48. Despedida

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Oie ~

Achei que essa música combinava com o capítulo 🎶

Nada seria capaz de me preparar para a cena que encontrei no meio daquele salão.
Alguns minutos antes eu imaginava que seria destroçada viva por toda a sorte de lobisomens daquela matilha. Mas eu não sabia que eles tinham problemas maiores que isso.
Parada diante dos portais que levavam de volta ao salão, completamente coberta de sangue, e segurando uma joia de valor inestimável, vi uma das cenas mais horrendas de toda minha vida.
Corpos.
Haviam dezenas deles por todos os lados. De homens, mulheres e até crianças. Todos estavam cobertos de sangue, com marcas de perfurações de bala, decaptados, com os corpos partidos ao meio ou com membros faltando.
Aquilo era mais do que um terrível banho de sangue. Era pura selvageria.
Tentei localizar Kai no meio daquele estardalhaço, achando que ele podia ser o causador de tamanho horror, mas tudo o que consegui distinguir foram os homens vestidos de negro - que supus ser a Guarda da matilha-, apontando rifles e metralhadoras na direção do que pensei serem apenas civis, que estavam machucados, de joelhos, completamente subjugados. Havia outro grupo de pessoas perto acompanhando a guarda. Estavam vestidos como o restante dos convidados e variavam de sexo, mas todos ostentavam a mesma expressão fechada e intransigente. Eles não pareciam pertencer à aquele lugar. Não como os lobos.
Procurei com os olhos por Cecile e a localizei à metros de mim, do outro lado do salão, completamente machucada, porém consciente. Mesmo que não conseguisse ficar em pé com firmeza, parecia ensandecida para proteger as mulheres de seu pai. Ela rosnava furiosamente, mostrando as presas e arranhando o ar na direção dos homens armados que as encurralavam. Pelas marcas de sangue em suas mãos, eu podia dizer que ela havia matado alguns dos homens que tentaram se aproximar.
Apollon nos descobriu, pensei, assustada. Ele vai matar todas nós.
Mas os civis mortos não faziam sentido. Por que, Apollon acabaria com 1/3 da população de servos que o seguiam cegamente? À menos que... aqueles fossem os lobos descontentes com sua posição de poder, que seguiam Cecile. Fazia todo o sentindo ele acabar com um levante no meio de um baile anual, para mostrar seu poder diante de alcateia.
Engoli em seco e rapidamente tratei de esconder o colar com a gema azul em meu decote, tomando o cuidado e mantê-lo seguro dos olhos de Apollon.
Cerrei os dentes ao sentir aquela coisa queimar meu esterno como um pedaço de carvão em brasa. Cada milímetro de minha pele se arrepiou, como se a temperatura à minha volta tivesse caído uns vinte graus. Por mais mínimo que aquilo tenha sido, tive uma sensação esquisita na boca do estômago. Foi como se algo, alguma coisa... estivesse revirando minha mente de um jeito muito sutil, mas não tão sutil à ponto de eu não perceber... Tinha algo errado...
- Ei! Você, bruxa! - ouvi alguém gritar.
Aquilo me fez sair de um transe, como em um estalo violento. Eu não sabia como haviam conseguido me avistar, pois tomei o cuidado de me manter escondida atrás de uma das portas.
- Saia daí! Ou farei farei furos em você! - a voz estridente continuou.
Respirei fundo, sabendo que não haveria escapatória para mim. Não tinha um lugar seguro naquela casa que eles não conseguissem me encontrar. E tive que admitir, que estava um pouco curiosa para saber o que estava acontecendo ali.
- Venha até aqui!-ouvi ele dizer.
Respirei fundo e saí de trás da porta para a luz do salão. Não ergui minhas mãos como faziam nos filmes de ação. Eu não me humilharia à esse ponto. Mantive a cabeça erguida, mesmo tendo uma centena de armas apontadas na minha direção.
- Devagar- avisou o homem da voz estridente, e o reconheci de imediato, era alto, musculoso e careca. Erick, era um dos homens de confiança de Cecile. Bom, de não tão confiança assim- Se você abrir a boca para dizer apenas um de seus feitiços, juro que será a última coisa que fará nessa vida.
Mal sabia ele que minha magia estava momentaneamente desaparecida. Porém, ele não precisava saber disso. Eu devia parecer confiante, mesmo que não me sentisse assim por dentro. Continuei caminhando em sua direção até parar diante dele, com seu fuzil apontado para o meu peito. Isso pareceu deixá-lo perturbado.
- De quem é esse sangue? - questionou, tentando parecer seguro.
Eu percebi o modo como ele me encarou na mansão. O que o Dr. Wong havia dito sobre os lobos era válido, eles temiam o que era diferente. E Erick temia bruxas.
- Não é meu- murmurei com sarcasmo, e olhei em volta- Onde está Kai?
- Quem?
- O vampiro - enfatizei.
Eu não estava nem um pouco preocupada com ele, pois sabia que Kai conseguiria se virar muito bem. No entanto, eu não queria ser morta por lobisomens, e seria apenas uma questão de tempo até Apollon descobrir o corpo de Madeline no banheiro. Kai seria um ótimo guarda costas nesse momento.
Erick sorriu zombeteiramente.
- Eu não sou central de informações, querida.
Sorri de volta para ele.
- Eu posso fazer sua cabeça explodir com um estalar de dedos.
Seu rosto ficou pálido e depois adquiriu um tom escarlate forte. O vi avançar na minha direção, empunhando a arma com a única meta de usá-la contra mim.
Não demonstrei medo. Conviver com Kai havia me endurecido de tal forma que uma morte ridícula daquelas significava um paraíso de liberdade para mim.
- Pare!- ouvi Apollon gritar.
Todos os homens vestidos de negro olharam na sua direção. Eu também.
O que vi, me surpreendeu.
Apollon vinha sendo arrastado até o centro do salão por dois homens da Guarda. Seu terno sempre impecável estava rasgado em alguns pontos e seu rosto gracioso estava sujo de sangue, com contusões e cortes proeminentes. Ele havia sido espancado até perder as forças.
-Ela é...-tossiu sangue-... crucial para nós. Precisamos dela... Argh!
O homem mais poderoso daquela alcateia foi silenciado por um soco no estômago. Apollon caiu de joelhos no chão coberto de sangue.
- Cale-se! - disse o homem de negro que o segurava- Não recebemos mais ordens suas.
- Vocês... Não... Podem fazer isso!- ele grunhiu, erguendo os olhos dourados de forma desafiadora- Eu sou seu líder.
No mesmo instante todos os lobos no recinto se encolheram, como se estivessem sentindo alguma dor, inclusive os guardas. Eu mesma senti um séquito do mesmo que eles: uma necessidade quase dolorosa de subserviência à aquele homem que beirava à loucura. A mesma sensação que tive no primeiro jantar que Kai me levou em sua casa. Ele havia me explicado isso; era o instinto dos lobos inferiores de servir a seu líder. Era algo que eles não conseguiam conter. Era mais forte do que tudo. E vampiros eram levemente afetados por isso. Mesmo que eu não fosse uma, ainda tinha uma parcela de vampirismo em meu organismo. Porém, Apollon não pôde manter seu poder para sempre. Sua respiração falhou e ele desabou no chão, fazendo todos no recinto respirarem aliviados. Inclusive eu.
Enquanto todos se recuperavam daquela horrível sensação ouvi o que se pareciam palmas. E uma risada de quem se divertia muito. Em nenhum momento imaginei que pudesse ser Kai, infelizmente eu conhecia sua risada muito bem, e aquele definitivamente não era ele. Então, do outro lado do salão, vindo logo atrás de Apollon, um rapaz alto, de pele bronzeada e olhos azuis surgiu. Ele sorria de forma caricata para todos em volta, como se fosse o presidente ou coisa do gênero.
Manon Courtaud.
- Papai- ele cantarolou, se aproximando do pai- Quando- disse, agarrando os cabelos escuros do homem, fazendo-o erguer a cabeça bruscamente- vai entender que você já está velho demais, hã? Nossa matilha precisa de um novo líder, sangue jovem!
- Você... Por que está fazendo isso?- perguntou, com mágoa em sua voz- Tudo isso, todo esse império seria seu, quando eu me fosse, filho...
Manon empurrou a cabeça dele para frente bruscamente, o largando. Sua expressão ficando azeda.
- E quando seria isso, papai? Hein?! Quando você morresse?! - berrou- Mas você se esqueceu de que nós somos imortais! E além do mais, eu nunca ficaria no seu lugar, afinal, sua filhinha preferida sempre foi Cecile!
Apollon sacudiu a cabeça em negativa.
- Isso não é verdade...
- Não?!- Manon, deu um chute nas costas do antigo líder, fazendo-o cair de cara no chão. Apollon estava fraco demais para revidar- Pensa que não percebi a forma como sempre foi condescendente com ela? Como sempre fingiu não se importar, para que minha mãe, eu e Isabelle não percebessemos que ainda está apaixonado pela vadia da mãe dela, e que gostava mais de Cecile do que de todos nós?!
- Eu não sinto nada por elas! - Apollon disse, tentando soar irritado, mas seu desespero transparecia. Seus olhos sempre indo e voltando para Íllea e Cecile- A única coisa que posso sentir é pena.
Olhei para Cecile, que mesmo tentando proteger sua mãe e as mulheres atrás dela, vez ou outra olhava para seu pai com pesar. Nosso plano para destronar Apollon nunca consistiu em acabar com ele, ela apenas queria ser livre, assim como eu. Mas eu não contava com traição de Manon.
- Mentira! - disse ele, com o rosto todo vermelho- Ela é igual à você! Os olhos dela! Ela tem sangue puro dos primeiros lobisomens!
- São apenas histórias- defendeu Apollon- Você sabe muito bem que isso é só uma mutação genética ridícula de meus ancestrais. A cor de meus olhos não define se posso ou não ser um lobo alfa.
Manon sacudiu a cabeça, contrariado.
- Pare de defendê-la!- ele gritou, ensandecido- Mamãe estava certa sobre você e sobre todos! Todos vocês são mentirosos, tentado tirar tudo o que é meu por direito!
Apollon parecia a ponto de desmaiar, mas se mantinha firme.
- Eu sabia que isso não havia partido de você. Sua mãe tem ciúmes de sua irmã, por isso colocou todas essas coisas na sua cabeça, meu filho...
- Ela não é minha irmã!-gritou Manon, como o garotinho mimado que era- Isabelle é minha irmã!
Vi os olhos dele irem de encontro ao de Isabelle, que localizei ao fundo, observando tudo com uma satisfação frívola.
- Minha filha, minha pequena Belle...- Apollon sussurrou, apoiando as mãos no chão, para não desmaiar-... Por que está fazendo isso comigo? Eu sou seu pai.
Ela caminhou lentamente na sua direção, rebolando casualmente, até se agachar diante dele e erguer seu queixo com o dedo indicador.
- Eu sei- disse com um pequeno sorriso frio como o da mãe- E não me importo. Como mamãe sempre diz... São novos tempos, novo sangue.
E ficou de pé mais uma vez, voltando ao seu lugar.
- Eu sempre soube- Cecile grunhiu do outro lado do salão- Aquela vadia nunca prestou. Vocês são dois paus mandados da mamãe.
- Cale-se, Cecile! - exclamou sua irmã, irritada- Você é uma invejosa, sempre quis ter o que temoa: a atenção de nosso pai.
- E ter uma mãe louca como a sua? Não, obrigada. Prefiro ficar à sombra de sua grandeza, ó grande Isabelle Courtaud.
Isabelle ficou rubra de raiva.
- E, aliás, onde foi parar Madeline?-provocou Cecile com um sorriso de escárnio- Será que os abandonou à própria sorte? Oh, isso faria dela uma mamãe terrível, não é?
Tentei não transparecer meu nervosismo quanto a isso.
- Chega! - Isabelle bateu o pé - Arranquem a cabeça dela e de todas essas vadias!
Os guardas avançaram para cima dela como hienas carniceiras. Tentei correr para elas, mas fui impedida por Erick, que cercou o braço músculoso em volta de meu pescoço, arrancando todo o meu ar.
