35. Onde os Lobos Habitam

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Eu estava tão a fim de seguir as ordens de Apollon, como quem anseia por mastigar cacos de vidro.
- Seu desgraçado- rosnei, dando um passo na entrada da casa.
- Cuidado- ele riu, estendendo a mão em um pare- Não vai querer sair da proteção mágica da sua casa, não?
- Para o que eu quero fazer com você, não preciso de magia- falei de modo frio, caminhando para ele, mas a visão de um de seus homens se aproximando de Sol com uma pistola, fez com que eu parasse o movimento.
O cara parou também.
Minhas mãos tremiam para arrancar seu coração ainda batendo do peito.
O líder da alcatéia continuou parado na varanda, olhando distraidamente para as paredes como se eu não fosse uma ameaça tão... ameaçadora.
Um sorriso maldoso cobriu seus lábios.
- Então, foi aqui que você matou seus quatro irmãos?- ele riu- Certamente, compete em peso com a casa de Lizzie Borden. Sabe quem é, não? Aquela garota que chocou a sociedade vitoriana da Nova Inglaterra quando matou o pai e a madrasta à machadadas. Claro, que ela foi mais esperta que você e nunca conseguiram comprovar que foi realmente ela quem atuou em tal crime hediondo. E não há muito turismo por aqui... uma pena.
Aquilo foi como um tapa na cara.
Por algum motivo, talvez por seu ar esnobe ou aquela cara de desdém indisfarçado, à menção à aquele assunto me incomodou pela primeira vez em muito tempo. Ouvir aquilo de outras pessoas era chato e até um pouco repetitivo, mas ouvir aquilo dos lábios de Apollon, um cara tão baixo quanto o último nível do inferno, me fez ficar... estático.
- Bom, quem sou eu para julgá - lo?- ele sorriu mais abertamente, mostrando caninos afiados- Eu matei meu irmão mais velho para tomar a liderança do bando. Estamos no mesmo barco.
- Cala essa maldita boca- rosnei- Eu não sou como você.
- Verdade- e seu sorriso morreu, seus olhos ficando mais afiados- Eu não mato crianças.
Aquilo foi o suficiente para me fazer pular em cima dele, mas mãos pequenas se prenderam em volta do meu peito, impedindo minha ação.
Apollon olhou por cima de meu ombro esquerdo.
- Ah, olá, Bonnie- o sorriso descarado voltou para seu rosto- É um prazer vê-la novamente.
Estranhamente, Bonnie era forte o suficiente para me impedir de dar mais um passo para fora de casa. Suas mãos ainda estavam firmes em volta de meu peito, mesmo que eu lutasse para esganar aquele cão miserável na minha porta.
- Não posso dizer o mesmo, Apollon - ela disse, o nome dele saiu como um palavrão de sua boca.
Bonnie estava menos feliz que eu ao ver nossa governanta sendo mantida como refém daqueles lobos malditos.
- Você está ameaçando a Sol- ela continuou, sua voz mais mortal que nunca- Eu não vou esquecer isso.
O homem inclinou a cabeça para um lado, ainda sorrindo.
- Ora, não vamos nos exaltar. Soledad é uma convidada.
Foi então que eu percebi que ele estava olhando para as pernas nuas de Bonnie. E lembrei que ela estava usando apenas a minha camisa e mais nada.
Senti a familiar ardência crescer por meu rosto, enquanto as veias cruzavam minha pele. Minhas presas cresceram tão rápido que senti o gosto de sangue.
E irracional, tentei me lançar para cima dele de novo, rosnando.
- Ela é minha- sibilei.
Com um puxão, Bonnie me arrastou para dentro da sala de estar, batendo a porta na cara de Apollon, me largando em seguida.
- Qual é o seu problema?- ela disse, me empurrando contra a madeira irregular da porta de entrada- Quer que matem a Sol? Não consegue se controlar?
Ergui meus olhos para ela, minha voz queimava de desejo de arrancar os olhos daquele filho da mãe:
- Ele estava olhando para você!
- E vai criar caso com isso, seu idiota?!- ela gritou- Prefere que matem a Sol para que você possa manter essa pose de "meu dono"? Não percebe que é isso que ele quer?
Meu corpo estava ardendo de ódio. Cada célula entrando em combustão pura.
- Você é minha! E nenhum desgraçado vai colocar os olhos no que é meu.
- Eu não sou um objeto, Kai- ela avisou, contrariada.
- Dane-se! Minha, entendeu? Juro que mato qualquer um que ousar olhar para o seus olhos de um jeito que eu não gostar.
Ela franziu o cenho, ainda irritada, porém confusa.
- O que tem de errado com você, hoje?
- Nada que seja da sua conta...
Seu rosto ficou vermelho e os lábios crispados.
- Vai se ferrar! Entendeu? Vai se ferrar!- me interrompeu, parecendo furiosa. Provavelmente, o estresse com o que poderia acontecer com Sol, a estava deixando daquele modo- Eu estou cansada dessa sua atitude! Estou cansada desses malditos lobisomens nos perseguindo porque você resolveu matar pessoas no território deles! Isso é tudo culpa sua! Então, cala a droga da boca!
Eu estava tão furioso, agitado, confuso e irado, que sem pensar no que estava fazendo, agarrei os ombros de Bonnie, a girei contra a porta. Minha mão pressionando sua garganta.
- Não levante a voz ou eu...
- Você o quê?- desafiou- Você o quê, Malachai? Vai me matar? Me espancar ou torturar? De você eu espero apenas o pior. Então, faça o que quiser.
Bonnie nunca tinha ficado tão furiosa daquela maneira. Sempre parecia um tanto calma e frígida demais, nada como aquilo.
Se isso me irritou? Cara, mortalmente. E também, me excitou de um jeito doentio.
Não devia, mas quando ela me enfrentava daquela maneira, a vontade de me afundar nela em qualquer lugar parecia a coisa mais certa a se fazer.
Continuamos nos encarando com aquele fogo e ódio pairando sobre nós como uma nuvem. Não sei quanto tempo se passou, mas enfim, eu tirei a mão de cima de seu pescoço e ombro.
- Vá trocar de roupa- mandei, tentando não olhar para ela, ou a agarraria ali mesmo. O problema era se eu queria briga ou sexo com ela. Acho que um pouco dos dois.
Bonnie passou por mim sem hesitar. Agarrei seu braço no caminho, a impedindo de continuar.
- Não tome banho. Eu quero que ele sinta meu cheiro em você.
Bonnie estreitou os olhos em desafio e soltou o próprio braço com um safanão e foi direto para o andar de cima.
Enquanto, ela se trocava no quarto de meus pais, voltei para o meu próprio e me aprontei rápidamente.
Quando desci, Bonnie usava o vestido cor de pêssego, com os saltos altos que encontrou no quarto. Seus cabelos estavam ajeitados em ondas negras contra o rosto macio... E ela ainda estava muito irritada.
- Você confia no que ele diz?- murmurou, ao meu lado, quando fomos para a porta da frente.
- Não. Mas, você, infernizaria minha vida por anos se eu deixasse a Sol morrer.
Antes que ela pudesse pegar a maçaneta, a puxei para perto de meu peito e subi a mão por seu pescoço macio, puxando seus cabelos levemente em meus dedos, fazendo - a inclinar a cabeça. As batidas do coração de Bonnie se aceleram, mas ela não se moveu e nem demonstrou medo. Apenas uma resignação, misturada à um sentimento que não reconheci. Encostei a ponta do nariz em seu pescoço, traçando desde a base dele até atrás de sua orelha. Meu cheiro estava impregnado nela. E se lobos eram tão territoriais quanto vampiros, nenhum deles ia se aproximar de Bonnie sabendo que ela pertencia à mim.
- Tudo bem- falei, me colocando diante dela como um escudo.
Abri a porta e lá estava aquele canalha convencido nos aguardando perto dos beiras da varanda. Sua mão pousada na barra descascada, enquanto seus olhos eram postos no horizonte, observando.
Apollon se voltou para nós.
- Vejo que mudou de idéia, caro amigo- sorriu, amistoso como se eu não estivesse traçando estratégias para mutilá-lo bem na sua cara.
Bonnie tomou a dianteira, antes que eu desandasse à falar palavrões.
- Nós iremos com vocês, sem relutar- disse, dando um passo na minha frente de modo que tive que ficar alerta contra alguma armadilha daqueles lobos- Mas, em troca, você deixará Sol ir embora. Esse é um ponto inegociável.
O homem a mirou nos olhos com o respeito que provavelmente guardava para seus parceiros de negócios.
- O que me garante que não vão escapar assim que eu a libertar?
Bonnie empinou o queixo, numa tentativa de parecer mais alta.
- Minha palavra.
Apollon sorriu como se estivesse explicando à uma criança porque o céu é azul.
- Não é que eu não confie em você, querida... Eu não confio nele- apontou para mim.
- Ainda bem que nisso concordamos- fui sarcástico- Também, não vou com a sua cara.
