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"você acha que o universo luta para que duas almas fiquem juntas? algumas coisas são fortes e estranhas demais para serem coincidências" - emery allen

A mansão imponente se tornava cada vez maior pela janela do carro, indicando que estava se aproximando da festa que havia sido convidado à alguns dias pelo amigo de seu agente, Simon Cowell.

Harry era um convidado regular das festas que ele dava, mas não eram festas no sentido de copos vermelhos de cerveja e música alta. Eram organizadas especialmente para a classe alta de artistas que buscavam curtir um dos maiores privilégios que o dinheiro pode comprar: a liberdade.

Por algumas horas essas celebridades poderiam deixar suas preocupações e responsabilidades do lado de fora da mansão - que mais parecia um castelo - e adentrar uma realidade diferente que os permitiria experimentar todo tipo de luxúria conhecida pelo homem. 

Uma proposta particularmente tentadora para pessoas com dinheiro demais no banco e quase nenhuma privacidade na vida.

Harry era uma dessas pessoas. Obteve fama muito jovem e a inocência da juventude o fez vulnerável a contratos e mais contratos que, sem saber, o fariam abrir mão de sua liberdade, do seu descanso, e, com o tempo, até de quem ele era. 

Com os anos parecia lidar melhor com o fato de nunca ter férias, emendar o encerramento de um filme com os ensaios de outro e ver sua família somente em datas comemorativas. E qualquer outra pessoa que o visse falaria o mesmo, pois se portava com leveza e sempre havia uma certa doçura em sua expressão. 

Era sempre muito educado com a legião de fãs que o encontravam onde quer que fosse e nunca rejeitava fotos, apesar de preferir conversas - mesmo que curtas - já que isso gerava uma sensação de proximidade com aqueles que se dedicavam à ele de certa forma.

Seres humanos se adaptam a qualquer situação se ela acontece por tempo suficiente, mesmo que seja ruim e prejudicial, porque existe uma familiaridade na dor, uma sensação de estar em casa, afinal, sentimos essa dor por tanto tempo que a felicidade mais parece uma memória distante, desaparecendo ao fundo até finalmente deixar de existir.

E era assim que Harry se sentia. Vazio. Apático. 

Se sentia na obrigação de todo dia de manhã vestir a roupa de alguém que não era bem ele, mas sim uma versão distorcida e adoecida. 

Tinha obrigação de enriquecer uma hierarquia de agentes, produtores, diretores, executivos que usavam ternos escuros e falavam palavras rebuscadas mas que no fim não passavam de sanguessugas se aproveitando de seus jovens atores, os que realmente trabalhavam.

Havia ainda a obrigação - que Harry sentia ser a mais pesada - com os fãs. Como poderia decepcionar aquelas pessoas que diziam que apenas ao ver seus filmes ou ouvi-lo em entrevistas ficavam mais felizes? Ele não poderia fazer isso. 

Sentia que a felicidade não estava disponível pra ele, mas se ele poderia levá-la para outras pessoas, por que não dar o seu melhor?

E assim ele continuava vivendo seus dias que mais pareciam um contínuo borrão, sempre as mesmas respostas ensaiadas de entrevistas que sempre o perguntavam as mesmas coisas: "Como foi trabalhar com um diretor tão aclamado?" "Como você se preparou para viver tal personagem?" "Como é sua dieta e sua rotina de exercícios para manter sua boa forma?". 

As respostas saíam de forma automática de seus lábios e os rostos dos incontáveis entrevistadores já se fundiam uns com os outros, não saberia reconhecê-los se os visse alguns minutos depois.

Na verdade os rostos de todos com quem interagia pareciam embaçados, o mundo parecia embaçado, como espelhos após longos banhos quentes, envolvidos em vapor.

E quem era ele para reclamar da vida que levava? De fora sua vida parecia fantástica, mansões de milhões de dólares, viagens luxuosas para todos os cantos do mundo, roupas de grife, festas extravagantes, tudo que alguém poderia querer, e Harry reconhecia isso. 

Estava ciente de seu enorme privilégio e frequentemente se sentia culpado por querer descansar, não achava que era um direito seu, então ele nem mencionava isso para as pessoas que eram próximas a ele. 

Era uma dor que ele deveria carregar sozinho, e que ele se convencia não ser tão sofrida assim.

Por isso que as festas que frequentava o faziam tão bem. Era um momento que ele poderia se anestesiar de todos os pensamentos que o atormentavam durante o dia e ele almejava por isso, ele precisava disso.

***(CENA DE USO DE DROGAS)***

Ele não saberia dizer quando o uso de drogas começou exatamente, pois desde os 17 anos fotógrafos davam shots pra ele antes de alguma sessão de fotos para que ele não ficasse tão nervoso e eles não perdessem um dia de trabalho. 

Então foi algo que começou silenciosamente mas que com o passar do tempo ele precisava de pílulas e eventualmente cocaína para conseguir gravar algumas de suas cenas ou fazer a turnê mundial de divulgação de seus filmes já que quase não tinha tempo pra dormir, e estimulantes eram a única forma de se manter acordado.

***(FIM)***

Sem elas, Harry voltava a lembrar constantemente de seu vazio e sua insatisfação com a vida, e seu agente sabia disso. 

A primeira dessas festas que ele foi Simon havia ligado na noite anterior e falado que "sabia que ele precisava relaxar, havia notado que estava tristinho nos últimos dias e queria animá-lo". 

Ao chegar na mansão Harry foi apresentado a um mundo onde tudo era possível, todos os seus desejos mais absurdos poderiam ser atendidos pela equipe por alguns milhares de dólares. 

Drogas eram servidas em bandejas de prata e as garrafas de Dom Pérignon eram cravejadas de cristais Swarovski, que brilhavam quando eram servidos em taças altas.

Assim que o carro estacionara sentiu a vibração do celular:

Elle era uma garota doce e Harry se sentia mal por não tratá-la como deveria

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Elle era uma garota doce e Harry se sentia mal por não tratá-la como deveria. 

Não era nada com ela, os dois passavam bons momentos quando estavam juntos, mas ela era um lembrete constante de que ele não poderia ser ele mesmo para o mundo. 

E toda vez que ela mandava mensagem - ela mandava muitas mensagens por dia - ele lembrava do dia que Simon e sua equipe o sentaram numa sala - espaçosa e bem iluminada, usada para reuniões importantes - para argumentar com ele o porquê de eles não acharem que era o "momento certo" para que ele assumisse sua sexualidade diante à mídia.

Harry escutou aquelas palavras e depois delas todos os sons se tornaram zumbidos em seus ouvidos e passou a sentir a ardência de um machucado recente, como se tivesse acabado de ralar os joelhos ao cair da bicicleta, mas quando isso acontecia quando era criança ele sempre podia esperar por sua mãe, Anne, vir correndo para pegá-lo em seus braços e dizer que estava tudo bem. Mas, naquela sala, Anne nunca chegou. 

Estava sozinho.

The MansionWhere stories live. Discover now