Encarei, horrorizada, enquanto as mulheres eram todas cercadas por homens armados e corpulentos. Cecile rosnou, arranhando o ar com as garras longas e negras, seus dentes eram como adagas prontas para dilacerar a primeira garganta sem sorte. Eu sabia que elas não teriam nenhuma chance. Mesmo que sua protetora fosse uma alfa de sangue puro.
Entao, fiz algo em que sempre fui boa. As protegi.
- Eu matei Madeline!
Apesar de não ser uma atitude inteligente, foi a única forma que encontrei de fazer com que elas não fossem mortas bem na minha frente. E isso bastou. Todos os olhos se voltaram para mim. Inclusive os de Isabelle e seu irmão.
- Eu matei sua mãe! - gritei mais uma vez, me debatendo sob o braço de Erick.
- Você está louca- murmurou, Isabelle- Minha mãe não seria derrotada por uma simples humana.
- É mesmo?- eu ri, de um modo um tanto insandecido. Culpa da convivência com um certo vampiro - Ela não foi problema nenhum em todo o caso. Mas não se não acredita em mim pode ver por si mesma. No toalete, seguindo pelo corredor.
Apesar de não querer demonstrar, Cecile impalideceu como um floco de neve.
- Você! - ordenou para um dos lobos- Vá checar!
O lobo praticamente correu.
E enquanto isso, observei todo o estrago que eu havia feito. A antiga Bonnie teria se sentido culpada por causar aquelas expressões nos rostos dos irmãos Courtaud. Mas eu não era mais como antigamente. Eu não ligava nem um pouco para eles. Isabelle e Manon, não prestavam como sua mãe morta. Isso nunca seria capaz de tirar meu sono. Afinal, eram eles ou eu. E estava exausta de sempre sentir dor para poupar o próximo. Esse papo de mansidão e herdar a Terra era pura besteira.
Observei Apollon que ergueu os olhos dourados para mim. Ele sabia que eu não estava blefando. E mesmo assim, não havia nada em sua expressão. Como sempre suspeitei, ele nunca amou ou se importou com sua esposa. Seu casamento era apenas uma mera conveniência, ao contrário de sua relação com Íllea e sua filha, Cecile.
Alguns minutos depois, o lobo que fora mandado até a cena do crime, voltou com uma expressão de puro horror. Ele se limitou a sacudir a cabeça em afirmação para os irmãos.
Um grito estridente vazou da garganta de Isabelle, ecoando no silêncio sepulcral do lugar. Manon, parecia em estado de choque, sem poder crer que eu, uma simples bruxa fraca e subjugada por um vampiro, seria capaz de tal atrocidade. Aos poucos, o ódio tomou sua expressão. Com os olhos cheios de lágrimas e com tremores violentos prepassando seu corpo ele gritou:
- MATEM ELA! ARRANQUEM A CABEÇA DESSA BRUXA MALDITA! EU QUERO AS VÍCERAS DELA ESPALHADAS POR TODO ESSE SALÃO!
Todos os lobos da Guarda, que antes estavam focados em matar cada uma das mulheres da família de Cecile, convergiram na minha direção. Erick, minha coleira pessoal, apertou mais o braço em volta de meu pescoço, me fazendo tossir pela falta de ar.
Então, tudo pareceu ficar em câmera lenta. Eu vi aquela procissão de homens-feras, avançando mais e mais, com corpos pintados de vermelho espalhados por todo o salão. Inadvertidamente, meus olhos recaíram sobre um corpo pequeno à alguns metros de mim. Era um menino com não mais que oito anos de idade. Seus cabelos louros e curtos estavam manchados de sangue que ainda jorrava das marcas de garras em sua garganta dilacerada. Seus olhos azuis encarando o nada.
Então, tudo o que pude fazer foi me perguntar: Por quê?
Por que aquela criança havia sido morta? Por que aquilo estava acontecendo? Por que eu ainda estava ali? Por que...?
Naquele momento tudo fez sentido.
Chega de fazer perguntas, pensei comigo mesma. Eu quem daria as respostas à partir de agora.
Depois de todos aqueles meses sem sentir nada à minha volta. De ficar praticamente cega à ela, eu senti. A magia que fluía dentro de mim. Mais forte e potente do que nunca. Ela nunca esteve desaparecida. Apenas adormecida.
Tão rápido que eu mesma não vi o movimento, ergui a mão em direção ao braço de Erick, tocando-o de forma quase gentil.
- Phasmatos Ossox- murmurei num sussurro, vendo seu braço quebrar como um graveto bem diante de meus olhos.
O lobisomem berrou, me largando de imediato para cercar o braço ferido. No mesmo instante, me voltei para ele e com um simples movimento de mãos, seu pescoço se dobrou em uma posição grotesca. Seu corpo caiu no chão como o de uma boneca de pano.
Girei nos calcanhares, meus olhos recaindo sobre o grupo de mulheres feridas do outro lado do salão. Ergui uma das mãos em sua direção e todas as janelas do recinto explodiram em uma chuva de cacos de vidro. Os lobos se protegeram da melhor forma possível, mas eu não pude evitar que algumas pessoas saíssem com alguma lesão. E nem estava me importando muito com isso.
- Lec tare sel vipe - falei, fazendo com que as mulheres começassem a levitar em pleno ar. As guiei rapidamente em direção à uma das janelas quebradas, as repousando no jardim e torcendo para que, com isso, elas pudessem escapar dali.
Minha concentração foi cortada, quando um dos guardas agarrou meu braço violentamente.
- Sua bruxa...!- começou a dizer, quando eu simplesmente pulei em cima dele e abocanhei seu pescoço, arrancando um enorme pedaço de carne. Sangue jorrou, sujando todo o meu vestido. Sufocando no próprio sangue, o homem desabou no chão em perfeito estado de choque em uma poça vermelha.
Eu não sei exatamente porque fiz aquilo. E nem me lembro exatamente dos fatos, mas foi mais forte do que eu. Quase como um instinto animalesco incontrolável. Ao contrário do que poderia ter imaginado, sangue de lobisomem não tinha um gosto realmente bom. Havia uma mistura estranha que o deixava estranhamente amargo. Talvez, fosse por isso que vampiros não eram muito fãs deles.
Saí de cima dele, cuspindo aquela porcaria e sentindo tanto nojo que estremeci. Os lobisomens à minha volta pareciam chocados com a minha atitude.
- Ela não é uma bruxa?- murmurou um deles, horrorizado.
- Ela é uma vampira?- perguntou outro.
- Mas olhem os olhos dela- apontou mais um - E as presas...
Ao apontar esse fator, me dei conta do quão meus olhos estavam ardendo e meus dentes doíam. Mas não dei atenção para aquilo naquele momento. Eu precisava sair daquele lugar o mais rápido possível. Mesmo que não soubesse explicar, havia algo que estava por vir. E não queria estar presente nessa situação.
- Seus idiotas!- gritou Isabelle- O que estão fazendo parados aí? Matem essa vadia!
A Guarda até podia estar ligeiramente assustada com meu novo status, mas isso não foi o suficiente para fazer com que desobedecessem uma ordem direta de sua superior. Mesmo que ela fosse apenas uma vagabunda mimada.
Então, todos eles vieram na minha direção. Apontando armas e rosnando, com presas amostra e garras prontas para fatiar cada pedaço de carne do meu corpo.
Um tremor me percorreu inteira. Eu estava com tanta... raiva. Era mais do que isso. Era puro ódio inundado em mágoa.
- Fui abandonada pela minha mãe, meu pai foi morto na minha frente, perdi minha avó, fui perseguida e sequestrada por um psicopata, fui espancada, chicoteada e estuprada...- lágrimas desciam pelo meu rosto e minhas mãos estavam tremendo mais do que nunca-...e vocês acham que isso vai me impedir de sair desse inferno?
Eu ri.
- Não. Não mais.
Toda aquela magia que esteve presa e retida em meu interior, sendo represada pelo roubo contínuo de Kai e subjugada por todos os sentimentos ruins que acumulei durante esse tempo, explodiu para fora de mim com toda força. O que gerou uma onda de choque de puro poder, lançando todos os meus agressores à metros de distância enquanto eu gritava. Aquilo doía, mas era uma dor boa, de puro alívio. Finalmente, todo aquele sofrimento estava saindo de mim em forma de poder.