- Bom- ele disse, voltando a mirar Bonnie- Eu lido com mentiras todos os dias, querida. Na verdade, são o único motivo de ainda estar respirando agora. Confiança, é um luxo que não posso ter.
Bonnie e eu continuamos à encará-lo, mas mesmo que aquela bruxa gentil quisesse fazê-lo mudar de opinião com a bondade de seu coração e toda essa merda, eu sabia que ele não iria ceder.
- Tudo bem- ela se rendeu- Mas, se alguma coisa acontecer à Soledad, seu maior problema com certeza não vai ser ele.
Seus olhos verdes pousaram em mim, indicando.
- É justo- assentiu.
Caminhamos em direção ao carro estacionado no gramado verde - amarelado. Tomei o cuidado de caminhar atrás de Bonnie e ficar de olho naqueles projetos de cães de bípedes.
No meio do caminho, vi um cara grandão de terno escuro. O rabo de cavalo a lá Steven Seagal não o fazia parecer mais bonito. Isso não me incomodou.
Apenas o fato de ele estar olhando para o traseiro de Bonnie descaradamente. Como se estivesse avaliando um tipo de mercadoria. E na minha cara.
- Ei- chamei.
Ele se virou e eu acertei um soco na sua cara feia. Sangue espirrou de seu nariz quebrado.
Stevie Seagal caiu esparramado no chão, enquanto, eu tomei lugar, ao lado de Bonnie e continuei caminhando. Com minha super audição pude ouvir uns resmungos vindo de outros lobos, em seguida a voz de Apollon os detendo:
- Deixe. Ele desrespeitou a fêmea dele.
A respiração bufante, indicava que os caras não ficaram felizes com isso, mas não fizeram nada. Afinal, tinham que obedecer seu líder.
Isso iria ser divertido.
- Pare de provocá - los- Bonnie avisou, quando abri a porta do banco traseiro para nós.
- Eu retalhei. É diferente.
Quando estávamos dentro do carro, ela se ocupou em apertar Sol contra si em um abraço apertado.
- Você está bem?- sussurrou para ela, praticamente asfixiando a velhinha.
- Estoy muy bien, Señorita- ela sorriu para Bonnie.
Nunca entendi aquela conexão. Bonnie e Sol apesar de se conhecerem à poucos meses, agiam como se esse relacionamento fosse o de uma vida inteira.
- Eles machucaram você?- murmurei, com um tom ameaçador. Queria apenas um motivo para ir lá fora e usar a pele deles como tapete de entrada.
Ela negou com a cabeça.
- Estás bien?- perguntou, subitamente.
Seus olhos escuros focados em mim com uma seriedade que as vezes me incomodava. Era como se ela visse mais do que eu queria aparentar.
- Sim- respondi, desviando os olhos para os homens que tomavam o banco da frente, enquanto Apollon se dirigia para uma segunda Mercedes negra mais ao longe.
Ele nunca estava só. Sempre cercado de seguranças.
Isso iria ser complicado.
Os carros logo arrancaram para fora do campo, tomando uma estrada que levava para a cidade. Seriam algumas horas de viagem até o cetro de Portland, mas eu não estava com a mínima pressa.
Vez ou outra lancei olhares de esguelha em direção à Bonnie- ao meu lado- , mas ela estava mais ocupada fazendo aquela expressão de paisagem que sabia manter tão bem.
No que ela estaria pensando? Na noite passada? Quando deixei Damon ser arrastado por aquela mulher? Ou mais tarde? Quando tomei seu corpo diversas vezes até estar- quase- saciado dela?
O mais provável era que estivesse me achando um tolo sentimental, pelo que havia ocorrido naquela cozinha. Droga... Por quê eu tinha que fazer aquilo? Abraçá-la daquela forma?
Fechei os olhos com força e me reclinei no assento do carro, com os braços cruzados fortemente contra o peito. E meu cotovelo bateu levemente contra a pele macia de seu braço.
Ah, não...
Uma ereção genuína se formou na frente de minha calça. Me remexi contra o banco, agradecendo por ninguém estar prestando atenção em mim.
Eu nunca tive que ficar preso por tanto tempo com Bonnie, sem poder tocá-la. Quando minha humanidade estava desligada, eu não teria me importado em arrancar seu vestido e foder com ela ali mesmo, na frente de todas aquelas pessoas. Mas, agora... eu tinha plena consciência dos dois caras no banco da frente e Sol, adormecida contra a janela do automóvel. E também, do carro que nos seguia de perto.
Eu teria que me controlar até poder ficar sozinho com ela. Enquanto isso, fiz o possível para não tocar mais em sua pele viciante.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora