15. O Rouxinol

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Eu estava me corrompendo mais à cada segundo. Conviver com um sociopata faz isso com o seu caráter.
Queria dizer que me senti culpada por ter deixado o corpo daquele homem, ali, largado no chão frio daquele quarto escuro. Mas eu não senti nada. Ele havia tentado me matar.
O ressentimento que senti, subjugou toda a simpatia.
Foi uma sensação mais que estranha seguir Kai por aqueles corredores escuros. Ele estava me libertando. Bom, de certa forma.
Era mais um liberdade física, mas simbolicamente eu ainda estava presa à ele. Claro, que minha mente estava à mil, tentando criar todos os planos de fuga possíveis. Mas os colocaria em prática no momento certo, precisava ter certeza de que me livraria de Kai para sempre.
Saímos naquela garagem subterrânea. Estava vazia. A luz incomodou meus olhos brevemente. Avistei o carro de Kai à alguns metros.
Segui até ele, mas fui impedida de continuar pelo próprio, que segurou meu braço. Encarei-o em confusão.
- Lá- e ponto para o que se pareciam portas duplas douradas do outro lado da estacionamento. Um elevador.
Caminhamos até lá, o vampiro apertou um dos botões e esperamos.
- Então, você mora aqui?- perguntei- Não seria mais esperto me manter presa e viver em outro lugar? Iria levantar menos suspeitas.
Kai observava os números no visor acima das portas de metal.
- Não tenho o que temer.
- Ah, claro... esqueci que você é o todo poderoso, Malachai Parker- falei com o sarcasmo brilhando a cada sílaba.
- Exatamente- ele sorriu, em soberba.
As portas se abriram com um som de campainha. Um homem engravatado que falava ao telefone, pareceu esquecer o que iria dizer quando nos viu.
Devia ser uma coisa bem corriqueira para ele descer até o estacionamento e dar de cara com dois estranhos cobertos de sangue.
- Festa à fantasia- Kai disse com um sorrisinho, como se isso desculpasse tudo.
O homem assentiu nervosamente e passou praticamente correndo por nós.
Kai tremia de tanto rir.
- Você é desprezível- resmunguei, entrando no pequeno espaço confinado.
- Sabe aquela fantasia que as pessoas têm de transar em um elevador?- murmurou calmamente, olhando para o meu reflexo nas portas metálicas- Eu não tenho isso. Qual é o sentindo de fazer sexo dentro de uma caixa metálica que pode despencar à qualquer momento?
Dei de ombros encarando à mim mesma. Eu estava horrível.
- Talvez seja pela adrenalina.
Vi um sorriso brincar em seus lábios nas portas douradas.
- Eu nunca tinha pensado dessa maneira.
- Fico feliz em ajudar a abrir sua mente.
Até eu percebi que meu sarcasmo estava bem anormal hoje.
Devia estar feliz por ter me livrado daquele quarto escuro, devia me sentir aliviada. Mas na verdade, eu estava com medo do que viria à seguir. Kai só era bom comigo quando queria algo em troca e nunca sabia o que esperar dele.
Mais pessoas começaram a surgir dos andares restantes. Cada uma fazia uma expressão diferente ao nos ver, desde surpresa à espanto. Saímos no décimo terceiro andar. Kai mal podia esconder sua satisfação em ter assustado tantas pessoas com todo aquele sangue.
Caminhamos até a última porta no fim do corredor. Ela era alta, verde - escura beirando o negro com o número "134" talhado em uma plaqueta dourada. Assim como nos outros apartamentos naquele mesmo corredor longo.
Kai puxou um molho de chaves do bolso de trás da calça jeans. E quando estava destrancando a porta, uma voz o chamou:
- Kai?
Me virei junto com ele, vendo uma garota alta, de cabelos castanho-claros e encaracolados nos fitando com apreensão. As roupas que ela usava me fizeram sentir como uma mendiga suja.
- Está tudo bem?- perguntou com seus olhos castanhos e assustados mirando o vampiro com... preocupação?
Kai deixou um sorriso enorme se desenhar em seu rosto. Ele parecia amistoso e comum. Nada do que eu conhecia.
- Oi, Quinn- murmurou, olhando para a garota- Eu... Nós estamos bem. Sabe como é, não? Festa à fantasia de um amigo. Escolhemos as fantasias mais bizarras.
- Ah, meu Deus!- ela riu- Eu pensei que... Ah, minha nossa! Desculpe. Adorei essa fantasia. É tão realista! O que é?
- Vampiros atacados por um caçador- e puxou uma das estacas que estiveram em seu peito do bolso da calça- Viu? Tem até acessórios.
A garota não parecia muito interessada na estaca. Seus olhos não deixaram de fitar o peito nu de Kai. Quinn mordeu o lábio levemente.
- É, gostei... Acessório legal.
O herege não disse nada, parecendo gostar da forma como ela o encarava. Só faltava os dois se atracarem no corredor.
- Caham!- fiz eu, tirando a vizinha tarada de suas fantasias esquisitas- Kai, você não vai me apresentar sua amiga?
Ele sorriu de maneira demoníaca.
- Claro. Bonnie, esta é Quinn Aberlaine. Minha vizinha de parede- e deu um sorriso cúmplice à ela- E Quinn esta é Bonnie...
Ela estendeu à mão na minha direção. Não a cumprimentei, pois acabaria a sujando de sangue. Limitei- me à um acenar de cabeça e um meio sorriso.
-... minha namorada- ele completou.
O sorriso da garota minguou.
- Você nunca tinha me dito que tinha uma... namorada- as palavras pareciam ácido em sua boca. Ela estava chocada, assim como eu.
Kai deu de ombros.
- Eu e Bonnie vivemos um tempo separados. Brigamos um pouco, mas insisti que deveríamos ficar juntos.
- Ele me forçou- dei uma risadinha cheia de ironia.
- Quando existe amor, não dá pra ficar separado, não?- e senti sua mão pousar em minhas costas. Tive vontade de afastá-lo e contar toda a verdade para aquela garota estranha. Mas ele acabaria a matando, como fez com os outros.
- E principalmente ódio- falei, ainda sorrindo, mas queria que ela entendesse por trás das brincadeiras.
Ela sorriu de volta, parecendo não compreender. Ótimo.
- Falando desse jeito a Quinn vai pensar que eu a sequestrei, amor- disse Kai, com uma voz aveludada e assustadora.
Engoli em seco.
- Você não seria capaz disso- enfeitei- Isso é uma atitude má, de capacidade apenas para monstros sem coração.
Quinn parecia um pouco perdida, olhando de mim para Kai. Seu rosto estava levemente corado.
- Bom, eu tenho que ir- forçou um sorriso- Mas espero vê - la mais vezes, Bonnie.
Não espera, não, pensei com desdém.
Estava na cara que ela tinha uma queda livre por Kai. Eu estava em seu caminho. Que raio ela viu nele, foi um mistério pra mim.
- Acho que isso não vai acontecer- ele interrompeu- Vamos nos mudar. Decidimos morar juntos.
A garota empalideceu. Assim como eu.
- Mas por que? Esse edifício é muito bom... e não tem porque vocês mudarem...
- É que tem pessoas desagradáveis nas redondezas e quero um lugar mais calmo para mim e Bonnie. Afinal, não é todo dia que alguém fica noivo.
Eu estava à ponto de ter outro colapso nervoso. Que história era aquela?!
Quinn estava mais chocada que eu.
- Bem, se vocês precisarem de ajuda com alguma coisa na mudança, podem me chamar- seu sorriso era tão forçado que parecia doer- Até mais.
E caminhou para o fim do corredor. Nem esperou pelo elevador, apenas desceu pelas escadas.
- Entra- o ouvi dizer e virei-me, vendo a porta aberta. Uma luz forte irradiava de dentro do apartamento.
Passei pelo batente, hesitante. Kai veio logo atrás.
- Como você paga por tudo isso?- minha boca escancarou, ao ver aquele apartamento enorme e bem decorado. A sala de estar era do tamanho do terreno de uma casa inteira.
Tudo tinha tons de dourado, marrom e bronze. Uma janela que ia do chão ao teto dava toda aquela luminosidade.
Pelo pouco que sabia, Kai não era rico.
- Eu fui líder da Convenção Gemini. E esse cargo me dá certas regalias- explicou, olhando com diversão para minha expressão espantada- Quando um integrante morria e não tinha pra quem deixar seus bens. Eles iam automaticamente para o líder. E como eu matei todos...
-... agora você é podre de rico- completei, ainda estupefata.
- Uhum- assentiu.
E todo aquele júbilo foi embora. Aquilo não era dele. Foi de alguma pessoa, provavelmente boa, que morreu naquele massacre que foi o casamento de sua irmã. Pensar em Jo, me fez sentir mais ódio de Kai. Ele a matou, junto com seus sobrinhos ainda no ventre, sem piedade alguma.
- Onde posso tomar um banho?- perguntei, querendo me livrar de todo aquele sangue e sair de perto daquele monstro.
- Isso é um convite? Porque o banheiro do meu quarto, anda um tanto vazio- provocou, dando um passo na minha direção. Dei dois para trás.
- Kai- avisei.
Ele riu.
- Venha comigo.
O segui, ainda cautelosa, com medo de qualquer armadilha que ele pudesse estar tramando. Aquele apartamento era tão grande que tive medo de me perder e entrar nos cômodos errados. Tive o cuidado de seguir Kai e memorizar todos os quartos e salas, mesmo que fossemos ficar por pouco tempo.
- Esse é o seu quarto- o ouvi dizer, parando em frente à uma imensa porta branca- Temporário, mas pode aproveitar.
O herege empurrou a grande porta, dando-me passagem. Entrei no quarto, esperando uma espécie de calabouço. Esperava tudo vindo dele. Até coisas impossíveis.
Claro que como Kai adorava estragar tudo o que eu imaginava, lá estava o quarto mais lindo que eu já havia visto.
As paredes eram pintadas de um azul claro e todos os utensílios eram de um branco imaculado. A cama, os lençóis, as cortinas, os móveis. Tudo era clínico e limpo.
Era um pouco assustador, admito.
- Se eu fosse você- o ouvi sussurrar, perto demais- não ficaria com esse quarto. É um pouco frio à noite. Mas se quiser ficar comigo, vou ficar muito feliz em aquecê-la.
Me voltei para ele.
- Uma pneumonia é um pequeno preço à se pagar para ficar longe de você, Kai.
- Você quem sabe- deu de ombros- Meu quarto é do outro lado do corredor. Se precisar dos meus... serviços, pode chamar.
Assenti com sarcasmo e o vi sair e adentrar uma porta preta em frente à do meu respectivo quarto. Tratei de trancar a minha.
Voltei- me para o cômodo.
- Banheiro...?- murmurei, vasculhando aquela suíte enorme e encontrei uma porta branca e gigantesca- Banheiro- sorri ao entrar naquele espaço.
Era quase do tamanho do quarto e tudo era extremamente limpo e a louça também era de um branco doloroso aos olhos. Eu havia passado tanto tempo no escuro que toda aquela claridade estava incomodando. Fechei as persianas e tranquei a porta do banheiro (como de costume). Comecei a despir-me na fraca luz.
Detestava me olhar em espelhos ultimamente, mas era um impossível não notar minha magreza excessiva naquela coisa de 1,80 de altura. Fui compelida à me alimentar, mesmo que não tivesse fome, mas ainda assim eu não conseguia voltar ao peso original. Talvez, fosse toda essa preocupação constante, o medo de ser machucada e o trauma das vezes em que isso aconteceu.
Durante o banho, tentei controlar os tremores em minhas mãos. Já não tinha mais tanta firmeza para segurar objetos, o que dificultava um pouco as coisas.
Enrolei um roupão grande e fofo em volta de meu corpo. Agradeci aos céus por aquele simples objeto chamado secador de cabelo. Depois de alguns minutos, meu cabelo já não estava mais tão embaraçado e opaco.
Saí do banheiro com toda a cautela, como sempre fazia. Kai não estava em meu quarto. Tudo estava mais que silêncioso naquele espaço branco e azul. Fechei as cortinas, evitando toda aquela luz e caminhei até o que se parecia o closet. Ao abrir aquela porta quase enfartei.
- Mas que... merda é essa?- murmurei, chocada com a quantidade exorbitante de roupas, sapatos e acessórios que existiam lá dentro.
Tudo naquelas araras e gavetas gritava CARO. Vasculhei entre algumas peças, mais intimidada que empolgada.
Quase entrei em total desespero, quando pensei que não fosse encontrar uma roupa decente e sem nada afetado e escandaloso. Até que abri a última esperança, chamada gaveta no fundo do closet.
- Obrigada- sussurrei, abraçando uma calça jeans contra meu rosto. Achei a blusa mais simples que existia ali; branca e de flanela. Havia um par de botas entre todos aqueles Laboutans escandalosos.
