou-se com esse pensamento.

Por isso a luta era constante dentro de si. A obrigação, o prazer, a rotina, a liberdade. Estava a fazer a coisa certa e só terminaria quando o objetivo fosse cumprido.

A criatura chefe deixou-os numa clareira escura. Chewbacca tinha dificuldades para arrastar a plataforma pelo mato cerrado e rugia em frustração. Lando ajudava-o para se manter ocupado, já que tudo aquilo se lhe afigurava esquisito e revoltante. Puxava a plataforma, desimpedia o trilho para que avançasse com mais fluidez.

- Os dois príncipes querem combater entre si e nós estamos no meio dessa guerra – observou o socorriano cansado e irritado.

Han exigiu à criatura que tinha estacionado no meio da clareira:

- É aqui que vamos encontrar esse Bekbaal?

- O anel.

Contrariado, Han retirou-o do bolso, mostrou-o na palma da mão.

Escutou-se um restolhar pesado entre as árvores. Os dois humanos e o wookie ficaram em alerta. Olharam em redor, rodando o pescoço da direita para a esquerda, depois em sentido contrário, para antecipar de onde viria o ser que se movimentava com aqueles passos impantes, que pareciam vir de todos os lados. A ilusão seria criada pela acústica peculiar daquela pequena clareira.

Sem que se tivessem apercebido de onde surgira exatamente, um velho humanoide e calvo estava ao lado da criatura. Usava uma roupa tão antiga como as rugas que lhe sulcavam o rosto. Anteriormente deviam ter sido vestes ricas de alguém poderoso, agora eram farrapos de memórias de dias gloriosos.

Han perguntou-lhe:

- Tu és Bekbaal? Vais levar-nos ao Jedi e à senadora?

O velho apertou a boca numa linha dura.

- Os teus modos são ofensivos.

- Não me interessa se te ofendi! Já estou farto desta farsa e só estou a perder tempo! Quero saber onde estão o Jedi e a senadora. És tu que os manténs prisioneiros?

O velho limitou-se a olhar. A criatura gemeu com cada palavra que foi proferida, como se fossem chicotadas. Vergou-se ante elas, com a vergonha. O forasteiro estava a ser, no mínimo, indelicado.

- O anel é meu – disse o velho, misterioso.

- Quere-lo de volta? Eu dou-te o anel – disse Han chocalhando a peça dourada na mão.

- Precisas desse anel, nos dias que se aproximam.

- Dias? Eu não vou ficar dias aqui. Não fui... bem acolhido. E eu percebo quando não gostam de mim. Só quero o Jedi e a senadora e depois vamo-nos embora. Todos nós. – Fez um gesto de braço que incluía Lando e Chewbacca. – Fiquem com a vossa guerra e com as vossas minas de ouro. Nós só queremos o que é nosso.

- O cavaleiro Jedi não é vosso.

- Certamente que não é teu!

- Não disse que o era.

Han susteve a respiração. Corou furioso. O velho não deixou que a raiva explodisse, isso iria magoar ainda mais a criatura que se tolhia, ferida no espírito. Amaciou a postura, tornou-se inofensivo. Não foi bem uma transformação, mas o corelliano pressentiu qualquer coisa de diferente que não soube definir com exatidão. Humedeceu os lábios gretados. Ficara cheio de sede.

Aquela floresta guardava um qualquer poder que o confundia e desagradava. Algo relacionado com aquelas tretas religiosas que os Jedi haveriam de gostar de explorar, se já não o tivessem feito antes. A Força... Algo como isso... A Força e os seus lados. Trevas e brilhos. Pestanejou para dissipar a manipulação a que estava sujeito, mas o velho já se passeava livremente pela sua mente. Han deu um passo atrás.

- O que estás... a fazer?

- A dar-te o conhecimento de que precisas. Agora, vai. Eu aparecerei depois, no fim do combate. O Jedi também me procura. Mas foi o príncipe Kar'kion que lhe deu a indicação. Quanto a ti, vens indicado pelo príncipe Gil'kion. Pobres loucos!

Han vacilou. Lando segurou-o.

- Ei, o que se passa contigo?

E quem seriam os loucos naquela declaração? Os príncipes ou eles, estrangeiros incautos, que ousavam entrar naquele mundo de mistérios, de intrigas e de dissimulações? Han não sabia.

Abanou a cabeça tonta e de repente soube onde era o abrigo.

Estavam perto. Uma hora de caminho e chegavam, finalmente. Tão perto... Tão fácil saber para onde ir.

Ainda era de dia, mas a noite aproximava-se rapidamente.

Os Fantasmas da NévoaWhere stories live. Discover now