52. Reencontro

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O odor ácido de verbena dominava todo o ambiente como uma neblina invisível. Fechei meus olhos por um segundo ao senti-los lacrimejar com o cheiro forte que subiu por minhas narinas. Talvez fosse o excesso de plantas que tomavam conta do espaço, mas pude sentir na pele uma leve ardência apenas por estar naquele lugar. O instinto natural de autoproteção veio à tona apenas em pensar em ter que ingerir aquela substancia que me queimaria viva. Já tinha visto o suficiente do que aquilo podia causar à um vampiro, e não era nada bonito de se ver. Mas a questão ali era: aquilo realmente surtiria o efeito que eu tanto desejava? Afinal, eu não era totalmente vampira, embora, também não fosse totalmente humana de qualquer forma. Será que conseguiria eliminar aquela coisa do meu ventre? Ou meu lado humano me protegeria dos efeitos corrosivos da verbena?
Bem, o único modo de saber seria testando minha teoria.
Eu não estava pensando direito, a raiva e a adrenalina queimando em minhas veias como uma espécie de heroína, incapacitando meu raciocínio lógico. Tudo em que conseguia pensar era em acabar com todo aquele sofrimento, eliminar qualquer lembrança dele em minha vida. E foi com essa resolução que me aproximei das grandes estufas cheias da plantas liláses que prometia afugentar aquele problema para sempre. Caminhei por entre as fileiras repletas de flores, vez ou outra acariciando as pequenas pétalas delicadas, apenas para constatar que aquilo realmente queimava como o inferno. Mas não me importei com aquela dor ou a que poderia vir depois, eu só precisava que aquilo fosse embora de uma vez, que eu nunca mais precisasse ter que pensar naquela criança de novo.
Com passos rápidos e decisivos caminhei até uma mesa de madeira velha, alta e larga que ficava no fundo da sala. Haviam alguns utensilios que eu sabia que serviam para preparar diversas coisas com aquelas plantas: desde chás até loções e perfumes. Viver em Mystic Falls nos tornava usuários assíduos de verbena e seus derivados contra os vampiros que poderiam nos fazer mal. Stefan e Damon também tinham seus inimigos e precisavam dessa provisão para se proteger. E agora, ela seria usada para livrar minha vida de um fardo. Ao me aproximar da mesa, vasculhei com os olhos, derrubando algumas coisas que estavam sobre ela em meu desespero. Haviam saches de chás ainda inacabados e ervas secas em um pote, porém, o que realmente chamou minha atenção foi a jarra repleta de um liquido lilás amarronzado. Era verbena em sua forma mais concentrada e líquida. Quase não pude acreditar em minha sorte. Peguei, vendo o líquido dentro dela tremer junto com minhas mãos ansiosas.Andei até encostar em um canto qualquer, onde deixei minhas pernas cederem e deslizei para o chão.
Aquilo teria que funcionar. Precisava funcionar. Era o único modo de tirar o filho de um vampiro, sua única fraqueza. Se isso não desse certo eu estaria perdida e presa à uma criança que eu nunca amaria para o resto da vida.
- Por favor, funcione - implorei, apertando a jarra contra meu peito - Por favor, eu preciso que isso dê certo, por favor... - continuei sussurrando e chorando convulsivamente - Por favor... Eu não quero isso dentro de mim.
Repleta de certeza e com as mãos tremulas, ergui a jarra até meus lábios e entornei o líquido adocicado em uma golada grande. Queimou como se eu estivesse bebendo água fervendo misturada com ácido de tão ruim que foi ter aquilo descendo por minha garganta e queimando meu esofago até chegar ao estômago, onde a dor era mais concentrada. Embora, estivesse doendo mais do que a vez em que Kai jogou ácido sobre mim, eu não dei importância á isso. Meu desejo de estar livre era maior ainda. Bebi metade do conteúdo da jarra, sentindo alguns filetes de líquido ácido escorrendo pelo canto de minha boca. Quando já estava me sentido cheia - e mal - o suficiente, deixei a jarra de lado e sequei meus lábios com as costas da mão, ouvindo o chiado do líquido corrosivo contra minha pele. Encostei a cabeça na parede de pedra fria, sentindo cada órgão em meu corpo chiar e queimar por causa do excesso de verbena em meu organismo. Isso com toda a certeza retardaria meu processo de cura mais tarde, mas que se dane. Eu não pretendia me curar daquilo.
Fechei os olhos e respirei fundo, esperando que a verbena terminasse de se espalhar. Não dava para saber quanto tempo isso iria levar, normalmente, com vampiros parecia ser quase instantâneo, mas, comigo estava levando mais tempo que o comum. Eu nunca tinha tentado um aborto antes e muito menos um aborto de um vampiro, então, não sabia bem o que esperar. Será que iria doer? Se doesse seria tão horrível como os casos que eu já tinha visto por aí? Se eu sangrasse muito, com a verbena em meu organismo, quanto tempo demoraria para me curar daquilo? Eram muitas perguntas e sabia que não haveriam respostas para elas até que tudo estivesse terminado.
Tentei não pensar em nada. Apenas manter a mente em branco. Mas isso foi completamente impossível. Tudo por causa daquela conversa estúpida com Damon. Quem ele pensava que era para me dizer aquele tipo de coisa? Ele que já havia feito coisas abomináveis ao longo dos anos. Eu não merecia ser condenada daquela maneira por minha escolha. Nenhum deles, inclusive Stefan e Caroline, podiam me julgar e impedir-me de fazer qualquer coisa que eu julgasse boa para mim mesma. Eu estava cansada de me anular para deixar os outros felizes. Esta era minha vida. Ou pelo menos, o que restou dela.
No entanto... Se agi tão certo, por que não conseguia parar de chorar? Por que aquele peso não saía de meu peito? E por que eu não conseguia respirar? O que havia de tão errado comigo? Por que não conseguia sentir alívio pelo que estava prestes à acontecer? Por que aquele momento parecia ser o pior em toda a minha existência? Seria culpa?
Todos sempre julgaram minhas atitudes como sendo altruístas e gentis, mas agora que estava agindo de acordo com a minha vontade e fazendo algo que a antiga Bonnie teria condenado, tudo isso parecia tão errado. Juro que tentei ao máximo não me prender à tal moralismo para que aquela culpa não me devorasse mais tarde. Afinal, aquilo era para o meu próprio bem, não é?
Mais lágrimas correram por meu rosto e outro soluço rasgou meu peito. O que era aquele vazio que eu estava sentindo? Por que eu estava me sentindo tão infeliz com essa decisão?
Flashes de Stefan debatendo comigo sobre a ausência de culpa daquela criança e cenas de Kai me estuprando naquela sala escura e fria lutavam entre si, Damon me acusando de meu descuido e Caroline tentando esconder sua felicidade em relação à minha gravidez porque isso poderia me deixar perturbada, também estavam no meio dessa guerra de lembranças. Isso não estava ajudando minha mente já confusa.
- Não - sussurrei - Por favor, para...
Naquele momento, eu quis que tudo isso sumisse. Quis que tudo desaparecesse por completo. E foi com alívio que senti minha consciência se esvaindo para cada vez mais longe.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now