23. Encontro com o Exterminador do Futuro

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Três semanas se passaram, nas quais eu não vi nem a sombra de Kai.
Foram os melhores e piores dias.
Melhores porque eu não tinha mais que ver meu agressor e nem ser tocada por ele. E piores porque as sombras estavam dentro de mim.
Tudo o que eu conseguia fazer era chorar e dormir. Como se meu corpo tivesse se reduzido à essas únicas habilidades. Talvez, eu quisesse ser a primeira humana na face da Terra a usar o método de hibernar para aplacar a dor. Falhando miseravelmente.
Às vezes eu me sentia um tanto entorpecida demais. Incapaz de pensar com clareza. Comecei a suspeitar de que Kai estivesse colocando calmantes na minha comida. Internamente, me senti grata por isso. Ficar drogada o dia todo parecia ser a única saída para o meu sofrimento. Porém, não acho que isso o tenha motivado. Provavelmente, não queria que eu tentasse me matar de novo. Lembro de tê-lo ouvido dizer à Sol que retirasse todos os instrumentos pontiagudos e afiados de perto de mim.
Que babaca.
E quando eu não estava apagada o suficiente, estava assustada demais até para respirar. Qualquer som me fazia tremer descontroladamente. Passei boa parte dos dias escondida dentro do closet, saindo apenas quando Sol aparecia tarde da noite para me trazer comida e fazer com que eu dormisse um pouco.
E quando não estava fazendo nada dessas coisas, eu ficava diante da janela aberta. Sentada em uma poltrona balofa e vermelha, olhando para a vastidão do mundo do lado de fora e me perguntando, porque meus amigos não vinham me buscar.
Por que eles estavam me deixando sofrer nas mãos de Kai? Eles não me amavam o suficiente? Ou não amavam à Elena o suficiente para me matar?
Não era possível que tivessem me abandonado, assim. Eu não podia acreditar nisso. Mas algo dentro de mim, uma parte daquela garota que eles conheceram ainda acreditava na salvação, ainda acreditava que eles me amavam mais do que tudo para deixar meu sumiço ser algo tão banal.
- Eu vou encontrar vocês- sussurrei, tocando o vidro frio e sentindo uma lágrima descer por meu rosto. Mas ela não era de dor e sim de determinação.
Aquela força ainda residia dentro de mim, não deixando que aquela enorme rachadura em meu interior a sublimasse por completo. Eu ainda conseguia existir dentro dessa criatura patética, uma versão fraca e doentia da verdadeira Bonnie Bennett.
Ela ainda estava viva. E iria se libertar.
E pela primeira vez em dias, levantei-me daquela poltrona e caminhei para o banheiro.
O espelho quebrado foi substituído por um novo e aparentemente mais resistente. A teia de rachaduras no canto dele, provava que dinheiro não era problema para Kai.
Revirei os olhos.
Logo eu estaria vivendo em uma sala acolchoada e comeria com talheres de plástico.
Me despi da roupa, vendo algumas marcas roxas que empalideciam, tornando-se lilás ou amareladas, em meu corpo. Elas desciam por meu pescoço e seios, se espalhando pelas coxas e cintura. As marcas que Kai deixou em mim. Mas, as marcas internas eram muito, muito mais profundas. Essas nunca sumiriam.
Olhando para meu corpo lacerado e marcado, vendo a palidez e o ar derrotado, e eu simplesmente, não senti nada.
O que havia para sentir?
Kai havia acabado com toda a cota de decepções, tristeza, medo e vergonha que existia em mim. Tudo o que restara foi apenas um ódio seco, colossal e destrutivo.
Talvez, fosse a única coisa que ainda me motivava. O ódio.
Ele me fazia comer quando eu não queria, dormir quando eu não conseguia, respirar, quando eu achava que já não podia mais. Esse sentimento cego me fazia levantar da cama todos os dias, como uma pessoa invisível impulsionando meu corpo.
Mais nada importava, apenas minha necessidade de destruir Kai. De dentro pra fora, como ele fez comigo.
O barulho da água pingando, chamou minha atenção para a banheira que transbordava. Desliguei a torneira, despi-me da lingerie e entrei na água escaldante.
Minha pele protestou pelo contanto com a água fervente, mas não me importei. Nada queimava mais do que a fúria cega que eu sentia.
Claro que a idéia de me afogar ali dentro rondava minha cabeça. Mas sabia que meu plano não iria adiante, Kai ou Soledad me encontrariam antes que meu segundo pulmão se enchesse de água completamente. E como sempre, ele me daria sangue de vampiro e eu acordaria no mesmo pesadelo.
A morte não era a saída.
Eu precisava jogar o mesmo jogo de Kai. Algo em que ele sempre foi muito bom. Manipulação.
Eu precisava descobrir seus pontos fracos, seus segredos e medos. Algo que o quebrasse tanto quanto ele me quebrou. E claramente, uma forma de fazê-lo ligar sua humanidade novamente.
Subitamente, me vi pensando quando ele começou a agir fria e cruelmente comigo. Quando ele simplesmente decidiu deixar de ser humano?
Tudo pareceu ter mudado naquele café da manhã. Quando Quinn ainda estava viva. Me lembrava claramente do olhar frio que ele deu em direção à mim, antes de abrir um falso sorriso amistoso. Naquele momento, eu soube que o velho Kai não existia mais, ou melhor, que foi sublimado por sua nova personalidade.
De certa forma ele matou uma parte de si mesmo. Pensar em Kai morrendo me fez sorrir.
Mas quando ele realmente mudou? Puxei todas as lembranças de antes até agora. Ele não fazia mais piadinhas, continuava tagarela, mas não com a mesma paixão de antes. Era como ouvir uma outra pessoa falando através dele. Um Malachai diferente.
A última vez que o vampiro realmente pareceu mais... emocionado, por assim dizer, foi quando me atacou no banho.
Meus olhos focaram na porta envidraçada do boxe à alguns metros da enorme banheira de louça branca.
Tentei me imaginar tão ridícula e assustada, implorando para que ele não fizesse isso comigo. Apesar de ter se passado quase quatro semanas depois desse evento, eu me sentia como se olhasse vinte anos atrás em uma linha do tempo embaçada e desconexa.
E no fim das contas ele fez o que queria..., pensei amargamente.
Uma onda de tristeza recaiu sobre mim ao lembrar de tudo. Das correntes apertando meus pulsos, da ardência em minhas costas contra o concreto frio, dos braços de Kai em volta de meu corpo, enquanto ele investia dolorosamente contra mim e o único pensamento repetitivo e vazio.
Ele está me estuprando.
Simplesmente isso.
Meu queixo tremeu com a nova onda de lágrimas, mas eu as contive. Esse era o plano dele, me deixar tão afundada na dor e desespero que não passaria apenas de uma presa fácil e um corpinho bonito em sua cama.
Estava cansada de ser usada por Kai.
- Eu vou acabar com você- sussurrei, esperando que ele estivesse ouvindo.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora