60. Ameaça

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Acordei com o barulho estridente do celular tocando logo de manhã. Abri os olhos lentamente, sentindo-os doerem com a luz forte e clara que vinha da janela aberta.
  -Hmmm...- resmunguei, rolando sobre a cama e procurando o aparelho celular pelo colchão apenas com o tato - Onde... está?
A coisa continuou tocando, então, resolvi me levantar de uma vez. Sentei-me, ainda grogue e sentindo uma dor de cabeça infernal tomar conta de todo o meu cérebro. Pois é, se acha que vampiros não passam por ressacas, lembre-se de que podemos beber mais que uma pessoa comum, o que quer dizer que uma hora ou outra a ressaca vai pegar você.
Segui o som do toque irritante que Damon havia colocado no meu celular e o encontrei embaixo da cama.
Nunca mais bebo desse jeito, resmunguei, já atendendo a coisa ajoelhada no piso de madeira.
  - Bom dia, Bonnie! - gritou a voz animada do outro lado da linha.
Sentei-me desajeitadamente, percebendo as roupas do trabalho que eu nem havia feito questão de trocar antes de cair na cama noite passada.
  - Ei, fala baixo, Care... - implorei, gemendo de dor - Tem elefantes sapateando no meu crânio.
  - Eu fiquei sabendo da festa no Grill - parabenizou - Fico feliz que esteja finalmente se divertindo. E sobre a Eve, pode deixar que eu a levo na escola hoje.
  - Obrigada - falei, aliviada - Eu não sei se conseguiria lidar com os gritos das crianças na porta da escola.
  Aquilo a fez rir.
  - Nessas horas a boa audição de um vampiro pode ser uma tortura... Ah, bom dia, querida! Quer falar com a mamãe? Aqui.
  Houve um som de deslocamento do aparelho celular.
  - Mamãe? - perguntou uma Eve sonolenta do outro lado da linha - Você está bem?
Meu dia, que havia começado doloroso e desconfortável, ficou um pouco melhor.
  - Bom dia, meu amor - cantarolei,  tratando de tomar vergonha na cara e levantar do chão - A mamãe bebeu um pouco demais com o tio Tyler na noite passada e como castigo estou com muita, muita dor de cabeça.
Do jeito que eu estava sorrindo, ninguém iria acreditar que eu morria de ressaca por dentro, mas Eve tinha o dom de fazer todos os problemas parecerem bobos e supérfluos perto de sua presença.
  - Ele ficou abraçado com a garrafa de novo? - perguntou, rindo.
  - Sim - assenti com a cabeça - Como se ela fosse o amor da vida dele.
Isso arrancou mais risadas dela.
  - Você tomou remédio e bebeu bastante água? - perguntou, preocupada - Porque é isso que o tio Damon faz quando bebe muito daquele suco de uísque.
O modo como ela explicava as coisas era extremamente adorável.
  - Me lembre de não deixar mais você passear com o tio Damon com tanta frequência.
  - Eu não quero mesmo - a imaginei dando de ombros - Ele é um chato.
- Não diga isso, querida - pedi - Ele a ama tanto. Assim você magoa o tio Damon.
  - Ele fala coisas idiotas, rouba em todos os jogos e não divide os doces comigo. Eu não gosto mais dele.
  - Você não ligava para isso antes, querida - murmurei, sabendo bem quem havia mexido com sua cabeça daquele jeito - O Peter foi muito malvado fazendo você pensar cruéis como essas.
  - Não fala assim dele! - gritou.
Fiquei em silêncio, chocada demais para repreendê-la. Eve nunca havia levantado a voz para mim. Nunca.
  - Ei, pestinha - ouvi Caroline dizer, brava - Não grite com a sua mãe.
  - Mas ela chamou o Peter de malvado! - gritou de volta.
Houve um som alto. Imaginei que fosse o celular sendo largado sobre alguma superfície e em seguida sons se passos rápidos.
  - Bonnie? - Caroline atendeu em seguida - O que deu na Eve? Ela nunca ficou agressiva assim.