Durante o processo, inconscientemente, protegi os lobos que foram vítimas daquela guarda corrupta, criando um casulo invisível ao seu redor, para que a magia não os ferisse. Eles já haviam sofrido e perdido entes queridos demais naquela noite.
E quando acabou, eu estava tremendo da cabeça aos pés. Vendo corpos e mais corpos lançados à torto e a direito por todo o salão. Eles não estavam mortos, apenas inconscientes.
Isso não me fez ser mais clemente com assassinos de mulheres e crianças indefesas. Caminhando em direção à porta de saída, proferi:
- Menedek qual suurentaa!
E todos os pescoços se partiram em um coro bizarro e alto. Mas isso não seria o suficiente para matá-los, então, com um movimento de mãos, fogo surgiu sobre seus corpos desacordados.
Avistei Isabelle e Manon, perto das portas, tentando escapar de mim. Mas tratei de mantê-las trancadas. Eles não sairiam dali naquela noite. Pelo menos, não vivos.
Depois de perceberem que não havia escapatória, eles deixaram de martelar a madeira com os punhos e se voltaram para mim.
- O que você é? - rosnou, uma Isabelle assustada, que eu nunca pensei que veria.
- Eu não sei- falei, indiferente- Mas sei que não sou como você. Le specto tre colo ves bestia.
Isabelle estremeceu, cuspindo sangue e se curvando. Suas mãos pálidas indo em direção ao peito como se estivesse com uma forte dor.
- Isabelle! - Manon exclamou, a segurando em seus braços, quando esta perdeu a força nas pernas.
Ela tentou dizer alguma coisa, quando seu externo se rompeu, com seu coração voando em minha mão no mesmo segundo. Ele ainda pulsava e pingava sangue, quando Manon se deu conta de que sua irmã já estava morta.
- Você a matou!- ele gritou, ficando de pé, com seus ossos estalando sob os músculos. Eu não daria à ele a chance de se transformar em uma daquelas feras como sua mãe.
- E você matou todas essas pessoas inocentes, também- murmurei com frieza - Seu karma está desequilibrado.
Minha mão estendida diante de meu corpo se fechou em garra, fazendo seu próprio coração explodir seu externo e vir parar em minhas mãos.
- Agora você está em dia com ele- falei, largando o órgão no chão, enquanto um Manon morto desabava no chão e voltei a caminhar para fora do salão.
- Bonnie... - alguém sussurrou, com uma voz fraca e cansada.
Parei e procurei a voz conhecida no meio de todos aqueles corpos.
- Bonnie... - repetiu.
E localizei o homem grande e extremamente ferido, encostado em uma parede com as pernas frouxas diante de si.
- Apollon - disse eu, sem entonação, parando na frente dele.
Ele tossiu sangue.
- Eu estou morrendo- avisou- Então, não precisa se preocupar em ter...- ele tossiu mais um pouco, resfolegando-... ter que me matar. Eu estou em dívida com a eternidade que vivi. Mas... Nada dura pra sempre. Apenas... Quero pedir uma coisa antes de... ir.
- O quê?
- Cuide de Cecile e Íllea. Eu não fui um bom pai e muito menos um bom marido. Eu era jovem e ambicioso por poder, achei que se me casasse com Madeline e obtivesse a matilha que seu pai lhe deixou, eu seria... feliz. Mas eu estava errado. Diga à elas... Que as amo. Assim como amo, David... Deus, eu espero que ele me perdoe um dia...
Seus olhos se fecharam momentaneamente. Com minha audição apurada pude ouvir as batidas fracas e lentas de seu coração. Ele não tinha muito tempo. Se não fosse por isso, eu teria dito que ele já estava morto.
- Só mais uma... coisa.
- Sim?
- Proteja a pedra deles.
- Deles quem? - perguntei.
- Os... Irmãos...
Então, ele se foi, deixando apenas um cadáver sem vida.
Eu já havia escutado aquele nome antes. Me lembrei do assassino vestido de zelador que tentara matar à mim e Kai. Ele havia citado o mesmo nome: Os Irmãos. Quem eram eles?
Respirei fundo. Isso não era mais problema meu. Eu estava de partida.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now