vinte e um

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"o que quer que aconteça amanhã, nós tivemos o hoje" - david nicholls

Drogas tem fases, começam fracas até atingirem seu ápice de euforia mas ao longo das horas correndo pelo seu sistema elas decaem, trazendo o humor do usuário para um estado mais vulnerável. 

Quando estavam voltando pro carro, com os pés na areia, Harry viu que era quase de manhã. 

O escuro anterior do céu dava lugar a um crepúsculo.

- Você quer ficar pra ver o nascer do sol? - sorriu e mexeu a cabeça em direção à praia - É que eu... não quero voltar ainda

Louis também não queria. Não queria voltar para aquela realidade crua onde todos os dias eram iguais. 

Sabia que aquele momento ali com o ator não era sua vida - na verdade sentia como se tivesse seguido o coelho branco em direção ao país das maravilhas - e que ele teria que retornar, mas faria de tudo para prolongar aquela aventura.

- Pode ser - talvez fosse a maneira de não parecer tão animado

Chegaram mais perto do mar que estava agora o mais calmo que já esteve e sentaram um ao lado do outro na areia gelada. Naquela hora de transição da madrugada para a manhã era completamente quieto, até para uma cidade como Los Angeles. 

Os únicos sons audíveis eram do vento e das ondas que iam e voltavam. 

Naquele silêncio os pensamentos ficam impossíveis de ignorar.

- É engraçado, eu moro em LA desde que eu tinha quinze anos e nunca tinha vindo aqui - o maior abaixou a cabeça

- Sério? - arregalou os olhos azuis - Nunca quis vir?

- Acho que eu nunca tive tempo... - a voz era baixa - E mesmo se eu quisesse, não poderia. Seria um alvoroço de pessoas e guarda costas e Simon provavelmente falaria que daria muito trabalho pra ir a um mero parque de diversões. E ele teria razão.

Ouvindo a fala o menor percebeu que nunca tinha parado para pensar sobre aquilo. Poderia ir onde bem entendesse e provavelmente conhecia todos os cantos da cidade.

- Mas em compensação você vive viajando pra todo lugar no mundo, deve ter conhecido lugares muito melhores do que esse píer antigo, certo? - tentou confortá-lo

- A maioria esmagadora das minhas viagens são a trabalho, então eu só conheço interiores de hotéis. E o resto das viagens, quando eu tenho raros dias de folga, eu geralmente visito minha família em Manchester... mas nem isso eu tenho feito ultimamente.

Deu uma pausa antes de continuar.

- E de qualquer forma, eu não quero viajar assim...

- Assim como?

- Não quero viajar como Harry Styles. De que adianta conhecer lugares incríveis se eu estarei sempre na pele de mais um dos meus personagens? Sempre sob as lentes famintas dos jornalistas, esperando que eu faça alguma coisa digna de manchete pra encher os bolsos deles. Sem poder ir com quem eu realmente quero ou fazer o que eu realmente quero - uma lágrima escorreu pela bochecha - Quero viajar quando eu puder ser só o Harry.

Louis ouvia atentamente cada palavra do de olhos verdes, surpreso por nunca imaginar que alguém como ele estivesse passando por algo assim, mas também reconhecendo o sofrimento muito bem. 

Os dois rapazes estavam perdidos em si mesmos, fragmentados. 

Ambos eram versões distorcidas de quem um dia foram e isso doía. Um que só podia ser quem era nos lugares escondidos e escuros e outro que queria desesperadamente sair dali e finalmente ser iluminado pelo sol. 

E quão engraçado era que se encontravam justamente ali agora, sob céu escuro que se transformava lentamente em tons rosados e alaranjados de luz do sol. 

Enquanto observavam a mudança nas cores, era como se dissessem "sente ao meu lado em momentos de solidão compartilhada, conscientes tanto de o quanto estamos sozinhos e o quanto pertencemos juntos".

O menor virou o corpo para olhar no rosto do ator.

- Eu não fazia ideia de que era assim - o olhar era triste

- Ninguém sabe... isso é o pior de tudo. Quase ninguém saber quem eu sou. A maioria das minhas relações com outras pessoas são baseadas em uma mentira. Você tem noção o quanto isso me faz sentir sozinho? É como se eu estivesse em um filme desde os meus quatorze anos, tendo que modificar até como eu falo, como eu me visto. Ter milhares de pessoas dependendo do seu trabalho o que consequentemente te faz sentir culpado pra caralho até de pensar em descansar. Me sinto culpado por tudo e manter esse personagem é a única forma que eu tenho de não decepcionar ninguém - o choro aumentou e olhou de volta para os olhos azuis - Eu tenho tanta inveja de você...

Isso pegou o menor de surpresa, já que era justamente o contrário. 

Tomlinson daria tudo para ser como o rapaz a sua frente, que sempre o impressionava com a sua espontaneidade, sempre irradiando calor e alegria. 

Mas mesmo que Harry estivesse só fingindo e não fosse de fato a pessoa que ele imaginava, sabia que não era tão triste quanto ele, que já não conseguia nem fingir.

- De mim?

- Com certeza foi necessária muita coragem para ser um... acompanhante. Deve ter enfrentado muito preconceito mas, aqui está você. Vivendo abertamente tanto sua sexualidade quanto a sua profissão e ainda fazendo piada de tudo isso - deu uma risada pequena em meio ao choro

Escutar aquilo foi como um soco no estômago. 

Se agora conhecia um pouco mais o verdadeiro Harry, percebeu que o reconhecimento não era recíproco. 

De novo foi encurralado no canto obscuro da prostituição, com o maior ainda achando que ele era corajoso quando a realidade era que ele era um covarde. 

A escolha da profissão foi uma escolha covarde, assim como todas as escolhas que se seguiram. 

E, depois de toda a merda que viveu, escolheu se isolar na zona de conforto, covarde demais para viver a vida. 

Notou ali que nem a coragem de contar a verdade como Styles fez ele teria.

Querendo ou não, aquele era seu cliente e ao longo da vasta experiência perdeu as contas de quantas vezes tinha que sentar e ouvir alguém que estava vulnerável para ele, até brincava com Liam que na maior parte do tempo não eram prostitutos e sim psicólogos. 

As drogas já estavam se dissipando e não estava mais no país das maravilhas. 

Estava ouvindo um cliente se lamentar de sua vida, como já havia feito milhões de vezes. 

Se ele teve um pequeno impulso de falar toda a verdade para aqueles olhos verdes, agora havia desaparecido, e isso foi pior ainda. Ele não podia se abrir com ele, simplesmente não podia ultrapassar os limites da relação profissional. 

Ele fez então, a única coisa que podia.

- Eu espero que um dia o mundo conheça o Harry.

Entrelaçou os dedos pequenos com os longos do ator e abriu um sorriso agridoce. O menor sabia como confortar clientes como ninguém. 

Os olhos verdes brilhavam com as lágrimas enquanto apertava um pouquinho mais forte a mão do menor. 

Ele estava feliz de ter contado isso para alguém, talvez um acompanhante não fosse a pessoa ideal, mas algo em Louis o passava segurança, um sentimento de familiaridade. 

Ficaram de mãos dadas até que o céu estivesse totalmente azul e decidiram que era a hora de ir embora.

The MansionWhere stories live. Discover now