Suspirei, passando as mãos pelos cabelos embaraçados.
  - K... Essa pessoa que estava falando com ela a influenciou mal - murmurei, tentando disfarçar o fato de ter quase dito o nome de Kai em voz alta  - Eu não gosto de discutir com ela, Caroline.
  - Não se preocupe - me consolou - Birra de criança passa num instante. Falo isso porque tenho duas. E pode deixar, que mais cedo ou mais tarde vamos descobrir quem é esse Peter e vamos acabar com a raça dele.
Engoli em seco.
  - Sim... Vamos, sim.
  Me despedi de Caroline, prometendo que iria buscar Eve em sua casa depois da escola. Esperava que ela estivesse menos irritada até lá.
Tratei de ir tomar um banho e dar um jeito naquela ressaca antes de dar as caras no trabalho. Já usando um vestido azul acinturado e com uma saia solta, desci as escadas e fui tomar o café da manhã. O que consistia basicamente em três bolsas de sangue.
No início, eu não precisava me alimentar de sangue com muita frequência, mas conforme meu corpo vinha mudando, minha fome também cresceu estratosfericamente. Eu precisava estar muito bem servida para passar um dia inteiro como uma pessoa normal e sem dores de cabeça assassinas. Eu suspeitava que Eve também fosse passar por isso no futuro. O que mais me apavorava era em pensar que talvez ela estivesse fadada ao mesmo destino que eu, então, por conta disso, quando não estava trabalhando, estava caçando todos os tipos de feitiços capazes de reverter a nossa condição. Nem mesmo A Cura não surtiu efeito. E olha que eu também  tentei isso.
Com todas estas questões rondando minha cabeça, olhei distraidamente para o relógio sobre a geladeira da cozinha.
  - Merda! - corri escada acima, me maquiei mais rápido que a luz e ainda estava calçando os sapatos e pulando pela varanda que dava vista para quintal de frente da casa quando estacionei meu olhar do outro lado da rua. Lembrei da visão estranha da noite anterior. Uma figura que me observava silenciosamente e sem mover um músculo.
Sacudi a cabeça. Foi apenas o efeito da bebida, assegurei à mim mesma, enquanto segui para o carro.
Cheguei ao escritório ao mesmo tempo que um ser humano acabado usando terno Armani.
  - Você tá acabado, hein? - provoquei, vendo o rapaz baixar os óculos escuros e piscando fortemente com a luz do sol.
  - Já perdi as contas de quantas vezes vomitei no caminho - confessou, com olheiras escuras sob os olhos castanhos - E não zombe de mim. Você não está em melhor estado, Bennett.
  - Não foi você quem disse que era uma boa idéia virar tequilas a noite toda? - ri da careta que ele fez ao ouvir o nome infeliz.
  - Por favor, nem me lembra disso... - colocou a mão sob o estômago irritado - Tem algum anti-ácido aí?
  - A nerd aqui sempre anda precavida - tirei a embalagem da bolsa e ofereci o café que comprei no meio do caminho à ele, enquanto entrávamos - Onde está Elize? - questionei, vendo a mesa vazia do lugar.
  - Eu disse à ela que viria mais cedo apenas para cumprir horário e que ela poderia faltar hoje já que não vamos ficar abertos o dia todo, mesmo.
- Você está tão mal assim?
  - Ah, eu tô péssimo - ele riu - Ei, Bon? Quem era aquele cara estranho com quem falou na noite passada lá no Grill? O grandão sinistro.
Franzi o cenho. Tinha me esquecido completamente dele.
  - Não sei, apenas nos esbarramos. Mas...
  - Mas?
  - Eu tenho a impressão de que o vi em algum lugar antes.
  Tyler riu pelo nariz.
  - Aquele não parece o tipo de cara que se conhece por aí. Está mais para tipo que te caça na calada da noite.
  - Você é tão bizarro - forcei uma risada, mas por dentro eu estremeci - Vamos ao trabalho, Sr. sócio Lockwood.
  - Vamos ao trabalho - concordou, me seguindo pelo corredor que levava à nossas salas.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now