Me prostrei diante do espelho enorme do quarto de vestir. Um sorriso bobo surgiu em meus lábios. Ela parecia cansada e triste, mas consegui reconhecer a Bonnie Bennett que eu fora à um tempo atrás.
Fiquei alguns minutos, caminhando pelo quarto e procurando coisas, mas logo fiquei entediada. Uma idéia louca começou a surgir em minha cabeça.
Kai ainda não tinha vindo até meu quarto, então ele devia estar no banho. Claro, todo aquele sangue levaria tempo para sair... Ele estaria ocupado enquanto eu fugia.
A idéia me pareceu maravilhosa. Tentei recordar de todas as coisas caras que vi pela casa. Se eu pegasse um daqueles objetos e vendesse, teria dinheiro o suficiente para chegar em Mistyc Falls, mesmo com o risco de ser pega por aqueles que estavam atrás de Kai. Certamente, Damon e Caroline, não deixariam nada acontecer comigo.
Eu só precisava sair daquele quarto.
Abri a porta com todo o cuidado, com medo de Kai estar atento a sons estranhos.
Havia hma pequena nesga que dava para visualizar o quarto dele. A porta estava fechada e pude ouvir o som baixo da água caindo.
Bom, muito bom, pensei satisfeita.
Fechei a porta atrás de mim com todo o cuidado e caminhei pelo corredor rapidamente. Parabenizei-me por ter decorado o caminho até a sala de estar. Meu coração martelava em minhas costelas, mas ainda assim, parei para pegar o que se parecia um ovo de Páscoa dourado e cheio de pedras preciosas do tamanho do meu punho, sobre um móvel. Isso me daria uma ótima e rápida viagem de avião até o outro lado do país.
Caminhei apressada até a porta de entrada, segurei a maçaneta e a girei. Trancada.
- O quê?- sussurrei para mim, mesma. Lembrava claramente de que Kai não a havia trancado.
Um frio subiu por minha espinha.
À menos que..., pensei horrorizada.
Virei-me devagar, contendo um soluço que queria escapar de meu peito.
- Liberdade, não é uma coisa que combina com você, Bonnie- Kai disse com um sorriso sádico, parado diante de mim.
Não sabia de onde ele havia vindo, mas com certeza já estava me esperando à algum tempo. Percebi que seus cabelos estavam úmidos e ele usava uma camisa preta de botões e jeans skinny.
- Você teria quebrado nosso acordo? Pensei que as Bennett's se orgulhavam de ter palavra.
Minha respiração não passava de alguns resfolêgos agitados.
- Eu tenho palavra para com quem tem- murmurei ativamente.
- Sim, eu também tenho- murmurou, dando um passo na minha direção- Tanto que vou cumprir tudo o que disse à você. Agora a senhorita... Não tenho mais confiança na sua palavra.
Ele caminhou lentamente enquanto falava, até parar a centímetros de mim. Kai tirou o objeto dourado de minhas mãos e jogou por cima do ombro, como se não fosse nada. Ouvi seu baque surdo contra o piso.
Encostei-me contra a porta de entrada, não tendo mais para onde correr. O vampiro ergueu a mão livre- enquanto criava uma barreira com a outra na lateral de meu corpo- e tocou minha bochecha com a ponta dos dedos. Fechei os olhos, tremendo de medo e nojo.
Subitamente seu toque sumiu e logo senti sua mão agarrando meu braço e puxando-me junto com ele.
- Você está sempre me desapontando, Bonnie- resmungou, me arrastando de volta para o caminho de meu quarto- Eu pretendia deixar você à vontade. Não quero que se sinta uma prisioneira, mas insiste em tentar me abandonar. De novo. Não posso deixar que faça isso- eu praticamente corria, para não ter meu braço arrancado- Vai ter alguns dias de castigo pra repensar essa atitude idiota.
Quando chegamos à porta do quarto, Kai me empurrou para dentro dele, fazendo-me perder o equilíbrio e cair desajeitada no carpete cor de creme.
- À propósito- murmurou, com um meio sorriso, segurando a maçaneta- Você está muito bonita.
E bateu a porta. Ouvi o som da chave do outro lado da fechadura.
Lágrimas de dor e desespero desciam por meu rosto. O lugar podia ter mudado, mas eu ainda era uma prisioneira.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Where stories live. Discover now