77. Profundezas

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Aquela semana foi uma tremenda correria para dar os toques finais no feitiço que ligava a mim e Elena.

Perdi as contas de quantas noites eu e Kai passamos acordados, lendo e relendo grimórios em seu escritório e anotando possíveis coisas que pudessem ajudar.

Tive que admitir que ele tinha uma mente incrível em se tratando de feitiços complexos. Eu nunca tinha visto seu processo de criação tão de perto e fiquei chocada com a quantidade de informação que ele podia reter de uma vez. Uma vez até experimentei perguntar se ele sabia qualquer tipo de feitiço. E ele citou cada um, suas funções e quais as melhores ervas e luas para os rituais sem consultar nenhum grimório. Parecia mais uma enciclopédia de bruxaria ambulante. Aparentemente, ele era o que se pode chamar de prodígio. Mas eu não diria isso para ele, seu ego já era enorme sem isso.

Em contrapartida, se a noite estávamos ocupados estudando feitiços, durante o dia tínhamos que dar atenção total a Eve e Amy. Felizmente, ser vampiro tinha suas vantagens, que é basicamente ficar dias e dias sem dormir e ainda continuar operante e atento como uma pessoa normal. E ver a interação das meninas estava me deixando cada vez mais receosa, pois elas estavam mais e mais próximas. Fazendo tudo juntas, compartilhando seus segredos e brincadeiras. E eu não sabia como seria para elas quando tudo isso acabasse e as duas tivessem que se separar novamente. Kai também parecia preocupado com isso, dado que quando estava com elas, às vezes, não emitia uma palavra, apenas ficava às observando, como que tentando guardar aquelas imagens em sua mente.

E depois daquela nossa "conversa" no escritório, mantivemos uma distância segura um do outro. Nada de olhares longos e flertes. Nós éramos perigosos um para o outro. A distância seria o melhor remédio. Pelo menos a física.

E durante aqueles dias, minha vida não pode parar. Tive que informar Tyler sobre o ocorrido e que não poderia mais frequentar o trabalho. Mesmo com ressalvas em relação a Kai, ele compreendeu bem a situação e disse que eu não devia me preocupar com nada, pois ele cuidaria de tudo até meu retorno. Fiz o mesmo com a escola de Eve, inventando uma viagem familiar urgente e que, talvez, fosse levar um mês até que voltássemos. Pelo menos, era o que eu esperava.

E estávamos em mais uma tarde rotineira da casa dos Parker, na qual, as meninas foram livradas da "escola" durante aquela semana e estavam brincando no tapete da sala com alguns livros e brinquedos, enquanto, eu e seu pai, sentados no extenso sofá, líamos grimórios de cabo a rabo e fazíamos anotações úteis.

Soledad vinha de tempos em tempos trazer lanchinhos e guloseimas pós almoço, mas apenas as meninas aceitaram. Ela ficou tão preocupada com nossa alimentação que chegou ao ponto de balançar duas bolsas de sangue na nossa cara e, ainda assim, não demos atenção.

— Dios mio — saiu resmungando para a cozinha — Los dos vão morir de hambre.

E a tarde teria ido bem se não tivéssemos ouvido uma buzina soar ao longe. Eu e Kai nos entreolhamos e levantamos de imediato.

— Meninas — ele avisou — Fiquem aí.

— Mas queremos brincar no jardim, papai — Eve resmungou.

— Quando for seguro eu deixo vocês descerem — prometeu para a menina emburrada — E ainda as levo para fazer um tour pela fábrica. O que acham?

As gêmeas trocaram olhares animados e assentiram.

— Fechado — Amy assentiu tocando o punho de Kai com o seu.

Saímos para o corredor da fábrica velha, fechando a porta logo atrás.

— Elas precisam sair um pouco — falei, o seguindo.

— Eu sei — ele suspirou — Mas não posso arriscar. Eles podem atraí-las para fora da fábrica. E aí estará tudo perdido.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora