Capítulo 103

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Eu estava nervoso.

Resolvi seguir o conselho de Ana Laura e vim ao encontro de minha mãe. Estava com os dedos inquietos, com o corpo encostado na moto.

Já havia chamado por ela na recepção do lugar onde ela estava morando, mas a demora de sua vinda rasgava meu peito de ansiedade.

Peguei o capacete e o coloquei, passando a perna pela moto e me ajeitando para ir embora, quando ela apareceu e me olhou alegre.

Suspirei de medo. Não dava mais para ir e agora eu teria de enfrentar essa angústia frente a frente.

Ela se aproximou e eu retirei o capacete, colocando-o sobre a moto e descendo da mesma. Ela observou a moto e seus olhos cansados vieram em mim, mais uma vez.

– Você sempre gostou de motos, desde pequeno. Lembro da vez que você poderia escolher qualquer brinquedo, de uma loja cara que seu pai lhe levou. Você pegou a moto de plástico e entregou para ele, dizendo que era aquilo que queria. Sorriu ladino e abaixou a cabeça, limpando uma lágrima que não chegou a cair.

Eu não me lembrava deste momento, mas me lembrava da moto de plástico que brinquei a infância inteira, até que quebrasse.

– O papai está morto... Engoli em seco e seus olhos vieram assustados ao encontro dos meus, que estavam marejados.

– O que aconteceu? Se aproximou mais. – Do que ele morreu, Estevam? Suplicou por uma resposta.

– Ele teve um mal súbito, de certo pelo vício na bebida que teve depois que a senhora foi embora. Funguei. – Faz quase um ano que tudo aconteceu.

– E sua irmã? Como está minha pequena Estefani? Suspirou.

– Ela já não é mais tão pequena. Desviei o olhar. – Mas está bem. Foi a que mais sofreu com a morte do papai.

– Se eu soubesse! Apertou as mãos.

– Eu não tenho muito tempo, então pode falar logo o que queria naquele dia? Apertei os olhos.

– Bom... Suspirou. – Eu sei que nada justifica o que eu fiz, afinal nenhuma mãe abandona seus filhos... Eu estive doente da cabeça. Me olhou nos olhos. – Depois que sua irmã nasceu, eu decidi que não queria mais ter filhos. A gravidez foi muito conturbada, bem como o parto. Eu fiquei depressiva após o nascimento de Estefani e sentia que não podia dar amor e um lar com uma família saudável pra vocês dois.

– E aí decidiu ir embora? Arqueei a sobrancelha.

– Não... Se sentou em um banco próximo de nós. – Seu pai sempre quis ter outros filhos, mesmo com a minha recusa depois do grande trauma que tive com Estefani e por fim eu acabei engravidando. Porém, eu descobri algumas anormalidades no útero que me fizeram perder o bebê e eu fiquei pior ainda. Me culpava pelo que tinha acontecido e pela vida que se foi por conta disso.

– Eu ainda não entendi onde entra o abandono... Cruzei os braços e encostei na moto.

– Depois que se passaram algumas semanas, esse sentimento de culpa foi se apossando de mim e eu pensei inclusive em me matar. Eu não os via mais como meus filhos e minha vida deixou de fazer sentido. E então, depois de uma consulta de rotina, descobri que aquele problema que tive no útero, ainda estava lá e que precisaria fazer uma cirurgia às pressas. A cirurgia era arriscada... Suspirou. – E eu sabia que a dor que vocês sentiriam se eu morresse seria muito maior do que se eu simplesmente sumisse. E foi o que eu fiz. Eu sumi para poupa-los caso viesse a morrer no centro cirúrgico.

– Mas você não morreu... Por que não voltou para casa? Indaguei.

– Porque não tinha condições psicológicas para cuidar de vocês. Como seu pai sempre foi muito cuidadoso com a criação de vocês, acreditei que ele desempenharia um ótimo papel no dia a dia de vocês. Me olhou aflita. – Depois que a cirurgia acabou e eu me recuperei por completo, busquei ajuda psicológica e fui diagnosticada com depressão moderada com alguns quadros de psicose. Não tinha condições de voltar para casa nesse estado, então fui internada e iniciei um tratamento que levou anos para que eu pudesse estar aqui conversando tranquilamente com vocês.

– Eu sinto muito que tudo isso tenha acontecido com você e imagino o quão difícil foi superar tudo, mas eu tenho certeza que não só o papai, mas eu e a Estefani poderíamos ter te ajudado nestes episódios.

– Eu tinha medo de seu pai me abandonar, pois eu não poderia mais ter filhos. Imagina como seria se ele tivesse saído de casa e eu tivesse que cuidar de vocês dois com um quadro de depressão psicótica? Franziu o cenho.

– E porque não nos procurou depois que se recuperou de tudo?

– Eu achei que vocês já tivessem me esquecido. Eu passei algumas vezes na frente da nossa antiga casa, mas sempre que pensava em me aproximar e bater na porta, eu recuava e ia embora por medo da rejeição. Eu não suportaria outro baque desse meu filho!

– E o que eu faço agora? Com todas essas informações? Com Estefani... Passei as mãos na cabeça.

– Eu vou entender se não quiser me perdoar, mas eu tinha que ter a oportunidade de dizer que não os abandonei... e de pedir perdão! Se você disser para eu ir embora, nunca mais lhe procurarei. Me olhou nos olhos.

– Eu não sei... Preciso de um tempo para pensar. Olhei para o chão e suspirei.

Ela se levantou e me abraçou forte. Eu não esperava por aquele abraço, mas foi tão reconfortante sentir os braços de minha mãe, me protegendo de todas as coisas ruins do mundo.

Uma lágrima escorreu por meu rosto e eu a abracei. A apertei em meu corpo como se houvesse apenas nos dois naquela rua.

– Me perdoa meu filho. Fungou. – Eu te amo tanto! Acariciou meu cabelo.

– Eu também te amo mamãe... Apertei os olhos.

– Me leve até Estefani... Eu preciso ver minha filha! Me olhou passando a mão em meu rosto.

– Não, eu preciso falar com ela primeiro. Limpei meu rosto. – Não apareça ainda, eu te aviso quando puder vê-la.

AmanteWhere stories live. Discover now