❝Sittin On The Dock of The Bay❞part/5

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Recordações não deviam exercer um sentimento ruim, não deviam nos fazer esgueira pelo murro da angustia, e tristeza. Mas bom, a maioria deles nos faz ter sentimentos ruins. As lembranças se tornam fobia, e esse medo pode gerar raiva, e por fim vingança.

Havia uma precipitação lá fora. Horas antes a chuva estava torrencial, mas diminuíra a intensidade das gotas conforme o tempo progredia. Anualmente os Anderson, em conjunto com a vizinhança, realizavam um evento. Comemoravam a convivência harmoniosa em Wistally Anson. No ano em questão, os Anderson eram responsáveis a cumprir o evento em sua residência.  

Kiara está no meio de sua adolescência, anos anteriores descobrira o câncer. Aquela semana os médicos do hospital deixaram ela ficar com a família em casa, mesmo com os exames apontando alguns declínios.  

As irmãs trajavam o mesmo modelo de vestido, mas com tonalidades divergentes de um azul.  

Os cabelos da garota eram loiros, ao contrário do resto da família que havia cabelos castanhos. Diziam que ela terá os traços de seu avô materno. Os olhos, o rosto, inteiramente idênticos. Seus fios estavam ralos, recuperando-se da quimioterapia. A tiara de azul cobalto, complementava o seu traje.  

Ela transparecia uma delicadeza, e uma ingenuidade. Jane ensinava muito bem como se comportar, uma bela caricatura apreciável e robótica.

Sorria amena ⎯  embora não fosse um sorriso verídico⎯  para cada ser humano que cruzava o seu olhar.

Kiara observava os rostos no recinto, perguntará se no dia do seu funeral haveria tanta gente, quanta aquela.

Sua mãe exigiu que ela cumprimentasse os vizinhos, para criar vínculo com eles. A garota não falava com os seus vizinhos, além dos Resten. Ela não saia com constância de sua casa.

Ela agora falava com os Dewan, que moravam no quarteirão anterior a sua rua. No entanto, parecia que todos só estavam dispostos a falar de um assunto, assim como as outras famílias que ela conversou: Cancêr.

Era a única coisa que eles se interessavam em dialogar. Fora uma noite desconfortável, com todas aquelas pessoas embriagadas de egocentrismo, a enfadando com interrogações.

Robôs com todas as respostas prontas sobre qualquer que fosse a questão.  

Ela é tão jovem. Olhar de pena, olhar de pena, e mais olhar de pena. Graças a Cristo não são os meus filhos! E mais olhar de pena.

⎯  Peço que me desculpe, irei me ausentar por alguns minutos. ⎯  Murmurou ela aos Dewan.

Ela quer escapar, sentir como se tudo não fosse tão forçado, que devesse seguir um roteiro. Até o seu respirar devia ser algo minimamente controlado.

Ela checava o teto do ângulo que a banheira retangular de granito a fornecia.

Faz pelo menos meia hora que está escondida dos membros daquela peça de horrores. Ainda dá para ouvir um som distante de vozes e um soneto de Tchaikovsky ao piano.

Kiara costumava utilizar o toalete da parte de cima dos cômodos. Eles eram menos usados, e podia se trancar. Ela higienizava as mãos quando sentiu um liquido quente descer por seu nariz, e fixou os olhos no espelho.

Os coágulos de sangue saiam pelas narinas, percorrendo por sua face, marcando o vestido em segundos.  

Começara transbordar. O gabinete, a pia de mármore, as suas vestimentas e peles, encharcados de sangue. Ela desesperada, arrancou as toalhas devidamente dobrada sob a mármore do balcão, e estancava os litros de sangue que era dispersado feito jato.

Ela não consegue compreender. Seu abdômen se contrai, e quer muito vomitar.

Oh, meu Deus

⎯  Alguém me ajude, por favor. ⎯ Implorava ela, correndo pelo corredor. Era a quinta vez que aquilo ocorria com ela depois do tumor, e não importava quantas vezes aquilo acontecia, ela sempre ficará assustada.

Kiara escancarou a porta do quarto de Virginia, e se deparou com a adolescente beijando o filho dos Stifferson.

Virginia largara os lábios do jovem rapidamente, vendo a sua irmã aturdida, banhada por sangue.

Zade Stifferson, é um garoto magro com olhos azuis escuros intensos, e cabelos caramelizados. Ele retirou as mãos da cintura da garota, em um ato hesitante.

Eles estavam parados no meio do quarto. Kiara acanha-se, algo a diz que não devia ter visto aquilo. É errado, o que viu acontecer, é errado.

⎯  Virginia, preciso de ajuda.⎯   Ela geme, não conseguindo controlar a tremedeira que circula pelo seu corpo.

Uma perfeita máquina enguiçando.

⎯ Isso é sangue?⎯  perguntou o Stifferson, com a expressão chocada.

Nessa época, Agnes Vincezo estava em Puerto rico, e Dereck Anderson numa reunião de negócios do outro lado do país. Estava praticamente sozinha, embora não soubesse.

Virginia a examinava, sem mover nenhum musculo, ela cruzou os braços, e a sua expressão implicante, de quem não iria fazer nada.

Milagrosamente, se é assim que Kiara poderia descrever aquele momento, a sua mãe surgia no fim do corredor. Talvez a procura dela, ou talvez a procura de Virginia, o que era mais provável.  

⎯ Mamãe.⎯  disse a garota loira, envolvendo o nariz com o lado da toalha que ainda não fora atingido pelo sangue. ⎯  Tem que chamar a ambulância, agora!

Kiara sentia calafrios, e a sua temperatura aumentou aos poucos. Foi assim que algumas de suas convulsões começaram.

Jane Anderson arregalou os olhos vendo os respingos de sangue mancharem o piso polido. O seu salto parou de repercutir em subitâneo no chão, evitando que o seu scarpin Saint Laurent, tocasse no liquido que emerge.

Ela está a um metro da ensanguentada.  

⎯ Perdeu o juízo? Quer causa um tumulto e falatório? ⎯  Advertiu em exasperação, inflexível ao olhar lacrimoso da filha mais nova. Cuja a aparência da jovem de compostura graciosa, agora, desfalecia e reconstituía numa garota de vestido azul cobalto submersa por sangue.

Uma garota que ao seu vê não devia usar uma tiara, por evidentemente não ter cabelos ⎯  somente fios geminando.

As bochechas, mãos e braços enodoados pelo liquido vermelho. Aquele rostinho apreensivo, em um desiquilíbrio emocional.

Sem Cores, Sem DoresWhere stories live. Discover now