Jaqueta

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    Eu realmente precisava da minha jaqueta de volta, o fato de o meu guarda-roupa ter mais três jaquetas de couro não muda nada, eu necessito daquela que ela usou. Decidi que passaria em sua casa no intervalo do meu trabalho, como normalmente eu saio para estudar música não mudaria muito. Quando deu o horário peguei meu capacete e minhas chaves e me direcionei para sua casa. O caminho entre o meu trabalho e sua casa não era muito grande, em vinte minutos já estava parada em frente a construção sem saber o que fazer. Retirei o capacete e deixei na moto, reparei que ainda usava o uniforme do serviço e meu boné para trás, foi automático virá-lo antes de por o capacete.

Sem muita coragem dei duas batidas na porta, o quão estranho podia ser alguém chegar na sua casa cobrando uma jaqueta que esqueceu de pegar no dia anterior? Virei a aba do boné para frente e peguei um chiclete para mascar, enquanto esperava. Como não obtive resposta, repeti o ato, duas batidas na porta a minha frente. Tentei achar uma campainha ou um sinal de que havia alguém em casa, ao dar dois passos para trás para ver melhor vejo a maçaneta mexer.

— Quem gostaria? — um rapaz pálido apareceu na porta — É você? O que faz aqui de novo? Não bastou fazer com que a minha menina chegasse em casa no horário que vocês apareceram?

— Eu peço perdão pelo ocorrido, novamente — falei com seriedade — o senhor tem todo o direito de não gostar da minha presença — completei com a voz firme passando a verdade em minhas palavras — entretanto há coisas com a sua garota que me pertencem. O senhor poderia chamá-la para eu poder pegar e sumir da sua vista — seu olhar de desdém me fez perder toda a paciência.

— Não gosto do seu tom — comentou e eu apenas levantei mais a cabeça para que ele encarasse minha cara de tédio — tente ter menos preguiça e acorde mais cedo, já são dez horas, ela saiu e foi para a aula de dança com um rapaz, ela saiu com uma mochila que eu não conhecia, talvez seja a sua — cuspiu as palavras e isso me encheu de raiva.

— Não é muito importante o horário que eu acordo, mas me sinto na obrigação de lhe informar que não passei mais cedo por não querer atrapalhá-la, achei inconveniente chegar antes do sol — cuspi as palavras como ele, minha paciência para pessoas assim não era muito grande — pude sair do trabalho somente agora.

— O projeto de delinquente trabalha? — comentou baixo, quase inaudível, devia ser uma afirmação para si próprio — ela não se encontra, não sei quando volta, então não vou fazer sala para você até que ela chegue. Se quiser espere aí fora, ou volte mais tarde, sinta-se a vontade.

— Agradeço sua generosidade — respondi com uma falsa cortesia — se não for abusar da sua boa vontade, gostaria que entregasse isso para a sua menina — falei essas palavras no mesmo tom que ele havia usado anteriormente, com um grande tom de posse — é meu cartão do meu trabalho da manhã.

— Entregar um papel não vai ser difícil — falou lendo o cartão com uma expressão já esperada por mim — M. Abadeer — falou em tom baixo em dúvida — Você faz parte da família Abadeer?

— Somente de sobrenome — respondi com um tom comum para mim nessas situações que envolviam o nome do meu pai — não faço parte de qualquer outro negócio que os Abadeer fazem.

— Não sei se isso me preocupa ou me alivia — comentou ainda encarando o pedaço de papel — de qualquer forma isso não muda nada, vou te ver mais de três vezes? Creio que não — falou com mais desdém, reação comum ao ver o meu sobrenome.

— Se o senhor me permite preciso retornar ao meu emprego — falei estendendo a minha mão e ele a aceitou — o vejo em breve — falei quando nossas mãos se separaram e caminhei para minha moto virando o boné para trás novamente — não se esqueça do cartão.

Liguei a moto e sai rumo a oficina mecânica a qual trabalhava no período da manhã e o começo de tarde. Para mim era melhor trabalhar no horário de almoço mais cedo e cobrir a oficina no período em que todos estavam almoçando. Eu tinha que retribuir de alguma forma todo o apoio que recebi de Simon quando sai de casa e não tinha onde trabalhar. Eu cobria o horário de almoço, se houvesse alguma emergência eu estaria lá e comia algo antes, no intervalo. Resolvi que um lanche seria bom para um dia como aquele.

Lembrar do meu pai era desagradável. Um homem sem escrúpulos, arrogante, irritantemente babaca e dono de um império. Ele nunca foi um pai amoroso, presente ou ao menos educado. Quando cansei de ser apenas uma peça de xadrez em sua vida saí de casa e fui morar no prédio abandonado em que o show aconteceu. A única coisa que eu tinha era a moto, que comprei com o dinheiro que minha mãe tinha me deixado em um banco antes de morrer, e alguns trocados. O jeito que aquele homem me olhou me lembrou do desgosto que sentia no rosto do meu pai toda vez que me encarava.

Engoli meu lanche junto ao refrigerante que pedi e me encaminhei para a oficina. Não sei se o destino queria que eu tivesse a minha jaqueta logo, mas algo ele estava tramando. Enquanto eu passava pelas últimas ruas até chegar ao meu destino, tive que parar em um semáforo. Uma música alta tocava no prédio a minha esquerda, de relance olhei para o lado, sem um real interesse. E ela estava lá, sem pensar muito parei a minha moto em um canto e entrei no local. Era muito espaçoso e a música que dançavam era escutada por todos no quarteirão, provavelmente. Aproveitando que a secretária não estava localizei a minha jaqueta e a troquei um por pequeno bilhete.

"Eu estive aqui, devido a um atraso no meu trabalho, não pude esperar para conversamos direito. Espero não ter atrapalhado, meu contato está com o rapaz da sua casa."

Depois de escrever percebi que somente o tamanho do papel era pequeno, mas eu precisava explicar o ocorrido. Segurei a jaqueta sobre meu ombro esquerdo e sob minha mão esquerda e caminhei até minha moto. Retirei a camisa cinza escura do trabalho, ficando apenas com uma regata preta e logo coloquei minha jaqueta favorita. Verifiquei os bolso e encontrei tudo em seu devido lugar, aproveitei e troquei o meu chiclete. Dei a partida e me encaminhei para a minha rotina novamente.

— Aconteceu algo com você hoje? — Simon questionou intercalando o olhar entre o relógio da parede e meu rosto — pela primeira vez você se atrasa.

— Sinto muito — falei realmente com culpa e peso na consciência — compenso no horário da saída, prometo.

— Para se atrasar para a sua aula? — questionou chegando mais perto estacionando a moto — Se eu for juntar toda hora extra que me fez sem cobrar tenho plena certeza que vou perder muito — completou me fazendo me sentir levemente melhor, eu quem devia muito a ele — então, que bicho te mordeu para isso acontecer.

— Bicho nenhum — falei retirando a jaqueta, ela estava com um cheiro diferente, era bom, mas não era o que ela costumava a ter.

— Que sorriso é esse então? — perguntou se afastando e me deixando essa dúvida, eu estava sorrindo?

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E aí gostaram? Os capítulos até aqui estão intercalados, impar um personagem par outro personagem. Mais pra frente não será intercalado então no início terá o nome de quem está interpretando.

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